Lisboa - Dois economistas africanos defendem que África precisa de uma mudança estrutural que passa pela industrialização, seguindo o exemplo asiático, mas com inovações, nomeadamente apostando na modernização industrial verde, no mercado interno e numa negociação inteligente.
"Nós, no livro, defendemos muito esta teoria de que os países africanos têm que imitar aqueles que se industrializaram antes deles mais recentemente, ou seja, os países asiáticos. Mas têm de fazer diferente também", disse à Lusa o economista guineense Carlos Lopes, co-autor do livro "Mudança Estrutural em África. Perceções deturpadas, novas narrativas e desenvolvimento no século XXI", que será lançado no dia 08 de setembro na Feira do Livro de Lisboa.
Na obra, Lopes e o economista do Banco Africano de Desenvolvimento George Kararach defendem que o mundo tem uma percepção errada de África, fixada no tempo do renascimento, em que o continente é diminuído, inclusive em termos geográficos.
Esta percepção errada reflete-se, por exemplo, no facto de as agências de notação financeira "terem uma percepção do risco de África que é muito maior do que aquilo que os números mostram", colocando praticamente todos os países na categoria de "lixo", quando o continente foi a segunda região com maior crescimento económico nas duas últimas décadas, apenas suplantado pelo sudeste asiático, disse o economista guineense.
O caso da dívida soberana é outro exemplo do tratamento desigual que é dado a África, afirmou o autor, questionando como é possível que o conjunto do continente, com 1,4 mil milhões de habitantes, tenha uma dívida soberana equivalente à da Holanda e da Bélgica.
Lopes, professor da Mandela School of Public Governance da Universidade de Cape Town, recordou que África é o continente menos financiado do mundo, com apenas cerca de um por cento do financiamento mundial, o que compromete o seu desenvolvimento: "Se não tem financiamento, não se vai desenvolver".
E responsabiliza, nomeadamente, as instituições internacionais, que, quando chegam a um país africano, se propõem ajudar os países a rentabilizarem a sua vantagem comparativa, "que é sempre petróleo, cacau, diamantes", entre outros.
Isto significa que África está sempre, a nível do comércio mundial, reduzida à exportação de recursos naturais sem transformação, pelo que "nunca vai sair da cepa torta".
O livro defende que não é possível resolver estes problemas fazendo ajustamento estrutural, que foi a proposta das instituições internacionais, nomeadamente do Fundo Monetário Internacional (FMI), durante décadas em África.
"O que nós precisamos é de mudança estrutural, não de ajustamento estrutural. E essa mudança estrutural significa, em termos práticos, que nós temos de nos industrializar", disse o economista, que desde 2018 é o alto representante da União Africana para as negociações com a Europa.
Lopes e Kararach reconhecem que também os líderes africanos têm responsabilidades, ao aceitarem, "porque lhes convém", este modelo de exportação de matérias-primas sem transformação, que Carlos Lopes apelida de "modelo colonial".
Segundo o investigador, 35 dos 54 países africanos são hoje classificados, pelas Nações Unidas, como altamente dependentes de exportação de matérias-primas, ou sejam, têm mais de 80 por cento das suas exportações derivadas de matérias-primas.
E isto está relacionado com o facto de as elites africanas terem adoptado um modelo altamente dependente das rendas dessas exportações, em vez de reestruturarem e diversificarem as suas economias, "porque essas rendas são mais fáceis de manipular, são mais fáceis de acumular, (...) são mais fáceis de utilizar num sistema corrupto".
Este modelo dependente de rendas, que os investigadores apelidam de rentista, é oposto à transformação estrutural: "Não se pode fazer transformação estrutural com comportamento rentista".
Numa altura em que os países africanos olham cada mais para leste, Lopes admite que a ideia de Estado desenvolvimentista, desenvolvida em Singapura e na qual a China se inspirou, permite a aceleração da transformação estrutural defendida no livro.
Trata-se de um modelo em que o Estado é muito mais interventor no estabelecimento de políticas industriais, está menos interessado em criar empresas estatais - "que são fulcros de corrupção no fundo" - do que em estabelecer políticas de incentivos que permitem um desenvolvimento muito mais coordenado e mais ambicioso.
No livro, Lopes e Kararach defendem que os países têm de aprender com os que se industrializaram antes deles, ou seja, os países asiáticos, mas têm de "fazer diferente", nomeadamente apostando numa industrialização verde, que tenha em conta a proteção ambiental; têm de olhar para o seu próprio mercado de consumo, que é enorme; e devem negociar melhor as suas matérias-primas, em vez de exportá-las sem transformação.
Embora preveja que África, no seu conjunto, dificilmente conseguirá fazer essa transformação no curto prazo, Lopes admitiu haver países africanos que estão na boa direção, trabalhando para a mudança estrutural, nomeadamente Marrocos, Quénia, Costa do Marfim, Senegal, ou Egipto, mas também alguns pequenos Estados que estão a "fazer coisas milagrosas", como o Ruanda, a Namíbia, o Togo, o Djibuti ou ilhas como as Seicheles e as Maurícias.
No entanto, há outros que estão numa ilusão de crescimento, porque se a economia crescer 2 ou 2,5 por cento, mas a população aumentar um por cento, isso significa que a economia está a diminuir em termos 'per capita'.