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SOS para o reino Mbunda

Rei dos Bundas Mwene Mbandu III e IV
Rei dos Bundas Mwene Mbandu III e IV
Foto arte: David Dias

Luena – O Reino Mbunda, um dos mais antigos e grandes agrupamentos étnicos da África Austral, vive hoje uma crise de liderança, após a vacatura do trono pelas mortes sucessivas de dois reis, nos últimos dois anos.

Por Yambeno Daniel, jornalista da ANGOP

O reino está instalado na província do Moxico, Leste de Angola, mais precisamente no município dos Bundas, fronteiriço com a Zâmbia, e é um Património Cultural da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).

A actual vacatura no trono, que já dura mais de um ano, põe em risco a resiliência existencial daquele que é um dos mais importantes e históricos grupos étnicos no mosaico étnico-cultural de Angola, migrado do Centro para o Sul de África.

Ao contrário desta nova realidade, o povo Mbunda possui o histórico de ter-se desenvolvido, mantendo unida e consolidada a sua cultura, língua e  soberania como território Mbunda.

A sua composição é formada por sete grupos étnicos, designadamente Mbunda Ya Mathzi, Shamuka, Mbalango, Yauma, Nkangala, Ndundu e Sango, cada um com o seu próprio dialecto, e desenvolveu-se nas áreas entre o Norte do rio Lunguebungo, o Sul do rio Kuando e Oeste do rio Kueve.
 
A expansão, cuja migração se iniciou no Quénia e na RDC, ocorreu séculos antes da vinda dos colonialistas portugueses ao território actualmente designado por Angola.

O povo Mbunda nunca abandonou o seu território para atacar ou conquistar terras  de outros falantes das línguas Bantu.
 
A designação ‘Mbunda’ pode ser encontrada em várias outras línguas, para além da própria língua Mbunda, referindo-se ao solo. Literalmente, ‘Mbunda’ significa vermelho ou terra vermelha, mas também pode significar carne.
 
A contribuição do Reino Mbunda à riqueza antropológica angolana abarca ainda os costumes desse povo abundante, a Sul do Luena, semelhantes aos das tribos Côkwe, Lunda, Luvale e Luchaze, apenas com algumas pequenas diferenças.

Os tipos de alimentação, o seu modo de produção, até o modo de casamento, entre elas, assemelham-se.
 
Três décadas de resiliência à extinção
 

A crise de liderança mais longa observada no Reino dos Mbundas ocorreu entre 1974 e 2007, com a morte, às portas da Independência de Angola (11 de Novembro de 1975), do rei Kazungo Shanda (Mwene Mbandu II), sucessor de Mwene Kapova Lyondthzi (rei Mwene Mbandu I) como o 21.º rei, na linhagem do reinado Mbunda.
 
Segundo um documento da monarquia Mbunda, denominado ‘Breve Historial do Povo Mbunda’, a maneira como o colono governou o país também tornou impossível aos nativos desfrutarem do estilo de vida.
 


 Quando a luta para a libertação de Angola começou, tornou-se pior, mobilizando até o próprio rei Kazungo (Mwene Mbandu II) a juntar-se aos guerrilheiros do MPLA, depois de, em 1968, ter recebido o Presidente António Agostinho Neto, tendo, posteriormente, recuado para a Zâmbia em 1972, antes de falecer em 1974, na aldeia de Lyandondo, distrito de Kalabo.
 
A restauração do Reino Mbunda
 
Com o advento da paz, alcançada em 2002, o povo da tribo Mbunda iniciou diligências para restaurar o seu reino com um árduo trabalho de pesquisa que culminou com a nomeação de um dos membros da família real descendente de Mwene Kazungo Shanda.

No dia 16 de Agosto de 2008, Mwe Mbandu Lifuti foi entronizado como o 22.º rei sob a  designação de rei Mwene Mbandu III.

Mwene Mbandu III foi o rei mais consensual e respeitado da história dessa tribo no pós-Independência, antes de falecer por doença, a 20 de Julho de 2021, no Hospital Geral do Moxico, na cidade do Luena, a capital provincial.

“Deixou, sem sombra para dúvidas, um impacto insuportável no seio da comunidade moxicana e não só. Foi uma personalidade de grande calibre, tendo dedicado a sua vida à promoção e à preservação da cultura.

“Com o seu desaparecimento físico, a comunidade angolana perdeu um conhecedor da História Universal, do Direito Constitucional, da Economia de Mercado, assim como do Desenvolvimento Rural e Comunitário”, descreve o documento consultado pela ANGOP.
 
O sinuoso caminho da saída da crise

A crise instalou-se na monarquia de 15 milhões de súditos espalhados por Angola, RDC, Namíbia, África do Sul e Zimbabwe, todos Estados-membros da SADC.

A primeira tentativa de substituição de Mwene Mbandu III aconteceu com aparente normalidade, por via da tradicional cerimónia de entronização, que elevou João Pedro Mussole a 24.º rei, de cognome Mwene Mbandu IV.

Em contrapartida, morreu 67 dias depois, a 15 de Dezembro de 2022, na sua vila natal de Lumbala Nguimbo, sede municipal dos Bundas e da Embala, onde nasceu a 30 de Outubro de 1958.

A tentativa de entronização de Mwene Mbandu V tem-se revelado um processo de difícil gestão e sucessivos adiamentos e até com ‘burla’ à mistura protagonizada por um alegado impostor cidadão zambiano conhecido por Du Shefu, entronizado ‘ilegalmente’ como rei dos Mbundas, em Agosto último.

Antes, muito contestado pela própria família, considerando-o "indivíduo arrogante, com desvio de carácter, falta de princípio de gestão e unificação e tribalista", Du Shefu foi, finalmente, deportado para a Zâmbia, por alegada entrada e permanência ilegal no país.

Com o intuito de evitar a lista dos ‘Reinos perdidos de África’, título de uma saga de filmes produzidos pela emissora londrina BBC, o Reino Mbunda lançou um ‘fervoroso’ clamor contra a sua iminente extinção em Angola, RDC, Zâmbia, Namíbia, África do Sul e Zimbabwe.

A extinção de um dos mais populares reinos Bantu de 15 milhões de súditos poderá ocorrer devido a um cepticismo reinante na corte, dada a dificuldade de se indicar uma figura de consenso para ser entronizada como o 25.º rei dessa tribo, cuja embala-sede nasceu e continua na vila de Lumba-Nguimbo, no município dos Bundas.

A dimensão geográfica e cultural deste reino do povo Bantu, conhecido, igualmente, por Bundalândia, é supracontinental e integra cinco dos 15 (um terço) Estados-membros da SADC.

Um desses países possui o estratégico e ambicioso projecto do Corredor do Lobito, cujo ‘cartão-de-visita’ são os Caminhos-de-Ferro de Benguela (CFB) e o Porto Comercial do Lobito, importantes infra-estruturas susceptíveis de promover as vertentes económica, social e turística global em Angola e na região.

Num exercício de estabelecimento de pontes e consensos, o Conselho da Corte Real tem promovido conversações, envolvendo os Ministérios do Interior e da Cultura, bem como o Governo Provincial do Moxico, para o encontro de soluções de saída do imbróglio a que está remetido o reino

Com a estrutura ainda abalada pelas mortes sucessivas das lideranças do trono da tribo com origens no Sudão e que, desde então, enfrenta sérias dificuldades de se reerguer, a monarquia clama por socorro em uníssono: “Salvem o Reino dos Bundas”.
YD/IZ





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