Cidade do Cabo - Os partidos da oposição sul-africanos pediram hoje um voto de prestação de contas com a consequente demissão do Presidente, no debate sobre um relatório parlamentar que concluiu que Cyril Ramaphosa pode ter violado a Constituição e a legislação anti-corrupção.
O líder do principal partido na oposição Aliança Democrática (DA, na sigla em inglês), John Steenhuisen, disse que espera que "o Parlamento vote para responsabilizar o Presidente ainda hoje".
Steenhuisen salientou que "os membros do Governo do ANC não devem repetir as práticas anteriores de proteger seu líder da responsabilidade parlamentar".
O líder do partido de extrema-esquerda Economic Freedom Fighters (EFF), Julius Malema, antigo dirigente da juventude do Congresso Nacional Africano (ANC, no poder), foi mais longe ao criticar a governação do Presidente Cyril Ramaphosa, afirmando que "é um facto inegável que continua a fazer os seus negócios enquanto chefe de Estado".
"Você é um inimigo da Constituição da África do Sul", declarou Julius Malema, questionando se o Presidente Ramaphosa "é um agente secreto ao serviço dos interesses económicos internacionais" e do "monopólio de capital branco".
O partido EFF é o terceiro maior partido na oposição na África do Sul com 44 deputados, representando 10,79 por cento.
"O Presidente Ramaphosa era a única esperança que tínhamos no ANC", referiu, na sua intervenção, o Partido Livre Inkatha (IFP), quarta maior força política no país com 10 deputados (3,38 por cento).
Bantu Holomisa, líder do partido United Democratic Movement (UDM), com dois deputados (0,45 por cento), antigo membro do ANC governante e aliado do líder histórico Nelson Mandela, defendeu a realização de "uma investigação plena" do parlamento sobre o escândalo de Phala Phala.
Os vários partidos na oposição no parlamento sul-africano sublinharam que Ramaphosa "escolheu", "mais uma vez", o partido ANC, de que é também presidente, "ao invés da nação" na forma como tem gerido o escândalo.
No início da sessão especial de hoje, o líder do pequeno partido de oposição African Transformation Movement (ATM) alegou que os deputados receberam mensagens de "ameaças de morte" coagindo-os a votar contra a aprovação do relatório, que pode abrir caminho para o processo de destituição do Presidente Cyril Ramaphosa.
A presidente da Assembleia Nacional Nosiviwe Mapisa-Nqakula confirmou que o caso foi reportado à polícia.
Vuyolwethu Zungula, cujo partido ATM detém dois deputados no parlamento sul-africano (0,44 por cento), onde o ANC governante detém a maioria (57,5 por cento) dos 400 deputados, falava momentos antes do início do debate com trinta minutos de atraso na tarde de hoje na Cidade do Cabo, sede do parlamento sul-africano.
"A única decisão racional que o parlamento pode fazer é aprovar um comité de destituição do Presidente", adiantou depois, na sua intervenção, o deputado de oposição.
"Como é que o parlamento pode rejeitar um relatório de uma comissão que mandatou", questionou.
"Um líder de um partido de dois deputados não pode dar instruções ao um partido gigante como o ANC de como deve resolver os seus assuntos", respondeu um deputado do partido no poder, antes do início do debate parlamentar.
A sessão realiza-se no salão municipal da Cidade do Cabo devido à destruição parcial do edifício da Assembleia Nacional por um incêndio no início deste ano.
Se o relatório for aprovado, Ramaphosa será o primeiro Presidente pós-apartheid a enfrentar um processo de destituição.
A presidente da Assembleia Nacional, Nosiviwe Mapisa-Nqakula nomeou o painel de inquérito parlamentar após uma moção apresentada pelo líder do ATM, Vuyolwethu Zungula, apelando à destituição de Ramaphosa com base "numa violação grave da Constituição ou da lei".
O relatório parlamentar, da autoria de um painel independente liderado pelo antigo chefe da justiça, o juiz Sandile Ngcobo, concluiu que Ramaphosa pode ter violado a Constituição e as leis anti-corrupção através de negócios na sua fazenda Phala Phala, em 2020.
Ramaphosa, que ambiciona a reeleição na liderança do partido no congresso nacional electivo agendado para entre 16 e 20 deste mês, em Joanesburgo, negou irregularidades.
A reeleição na liderança do ANC permitirá recandidatar-se à presidência da África do Sul em 2024.
No seu relatório, o painel de inquérito levantou questões sobre a origem do dinheiro e por que foi escondido das autoridades financeiras, apontando ainda um potencial conflito de interesses entre os negócios do Presidente e os interesses do Estado.
O chefe de Estado sul-africano sustentou que o dinheiro é produto da venda de um número não especificado de búfalos a um empresário sudanês no montante de 580.000 dólares (549 mil euros), salientou.
O advogado de Cyril Ramaphosa indicou que o chefe de Estado decidiu contestar o relatório parlamentar no Tribunal Constitucional, a mais alta instância judicial do país.
As alegações contra o Presidente partiram do antigo chefe dos serviços secretos sul-africanos Arthur Fraser (2016-2018) e director dos serviços prisionais (2018-2021), alegando na acusação que o montante em causa é "aproximadamente entre 04 milhões e 08 milhões de dólares", entre 3,78 milhões e 7,57 milhões de euros.
Fraser alegou que um conselheiro do Presidente transportou ilegalmente avultadas somas de dólares para a África do Sul desde a Arábia Saudita, Egipto, Marrocos e Guiné Equatorial, segundo o relatório parlamentar a que a Lusa teve acesso.