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Café ganha terreno no Cuanza Norte

Fazenda de café "Manuel Castro Paiva" no  Golungo Alto
Fazenda de café "Manuel Castro Paiva" no Golungo Alto
António Escrivão

Ndalatando - O aumento gradual do preço do café no mercado nacional incentiva a reactivação de fazendas antes abandonadas no Cuanza Norte, província com forte tradição no cultivo deste grão, que no passado lhe valeu um lugar de destaque no panorama económico nacional.

Por Ana Cláudia e António Tavares

Apesar dos números actuais desaconselharem qualquer tipo de comparação com o passado, antigos fazendeiros, com experiência comprovada, e famílias camponesas, vão, de maneira rudimentar, tentando aproximar-se aos tempos em que o café “construiuˮ o Cuanza Norte.

Um rosto deste exemplo de heroísmo e estoicismo nesta actividade é o agricultor Manuel Castro Paiva, de 92 anos de idade, que em meio a Reserva Florestal do Golungo Alto, notabiliza-se como o maior cafeicultor da província. Apesar da idade avançada, mantém o vigor, a vontade e determinação de continuar uma actividade iniciada no longínquo ano de 1964.

Actualmente, Manuel Paiva percorre todos os dias 20 quilómetros de estradas de difícil acesso, pela serra da floresta, de casa até aos 75 hectares de campo cultivados de café robusta, na Fazenda Mirasol.

O desafio é atingir os 150 hectares que chegou a plantar nos tempos áureos, quando colheu mais de 80 toneladas.

Disse que, depois de um longo interregno, voltou a pegar na fazenda em 2004, trabalhando com limitações devido a falta de dinheiro para acompanhar a motivação de voltar a fazer do café uma commodity.

“Em 1964, quando comprei a fazenda, derrubei todas as árvores em cerca de 150 hectares e plantei em quatro anos, com a ajuda dos bancos”, lembra o cafeeiro, para fazer um paralelismo com os tempos actuais, em que o acesso ao crédito bancário é afectado pela burocracia.

Até 2017, o preço do café do mercado interno chegou a custar 30 kwanzas o quilo, obrigando os poucos que insistiam e resistiam às adversidades a ficar com a colheita acumulada por cerca de três anos, factor aliado à falta de compradores.

Para Castro Paiva, apesar das dificuldades, as safras têm aumentado de ano para ano, motivado pelo aumento do preço do quilograma do produto que, nos últimos cinco anos, saiu de 30 para 400 kwanzas, montante ainda reduzido para fazer face às despesas, pois os investimentos anuais rondam os sete a 10 milhões de Kwanzas.

O fazendeiro avança que, para este ano, as perspectivas de colheita são animadoras, prevendo-se uma safra de 30 toneladas, contra as 19, de 2020, enquanto em 2021 não houve produção devido a estiagem.

Confirma que a procura do café tem aumentado diariamente, com os comerciantes nacionais e estrangeiros a deslocarem-se até aos cafezais para a compra da produção.

“Vou fazendo o que posso, mas nunca desistirei”, afirma, com os olhos em lágrimas e empunhando uma catana, como se de sua fiel companheira se tratasse nestes longos anos de trabalho.

Entre os resilientes está também Miguel Pedro Maurício, de 65 anos de idade e proprietário da Fazenda MC, que, também no Golungo Alto, cultiva um terreno de 15 hectares, nos quais plantou este ano 16 mil pés de cafeeiros.

Disse ser a maior produção desde 2009, altura em que retomou a actividade, pois, de lá para cá, a maior colheita não havia ultrapassado as três toneladas, mas este ano os números poderão ultrapassar as 14 toneladas.

Em 2021, frisou, vendeu um quilograma do produto a 290 Kwanzas e espera este ano comercializar a um preço superior, para justificar os custos com a produção, principalmente com o pagamento dos salários dos 20 trabalhadores que tem no activo.

No seu entender, o governo deve trabalhar para que, no mínimo, o preço do café mabuba seja fixado em 500 kwanzas e o comercial em mil kwanzas.

Aponta a instalação na região de uma indústria de descasque do bago vermelho como sendo um dos factores para o aumento do preço.

O velho problema das estradas de acesso e viaturas para o escoamento da produção afecta também os cafeicultores, desabafa Miguel Maurício, pois os empresários são obrigados a criar condições para acederem às zonas de cultivo, o que se reflecte na redução do preço do café.

Safra aumenta

Este ano, a província do Cuanza Norte, primeiro centro do café em Angola, prevê colher 800 toneladas de café, mais 100 em relação a 2021, numa área de seis mil hectares plantada.

De acordo com o director do Gabinete da Agricultura, Pecuária e Pescas, Manuel Fernando Domingos, a região possui 642 produtores.

Aventa a possibilidade das médias de produção virem a aumentar porque está-se a apostar no cultivo do café arábica, mais produtivo, por não necessitar de sombra, ao contrário do café cazengo, que é suportado pela sombra e as performances por hectare são mais reduzidas.

Manuel Fernando Domingos sublinhou que o grão está a ter preços animadores, em função do mercado internacional, e a população está apostada em recuperar a mística do café que, para si, construiu o Cuanza Norte, região onde se iniciou, com significado, a sua colheita nas plantas que disseminavam pelas matas e se instalaram as primeiras fazendas desde a terceira década do século XIX.

Para recuperar o estatuto ostentado no passado, disse que o governo está a trabalhar no sentido de aumentar as áreas de produção e tem introduzido, através da distribuição de mudas de café, novas variedades e mais precoces do que aquelas de há cinco anos, para produzirem pela primeira vez.

Neste sentido, só este ano já foram distribuídas aos cafeicultores cerca de 50 mil mudas.

Com uma área de cultivo de 150 mil hectares, a produção anual de café no Cuanza Norte chegou a atingir 93 mil toneladas, em 1972, quando os municípios do Bula Atumba, Dembos e Pango Aluquém ainda integravam a província.

Rejuvenescimento da mão de obra

À semelhança de Castro Paiva, 92 anos, e Miguel Maurício, 70 anos, os cafeicultores da província têm idade avançada, muitos já sem o vigor de outros tempos, restando apenas o amor ao trabalho.

“Se quisermos trazer o café de volta, temos de convidar a juventude para esta actividade”, afirma Castro Paiva, pois quando esta geração desaparecer vai levar consigo o café e o plano de o tornar num produto de valor comercial estratégico vai registar recuos.

Lamenta o facto de muitos dos esforços para passar o testemunho aos jovens terem acabado em fracasso. “A nossa juventude é imediatista, quer coisas rápidas e não gosta do campo. É necessário criar condições de formação e emprego para mostrar que a vida está aqui”, afirmou.

Miguel Maurício alinha no mesmo diapasão e teme que os níveis actuais sofram um revés devido a falta de mão-de-obra.

O envelhecimento da “classe” é uma preocupação partilhada entre o Governo e os cafeicultores,  que não vêem entre os jovens qualquer interesse pela cafeicultura, prevendo-se que quando esta geração parar de trabalhar pode ser o princípio do fim.

Na opinião do director do Gabinete da Agricultura, Pecuária e Pescas do Cuanza Norte, Manuel Fernando Domingos, é necessário “uma grande viragem histórica, para que a juventude aposte na produção do café”.

O responsável afirma que a média de idade de quem produz café actualmente não dá garantias de que dentro de 10 anos esse produto possa ajudar na balança económica do país.

Por isso, defende mais incentivos à juventude, transmitindo-lhe a história do café e o seu peso económico.

Necessidade de maior investimento

A cadeia cafeícola e a cultura do cacau, caju e da palmeira de dendém necessitam de mais de 150 milhões de dólares norte-americanos para se aumentar e resgatar os níveis de produção que caracterizaram Angola no período colonial.

Apesar de já ter sido o terceiro maior produtor mundial de café em 1970, período em que atingiu cerca de 225 mil toneladas por ano, actualmente a produção do “bago vermelho” em Angola é irrisória e está longe de alcançar lugares cimeiros em África, em particular, e no mundo, em geral, devido ao fraco investimento e “quase esquecimento” do sector.

Por exemplo, os valores disponibilizados nos últimos dois anos foram insignificantes e irrisórios, que “não passaram dos 294 milhões de kwanzas e 500 mil dólares norte-americanos”.

O fraco investimento nesse sector faz com que a actual produção do café angolano seja variável e nivelada por baixo, comparativamente ao tempo colonial.

A título de exemplo, em 2018, a produção fixou-se em  6 400 toneladas de café robusta, contra 4.245 produzidas em 2019, enquanto em 2020 a produção subiu para 5.570.

A par do Café Robusta, o sector registou a colheita de 110 toneladas de Café Arábica em 2018, 124 (em 2019) e 480 (em 2020).

Renovação dos Palmares

Raro é ver no Cuanza Norte uma produção de café sem que esteja associada ao cultivo de palmares, para a produção de óleo de palma e outros subprodutos.

Porém, o palmar actual é velho, com cerca de 80 a 100 anos, tendo resistido à falta de cuidados, enquanto durou a guerra, que dificultou o acesso aos campos, sendo por isso pouco produtivo.

Deste modo, a produção de óleo de palma no Cuanza Norte reduziu significativamente.  Considerada na província  uma cultura subsidiária do café, a exploração de palmares chegou a ser, também, uma importante fonte de receitas para a região.

Na década de 70, a província chegou a produzir 3.200 toneladas de óleo de palma e 1.200 de coconote, então utilizado no fabrico de sabão. Hoje, a maior utilidade que se dá aos palmares no Cuanza Norte é a extracção de maruvo, bebida embriagante resultante da sua seiva.

As poucas quantidades de óleo de palma que ainda se produzem servem apenas para satisfazer o auto consumo, ainda que, de vez em quando, sobre alguma coisa para vender no mercado local.

De acordo com o Director do Gabinete da Agricultura, Manuel Fernando Domingos, o Instituto Nacional do Café gizou um programa de revitalização do palmar, que inclui a recuperação de uma pequena área para obtenção de “boa semente” e, também, para a recepção de mudas de plantas híbridas procedentes da Indonésia.

Recentemente, o Departamento Provincial do Instituto Nacional do Café recebeu 43 mil  sementes pré-geminadas, provenientes da Indonésia, que distribuiu aos produtores do Cuanza Norte e de outras regiões do país.

Segundo as projecções populacionais de 2018, elaboradas pelo Instituto Nacional de Estatística, o Cuanza Norte conta com uma população de 495.810 habitantes e área territorial de 24.110 km², sendo a segunda província menos populosa de Angola, ficando a frente apenas do Bengo.

A província é constituída por 10 municípios, a saber Ambaca, Banga, Bolongongo, Cambambe, Cazengo, Golungo Alto, Gonguembo, Lucala, Quiculungo e Samba Caju.





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