Maputo - A coordenadora do Movimento Cívico para o Fundo Soberano de Moçambique, coligação de organizações não-governamentais (ONG), considerou hoje que o julgamento do antigo ministro das Finanças Manuel Chang nos EUA poderá produzir informação crucial sobre as dívidas ocultas.
No dia 13 deste mês, Chang compareceu pela primeira vez num tribunal em Nova Iorque, declarando-se inocente das acusações que pesam sobre ele no caso das dívidas não declaradas de Moçambique, depois de ter sido extraditado para a jurisdição norte-americana pelas autoridades da África do Sul.
Em declarações hoje à Lusa em Maputo, Fátima Mimbire, coordenadora do Movimento Cívico para o Fundo Soberano de Moçambique, defendeu que o julgamento do antigo ministro das Finanças em Nova Iorque poderá permitir a revelação de "informação crucial" sobre os contornos das dívidas ocultas, assinalando que a justiça norte-americana é mais transparente do que a moçambicana, que também pretende julgar Manuel Chang.
"Muita informação que é crucial para entendermos o que aconteceu no processo das dívidas ocultas vai sair, sem dúvida alguma", enfatizou Mimbire.
"Nós estamos na expectativa de que uma vez iniciado o julgamento [nos EUA], Manuel Chang possa trazer os detalhes que nos vão permitir fechar o círculo do entendimento do que é que realmente aconteceu", acrescentou.
Assinalou que espera aceder a dados como os que sobressaíram com o julgamento de Jean Boustani, o negociador do grupo Privinvest, a empresa de Abu Dabi que forneceu barcos e equipamentos de protecção costeira considerados pela justiça moçambicana e norte-americano como fachada para esconder os subornos financiados pelo dinheiro das dívidas ocultas.
Apesar de ter sido absolvido em Nova Iorque, o julgamento de Jean Boustani permitiu que fossem revelados pagamentos à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, e a figuras ligadas ao Estado moçambicano, que antes não tinham sido mencionados em nenhuma investigação relacionada com o caso das dívidas ocultas, recordou Fátima Mimbire.
Por outro lado, o julgamento do processo principal das dívidas ocultas realizado em Maputo apenas desvendou uma parte dos contornos do caso, havendo ainda zonas de penumbra, salientou Fátima Mimbire.
"O julgamento da tenda da BO [em Maputo] não permitiu conhecer de forma completa o que é que efectivamente aconteceu, quem é que deu as autorizações" para a contracção das dívidas ocultas, porque "o julgamento que houve em Moçambique trouxe uma parte do problema, mas a principal parte do problema é esta que vai ser trazida por Manuel Chang", frisou.
Para a coordenadora do Movimento Cívico para o Fundo Soberano de Moçambique, as audições de Chang em Nova Iorque também vão fornecer elementos à justiça moçambicana para fortalecer a acção contra o antigo ministro das Finanças, dado que é também alvo de um processo autónomo no seu país.
"Esperamos que a PGR [Procuradoria-Geral da República] faça uso da mesma, para reforçar a sua acusação", destacou, notando, contudo, que em Moçambique "reina um sistema de impunidade, que permite acusações frágeis para favorecer penas brandas e recursos infindáveis".
Chang foi ministro das Finanças de Moçambique durante a governação de Armando Guebuza, entre 2005 e 2010, e terá avalizado dívidas de 2,7 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros) secretamente contraídas a favor da Ematum, da Proindicus e da MAM, empresas públicas referidas na acusação norte-americana, alegadamente criadas para o efeito nos sectores da segurança marítima e pescas, entre 2013 e 2014.
A mobilização dos empréstimos foi organizada pelos bancos Credit Suisse e VTB da Rússia.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo. JM