París - O filósofo e ensaísta francês Gilles Lipovetsky considera em entrevista à Lusa que os actuais protestos em França contra a reforma das pensões estão relacionados com um ideal de bem-estar e o desejo de viver o imediato.
"Existem vários factores profundos, o ideal da boa vida, da secularização da cultura... Agora já não se vive pelo paraíso, ou pelo comunismo, pelo futuro, agora deve viver-se bem, e de imediato. Dizem que nos querem privar de alguns anos da nossa existência como se fosse um ataque frontal ao bem-estar", indicou o filósofo e ensaísta de 78 anos, que se deslocou a Lisboa para duas conferências.
O académico insiste num "fenómeno particular" que abrange a sociedade francesa, com as sondagens a indicarem que cerca de 70 por cento da população contesta o aumento da idade da reforma dos 62 para os 64 anos, e os descontos para o Estado dos 40 para os 43 anos de trabalho para obter pensão completa.
"A França é um dos países do mundo onde se deixa de trabalhar mais cedo. É sem dúvida o país mais socialista do mundo", ironizou, antes de generalizar a sua abordagem ao actual estado das sociedades na perspectiva do primado da hipermodernidade, hiperindividualismo ou da "Era do vazio", conceitos que este antigo ativista no maio de 1968 que hoje se define como um liberal desenvolveu a partir da década de 1980.
"Quando digo que as sociedades estão caracterizadas pela fadiga democrática, é pelo facto de existir uma certa despolitização, mas relativa. Não significa que as pessoas não se interessem por política, mas interessam-se cada vez menos pelos partidos políticos, o que é diferente. Há novas formas de interesse pela política, como a convocação de manifestações de cidadãos pela internet. Mas que não passam normalmente pela via política numa democracia, e que eram os partidos", analisou.
Neste contexto, o filósofo decteta um aparente paradoxo, e quando a "hipermodernidade" e o "hiperindividualismo" impuseram a "regra do obedecer a ti próprio, à tua singularidade, enquanto pessoa particular, porque cada pessoa é particular, e em termos éticos estar de acordo consigo próprio, estar em correspondência com a sua própria verdade e não obedecer a uma verdade exterior".
Esse conceito é fundamental para entender a "antropologia da modernidade", considera.
Numa referência ao seu livro "A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo", publicado em 1983, assinala que existia então um desgosto social, mas havia um adversário. "Agora, nas manifestações em Paris queima-se a foto do Presidente e dizem 'Cortámos a cabeça ao rei Luis XVI, podemos fazer-te o mesmo'", numa referência a Emmanuel Macron. AM/DSC