Luena- O juiz conselheiro jubilado do Tribunal Constitucional Raúl Araújo afirmou hoje, no Luena, província do Moxico, que a reforma do sistema judiciário em curso no país visa dar um carácter universal consagrado na generalidade das constituições de cariz democrático.
O magistrado judicial, que ministrava uma aula magna à comunidade académica do Moxico, sob lema "Acesso à justiça em Angola na salvaguarda do Estado democrático e direito", disse que as reformas das políticas públicas de justiça vão permitir que o acesso seja mais abrangente.
No quadro da reforma do sistema judiciário no país, destacou a proposta do Código do Processo Administrativo e o Código do Procedimento Administrativo, diplomas que estão em vias de aprovação na Assembleia Nacional (AN).
Para o antigo coordenador da comissão da Reforma da Justiça e do Direito, em curso há 10 anos, os diplomas legais vão abrir a possibilidade de os cidadãos responsabilizarem civilmente o Estado e outras pessoas colectivas públicas, em caso de as suas acções violarem os direitos, as liberdades e garantias consagrados no artigo 75 da Constituição da República de Angola (CRA).
“O cidadão que paga a sua taxa de circulação, se cair num buraco, enquanto estiver a conduzir, pode processar o Estado, exigindo uma indemnização pelos danos, porque o Estado é obrigado a pôr as estradas a funcionar em condições”, exemplificou.
Afirmou que com a regulamentação do Código do Processo Administrativo e do Procedimento Administrativo, poderá se registar muitos processos de cidadãos contra o Estado, por incumprimento dos seus deveres, daí a necessidade da sua organização e de maior preparação dos agentes administrativos.
No âmbito do acesso à justiça, o também professor catedrático da Universidade Agostinho Neto defendeu maior valorização do direito costumeiro, como um mecanismo viável e legal para a resolução de conflitos dentro do sistema judiciário angolano.
Antigo Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), Raúl Araújo recordou que, a par do direito formal, o costume é também um mecanismo legal, consagrado na Constituição angolana, no artigo sétimo, e por força dele os cidadãos podem encontrar oportunidades de acesso à justiça.
“Muitas das vezes pensamos que a resolução de conflitos é uma função exclusiva das autoridades judiciárias ou dos tribunais, quando na verdade existem outras vias, como é o caso do costume que tem a mesma validade como o direito positivo, desde que não fira a dignidade da pessoa humana”, disse o membro da comissão da Reforma da Justiça e do Direito.
Raúl Araújo considerou que o acesso ao direito e à justiça no país ainda é “extremamente deficitário", uma vez que grande parte dos cidadãos não encontra esta oportunidade, devido a carência de instituições que facilitariam a concretização deste direito.
Defendeu a criação de condições para a implementação de uma rede de resolução de conflitos e de outros instrumentos que poderiam facilitar a mediação de conflitos, a consulta e o aconselhamento jurídico, evitando que os problemas sejam resolvidos apenas pela via dos tribunais.
Convidado pela Movangola para dissertar a aludida Aula Magna, o juiz sublinhou que outro mecanismo de acesso à justiça passa pela promoção de acções por parte do Estado, que visem maior prestação de informações sobre os direitos fundamentais e deveres dos cidadãos.