Luanda – O mundo vive hoje num contexto claramente preenchido pela problemática das alterações climáticas, e África, tida como um dos locais mais vulneráveis ao fenómeno, parece começar, enfim, a merecer a devida atenção para uma transição energética global.
Por Adérito Ferreira, jornalista da ANGOP
O “continente berço da humanidade” vai ganhando o merecido protagonismo na agenda da transição energética, numa altura em que o debate incide sobre a urgência da eficiência energética, com vista a estancar o crescimento das emissões globais de gases com efeito estufa para as quais - note-se - os africanos são contribuintes residuais.
Para as lideranças do continente, com o seu vasto potencial de energias renováveis, recursos naturais abundantes, população jovem e em rápido crescimento, África tem que se posicionar na vanguarda da transição para um sistema energético sustentável e inclusivo.
Inúmeros dados provam que o “Continente Negro” tem sido um “contribuinte menor” para as emissões globais de gases com efeito estufa, “libertando” 2% de dióxido de carbono (CO2), e vaticina-se que assim continuará até 2040, devendo crescer, a essa altura, apenas mais 0.2 pontos percentuais.
Apesar disso, a União Africana garante que o continente está empenhado em aumentar a sua quota de energias renováveis, e admite que os combustíveis fósseis, principalmente o gás, continuarão a desempenhar um papel importante como combustível de transição, mediante uma Posição Comum sobre a importância da eficiência energética.
Esta questão constituiu o “pano de fundo” da 9ª Conferência Global Anual sobre Eficiência Energética da Agência Internacional de Energia (AIE), realizada de 22 a 23 de Maio deste ano, em Nairobi, Quénia, onde representantes de cerca de 70 países discutiram como honrar o compromisso de duplicar o progresso da eficiência energética, acordado na COP28, no Dubai, em Dezembro de 2023.
Para a AIE, apesar de uma acção governamental mais forte, a fim de aumentar a eficiência energética nos últimos anos, urge a tomada de medidas mais rápidas para cumprir o prazo de 2030.
O certame aconteceu pela primeira vez no continente africano, o que, segundo algumas análises, constitui um bom sinal para o alcance de um sistema energético sustentável e inclusivo.
Na ocasião, os decisores políticos, a nível geral, foram encorajados a juntar-se ao sector privado e traduzirem a ambição em implementação, com base nas novas Ferramentas de Política de Eficiência Energética 2024 da IEA.
Também em Nairobi, na Cimeira Africana do Clima, em Setembro de 2023, os países africanos comprometeram-se a aumentar a capacidade de produção de energia renovável do continente de 56 Giga Watts (GW), registados em 2022, para pelo menos 300 GW até 2030.
Recentemente, a comissária da União Africana para Infra-estruturas, Energia e Digitalização Abou-Zeid, referiu o paradoxo de, apesar de ser um líder mundial em energias renováveis, África padecer ainda de grave pobreza energética, apelando a mais acções para se alcançar o acesso universal à electricidade.
Dados apontam que cerca de 600 milhões de pessoas em África, o equivalente a 43 por cento da população, não têm acesso à electricidade, porém, países como o Ghana, Rwanda ou Quénia estão a caminho de garantir energia a todos os seus cidadãos até 2030.
Entendidos na matéria afirmam que uma plena eficiência energética resultaria em mais 4,5 milhões de empregos em relação aos actuais e África, rica em minerais cruciais à transição energética, pode aproveitar a demanda crescente noutras regiões, além de as energias renováveis gerarem 5 vezes mais empregos do que os combustíveis fósseis.
A última conferência de Nairobi defendeu que “a eficiência deve ser o primeiro combustível a impulsionar a transição energética”, sendo que esta, segundo Fatih Birol, director executivo do organismo, desempenhará um papel fundamental na criação de emprego, no crescimento das indústrias, na melhoria da segurança energética e na prestação de serviços energéticos modernos e acessíveis a todos nas economias emergentes e em desenvolvimento.
Realçou o facto de tratar-se da primeira edição realizada em África, e referiu que a questão da eficiência energética não é menos importante neste continente, onde se tem de “aumentar, urgentemente, o investimento para garantir uma transição energética justa e centrada nas pessoas”.
Cientistas alertam que, com o aumento contínuo das emissões de gases com efeito estufa, a temperatura média anual de África deverá aumentar cerca de 6 graus célsius até ao final deste século, porém, outra perspectiva indica que o progresso na eficiência energética é um marco fundamental para limitar o aquecimento global a 1,5ºC até meados deste século.
No capítulo da atribuição de responsabilidades, há quem advogue a adopção de resoluções que garantam que o fundo de perdas e danos da ONU e os planos nacionais de adaptação sejam financiados por receitas provenientes dos principais responsáveis pela crise climática e com maior capacidade de pagamento, em particular a indústria dos combustíveis fósseis.
Uma visão mais branda parece ter a Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA) ao defender que os países africanos devem criar um mecanismo financeiro, a nível nacional e coordenado pelo governo ou banco central, para financiar a transição energética.
Outra tese a ter em consideração afirma ser imperativo permitir-se que os países africanos, que pouco contribuíram para as emissões de gases de efeito estufa globais, possam se desenvolver enquanto se reconhece a necessidade da emergência climática, ou seja, deve existir uma “cooperação entre as antigas e as novas indústrias energéticas”.
Ao observar que “ninguém está seguro até que todos estejam seguros”, durante a Cimeira de Soluções Globais, realizada em Berlim, de 6 a 7 de Maio de 2024, Amani Abou-Zeid, comissária da UA para Infra-estruturas, Energia e Digitalização, deixou claro que o mundo precisa de África e “nunca poderá haver transição energética no mundo sem África”.
A afirmação da diplomata africana combina com o Objectivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 7 estabelecido, entre dezasseis, pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 2015, que tem como preceito “Garantir energia acessível, confiável, sustentável e moderna para todos”. ADR