Cuito – Num contexto em que se celebra o Dia da Mulher Africana, o 31 de Julho, vários são ainda os desafios que se colocam no processo de emancipação do género feminino.
Por Valentino Yequenha, jornalista da ANGOP
A realidade constatada no projecto de construção da Central Fotovoltaica do Cuito, na província do Bié, é uma prova viva das mulheres africanas que querem vencer as barreiras sociais na luta pela igualdade do género.
Nesta empreitada, que poderá transformar a dinâmica do fornecimento de energia eléctrica de forma sustentável na região, destaca-se a força e o talento de nove mulheres técnicas de electricidade.
As mesmas foram incorporadas com a responsabilidade de, ao lado dos homens, instalar os painéis solares e a sua interligação no sistema eléctrico, desafiando estereótipos, por ser uma área historicamente dominada pelo género masculino.
Na central solar Fotovoltaica, denominada "Solar Angola", cujas obras se iniciaram, em Dezembro de 2023, estão outras mulheres desde a área administrativa à assistência social e limpeza, tendo em conta a necessidade de se promover a participação activa dessa franja social na efectivação do empreendimento e processo de reconstrução da província e do país em geral.
Com o alcance deste feito, fruto da busca pelas oportunidades, as mesmas têm se tornado numa referência e incentivo para outras mulheres seguirem suas paixões e lutar pela equidade.
Uma das protagonistas desse processo é a jovem Teresa Lidia Soi, que disse ser, desde sempre, seu sonho trabalhar em projectos ligados à área de energia.
Ela fala da interacção positiva com os colegas (homens da empresa), baseada na partilha de experiência e conhecimentos.
Elizabeth Maria é outra técnica de electricidade do projecto que admite ter encontrado, para além do emprego, uma oportunidade para a sua emancipação, tornando-se numa mulher independente e realizada.
No projecto também está Antónia Menezes, uma mulher entusiasmada e feliz na sua relação com os painéis solares e cabos eléctricos.
Para ela, participar no projecto é um concretizar de um sonho de ser técnica de electricidade e de dar o seu contributo no processo de desenvolvimento do país.
“Quando cheguei aqui muitos duvidavam das minhas capacidades. Hoje, sou responsável pelo trabalho de instalação dos painéis solares e tenho orgulho pelo que conquistei,” referiu.
Mãe de dois filhos, a mesma não escondeu a sua satisfação por encontrar também uma fonte de sustento para os seus descendentes, apesar do desafiante processo de conciliar as suas responsabilidades profissionais e de mãe.
A cargo da empresa Manuel Couto Alves (MCA), o projecto de construção da Central Fotovoltaica do Cuito, orçado em 20 milhões 883 mil e 712 euros, está a ser implementado no bairro Caluco, numa área de 25 hectares.
Em termos de força de trabalho, emprega, numa primeira faz, um total de 70 trabalhadores, entre homens e mulheres, dos 150 postos previstos.
Mas, o destaque recai mesmo para as nove mulheres empregadas na área técnica para a montagem de mais de 27 mil painéis solares, para gerar 14, 5 megawatts e beneficiar, depois de concluído, perto de 90 mil famílias, a partir de 2025.
Formadas pelos centros públicos de formação técnico-profissional da província, antes do início dos trabalhos foram submetidas, pela empresa, a uma sessão de refrescamento de uma semana, de modo a aprimorarem os seus conhecimentos.
A formação específica oferecida por meio do projecto não só empoderou elas, ao capacitá-las em uma área técnica, mas também rompeu com estigmas sociais que as limitariam de assumirem o desafio e progredirem com sucesso.
Fruto disso, hoje, “com a sua mão de fada”, essas mulheres estão a dar o melhor de si, introduzindo práticas e soluções de eficiência do trabalho, para garantir mais segurança e qualidade na empreitada.
Com percentagens ainda muito baixas de representação no sector eléctrico, a presença feminina neste projecto representa não apenas uma quebra de barreiras, mas também uma inovação que traz sensibilidade e visão diferenciada na inclusão desta franja social na execução de actividades antes tidas apenas para os homens.
O projecto, de acordo com um dos responsáveis encarregue pela obra, exige mão-de-obra local, o que resultou no recrutamento e a capacitação de muitos jovens com diversas habilidades, em que se destacam essas mulheres.
O envolvimento de mulheres em projectos de género, segundo o mesmo, não apenas melhora a qualidade de vida delas, mas também incentiva um futuro mais igualitário para as próximas gerações.
Deste modo, prosseguiu, se pretende transmitir um exemplo inspirador de como a inclusão de mulheres pode transformar realidades.
“À medida que mais mulheres se destacarem em funções de relevância social, elas pavimentam o caminho para uma sociedade mais justa e diversificada, provando que a força feminina é essencial para o progresso, a inovação e símbolo de dignidade, empenho e igualdade”, sublinhou.
Numa visita recente ao projecto, no cumprimento da sua agenda de trabalho, a governadora da província do Bié, Celeste Elavoco David Adolfo, mostrou-se satisfeita com a realidade, salientando ser uma prova inequívoca dos passos firmes que as mulheres da província têm dado rumo a sua emancipação e realização.
Visivelmente emocionante na interacção com as técnicas de electricidade, a governante destacou a importância do envolvimento do género feminino em actividades de relevância social, enquanto mecanismo para promover a participação inclusiva e igualitária no processo de reconstrução e desenvolvimento do país.
Por esta razão, encorajou as mesmas a continuar com determinação e profissionalismo no cumprimento das suas tarefas, assegurando que o seu governo vai privilegiar a promoção da igualdade do género, sobretudo nos cargos de direcção e chefia, de modo a garantir a equidade e inclusão social.
Especialistas apontam caminhos para emancipação da mulher africana
Por ocasião da efeméride, especialistas em diversas áreas do conhecimento analisaram a situação actual desta franja social do continente e apontam estratégias para a sua emancipação em meio às várias dificuldades enfrentadas no dia-a-dia.
Ouvidos pela ANGOP, destacaram a importância da educação, do empreendedorismo e da igualdade de género como pilares fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
Para o economista Adelino Sassapa Sapalo, apesar dos avanços que se têm registado, as mulheres africanas ainda enfrentam inúmeros desafios, desde a desigualdade de género, salarial, a violência doméstica, a falta de acesso à educação e aos recursos financeiros.
Aliado a isso, disse estar a não divisão equitativa do trabalho doméstico, reduzindo tempo e energia disponíveis para actividades económicas remuneradas, afectando negativamente a produtividade e a participação no mercado de trabalho, entre outras barreiras que limitam a plena participação deste segmento na sociedade.
Para contornar este quadro, enfatizou a aposta em programas de educação e capacitação profissional para mulheres como a chave para mudança significativa na vida do género feminino no continente.
Defendeu também a adopção de políticas que promovam a igualdade no género e o acesso fácil aos recursos financeiros.
“Investir na educação de meninas e mulheres, bem como na promoção da igualdade de género no mercado de trabalho não é apenas uma questão de justiça social, mas também um imperativo económico para o desenvolvimento sustentável”, referiu.
Disse não haver dúvidas que as mulheres precisam apenas de mais oportunidades para mostrarem o que valem, fruto das suas capacidades, e conquistarem espaços para o seu progresso na sociedade.
O jurista Bento Sassavi complementou a análise, apontando a necessidade de políticas públicas que promovam a igualdade de género.
É de opinião da adopção de leis mais eficazes no combate à violência no género, por ser um fenómeno que tem vitimado mais as mulheres e comprometendo o seu desenvolvimento pessoal e social.
Na sua opinião, é imperioso que os governos africanos implementem leis que protejam os direitos das mulheres, assim como programas que incentivem a participação feminina em sectores estratégicos da economia.
Por sua vez, o sociólogo Nelson Kacungula apontou os complexos sociais e culturais africanos que relegam as mulheres apenas para as funções domésticas na pirâmide da estratificação social, em detrimento dos homens, que desde sempre vincaram as suas ideais e ideias, como principais constrangimentos da inserção e integração do género feminino.
Em função disso, continuou, o progresso social tem sido cercado por vários desafios, como a estigmatização e os assédios sexuais, culminando nos vulgos “testes de sofã” para poderem progredir socialmente.
O especialista advogou mais espaços e oportunidades para esta franja, de modo a permitir que alcance a independência, autonomia, liberdade e auto-suficiente, para progredir fruto da sua competência e demonstrar que podem competir de igual para igual com os homens.
O Dia da Mulher Africana é uma data histórica que homenageia a força, a resiliência e as conquistas das mulheres no continente africano.
Instituída em 1962 durante a Conferência das Mulheres Africanas em Dar Es Salaam, na Tanzânia, esta data é um marco importante na luta pela igualdade de género e pelos direitos das mulheres na África. VKY/PLB