Moscovo - A OTAN e a Rússia formalizaram relações há 25 anos, com a assinatura de um acordo que levou António Guterres, actual Secretário-Geral da ONU, a declarar, na altura, que os antigos inimigos passavam a estar do mesmo lado.
A "Acta Fundadora sobre as Relações Mútuas, Cooperação e Segurança entre a OTAN e a Federação Russa" foi assinada em 27 de Maio de 1997, em Paris, era a Rússia liderada por Boris Ieltsin e a Aliança Atlântica pelo espanhol Javier Solana.
António Guterres era Primeiro-Ministro de Portugal e foi um dos dirigentes dos 16 países que integravam então a OTAN a assinar o documento, juntamente com Bill Clinton (EUA), Jacques Chirac (França), Helmut Kohl (Alemanha), Tony Blair (Reino Unido), Jean-Claude Juncker (Luxemburgo), Romano Prodi (Itália) ou José María Aznar (Espanha).
Apesar do acordo, Ieltsin reafirmou a oposição russa ao alargamento da OTAN às antigas repúblicas da União Soviética, mas surpreendeu o mundo ao anunciar o desmantelamento das ogivas nucleares "dirigidas contra os países" cujos dirigentes estavam à mesa com ele em Paris.
Disse também que o Conselho Conjunto Permanente OTAN-Rússia, criado no âmbito do acordo, iria permitir o debate e a tomada de decisões conjuntas sobre a segurança na Europa.
"Acho que Ieltsin quis dizer, de uma forma muito clara, que a partir de agora não há nenhuma razão para nós, europeus ocidentais, termos receio, e não existe nenhuma razão para a Rússia ter receio dos EUA ou da Europa Ocidental", comentou Guterres nesse dia à agência Lusa.
"Agora, estamos todos do mesmo lado", acrescentou.
No discurso em Paris, Guterres defendeu que o acordo deveria ser encarado como "o início de um caminho que há de levar a uma verdadeira aliança entre a OTAN e a Rússia, que em conjunto partilham a mesma origem civilizacional e os mesmos valores da Idade da Razão".
No dia seguinte, os chefes da diplomacia da OTAN iniciaram uma reunião de dois dias em Sintra, nos arredores de Lisboa, durante a qual Solana e o então ministro ucraniano Guennadi Udovenko rubricaram a "Carta de Parceria" sobre o futuro relacionamento entre a Aliança Atlântica e a Ucrânia.
Vinte e cinco anos depois, os antigos inimigos continuam em lados opostos, ao contrário do que pretendia o actual chefe da ONU: a Rússia, liderada por Vladimir Putin desde 2000, invadiu a Ucrânia há três meses, para impedir o país vizinho de aderir à OTAN, entre outras razões, e enfrenta a condenação e a oposição do Ocidente.
O acordo de Paris apontava, no entanto, para um caminho diferente, o que terá justificado o optimismo de Guterres e dos restantes líderes perante o que consideraram ser o fim da Guerra Fria.
No documento de 16 páginas, os dois lados afirmavam que deixavam de se considerar adversários e iniciavam uma "relação fundamentalmente nova".
Comprometiam-se a não recorrer "à ameaça ou ao emprego da força" contra a outra parte, "bem como contra qualquer Estado, a sua soberania, integridade territorial ou independência política", conforme a Carta das Nações Unidas e os acordos de Helsínquia.
Afirmavam o "respeito pela soberania, independência e integridade territorial de todos os estados, o direito inerente de escolherem uma forma própria de garantir a sua segurança, a inviolabilidade das suas fronteiras e o direito dos povos à autodeterminação".
Previam ainda transparência na "criação e implementação de políticas de defesa e doutrinas militares", bem como "a prevenção de conflitos e a resolução de disputas por meios pacíficos", de acordo com os princípios da ONU e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
Dois anos depois do acordo de 1997, Polónia, República Checa e Hungria aderiram à OTAN.
Seguiram-se Bulgária, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Letónia, Lituânia e Roménia, em 2004, Albânia e Croácia, em 2009, Montenegro, em 2017, e Macedónia do Norte, em 2020.
Aos 30 membros actuais podem somar-se mais dois, dado que Suécia e Finlândia, países historicamente não-alinhados, entregaram o pedido de adesão à OTAN em 18 de Maio, como consequência directa da guerra que a Rússia trava na Ucrânia.