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Recursos naturais e conflitos armados em África

     Política              
  • Luanda • Sexta, 12 Fevereiro de 2021 | 12h36
Mapa de África com as respectivas Bandeiras de cada país
Mapa de África com as respectivas Bandeiras de cada país
Divulgação

Luanda – Desde que, em finais da década de 90, norte-americanos e europeus regressaram à África, em força, várias outras potências seguiram a sua iniciativa.

João Gomes Gonçalves - ANG0P

Países como Brasil, China, Índia, Japão e Rússia aumentaram a sua presença no que até então era considerado “propriedade histórica da Europa”, segundo afirma a imprensa da Universidade Livre de Louvain (Bélgica).

Para aquela imprensa especializada, nesta segunda década do século XXI, a reconquista de África, rica em matérias-primas, como o petróleo, ouro, cobalto, diamante, madeira, urânio, flora marinha e água abundante, é considerada um desafio maior.

O assunto figura mesmo no centro de um jogo de influências cada vez mais agressivo, em prejuízo dos países africanos, na maior parte das ocorrências, por causa do verdadeiro jogo de xadrez em curso no continente berço da Humanidade.

“Para atingir os objectivos dos seus conceitos, os chefes políticos precisam de um método e de meios que se chamam estratégia, um conjunto de métodos e meios que permitem atingir os fins exigidos pela política”, escreve o reformado general francês, Jean Salvan.

Os recursos naturais e os conflitos africanos

Sinais oportunistas independentistas têm-se verificado nas últimas duas décadas, 50 anos depois do fim da guerra secessionista de Biafra (Nigéria), em 1970, motivada pelo controlo do petróleo.

Uma guerra incitada pelo francês Jacques Foccard “Monsieur l’Afrique”, que teve como ponta de lança do conflito o general nigeriano Odjuku, que acabou por morrer no exílio na Côte d’Ivoire, depois de derrotado.

Vários países africanos, como Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Níger e Tchad (G-5) ao lado Nigéria (África Ocidental), Camarões, República Democrática do Congo (RDC), República Centro-Africana (África Central), Etiópia e Somália (África Oriental) e Moçambique (SADC – África Austral) têm registado tendência de populações de algumas da suas regiões reclamarem independências dos Estados a que pertencem.

Há duas semanas, as forças da ordem angolanas abortaram, no Nordeste do país, um acto de “rebelião armada”, que visava tomar de assalto uma das esquadras policiais da localidade de Cafunfo, na província da Lunda-Norte, afirmando serem de um auto-denominado Movimento do Protectorado da Lunda-Tchokwe, legado da antiga potência colonial portuguesa.    

Os diferentes grupos acima referidos, que, até recentemente, conviviam pacificamente com as outras tribos dos respectivos países, parecem ter acordado de um longo sono de décadas, levantando vários argumentos superficiais, como a pobreza, a injustiça, as assimetrias regionais e mesmo o neocolonialismo, como móbil das suas reivindicações secessionistas.

Os instigadores dos conflitos ligados aos recursos naturais

Por norma, as chamadas guerras de secessão diferem das guerras de libertação nacional, ideológica (ódios religiosos, étnicos) ou de acesso aos recursos.

A dimensão religiosa pode ser feita ou através de lutas de influências dos Estados ou de diásporas patrocinadoras, seja pela instrumentalização do religioso pelo poder, ou ainda pela vontade de defender ou de lutar pelos valores.

Quanto às guerras africanas, elas são, ao mesmo tempo, pré-westfalianas (emaranhado de actores, lealdade, milícias e mercenários), e pós-wesfaliana (inserção numa economia mundial criminosa).

O chamado sistema westfaliano foi criado a partir de uma série de tratados resultantes de guerras, envolvendo a Espanha, Holanda, França, Inglaterra, Alemanha e Suécia, tendo a dinastia dos Habsburgo como centro.

O westfaliano serviu de referência para guiar as relações internacionais europeias, sobretudo durante o período compreendido entre 1648 e 1789.

Por outro lado, as hostilidades africanas são, também, infra-nacionais e internacionais (tráficos de armas, papel de Estados e diáspora patrocinadora, saída de produtos, entrelaçamento de intermediários no seio dos canais com ramificações regionais e internacionais).

A nível nacional, elas inserem-se nas redes dos poderes políticos ligados à máfia e às redes criminosas, sublinha o intelectual fancês Philippe Hugon, no seu artigo “Afrique contemporaine 2006/2 nº 218”.

Os actores dos conflitos são múltiplos. Não se limitam aos exércitos nacionais que se confrontam ou às oposições entre forças governamentais e rebeldes.

Hugon aponta o aparecimento de novos actores com uma engrenagem e uma permanente recomposição/decomposição dos actores da violência: são privados (mercenários, milícias, crianças-soldados), actores comunitários e sociedades secretas (partidos de caçadores, seitas religiosas...) e públicos (forças armadas, policiais, de manutenção da paz).

Os recursos naturais como motivos das guerras

Numa exposição do fenómeno acima, Philippe Hugon, em Hérodote 2009/3 (nº 134), páginas 63 a 79, escreve que as relações entre guerras e recursos naturais conduziram a uma “ecologia política da guerra”, que analisa as guerras dos recursos naturais e ambientais, do saque ou da secessão.

No entanto, revela que os recursos naturais podem fornecer meios para financiar rebeliões, motivadas por outros interesses que não sejam os próprios recursos.

Philippe Hugon particulariza o facto de um Estado detentor de recursos petrolíferos correr nove vezes mais risco de ser palco de conflitos armados, em relação aos outros que não os possuem.

Outro factor que ressalta na sua exposição é de que, estando concentrados num delimitado território, os recursos naturais, além de favorecerem tentativas secessionistas, conduzem a comportamentos “rentistas” ou de ganhos indevidos,  que proíbem ou retardam a emergência de instituições fortes.

Num outro prisma, a abundância dos recursos naturais pode, através da violência, atiçar os controlos coloniais, imperialistas e o saque.

De igual modo, assinala que a água e a terra, por causa da sua raridade, podem também avivar as tensões susceptíveis de conduzir a conflitos armados.

Em suma, as manifestações dos chamados independentistas do auto-denominado do Movimento do Protectorado Lunda-Tchokwe enquadra-se naquilo que, em termos de guerra, se chama “lealdade” (allegence, em francês), porque obedece às pegadas dos vários movimentos de secessão que também abrangem os territórios do Sul da RDC e do Leste da Zâmbia.

A relativa instabilidade na região enquadra-se, claramente, nas tentativas de um pretendido renascimento do império Lunda-Tchokwe, desmantelado no termo da conferência de Berlim, em 1885.

Banidas pela “intangibilidade das fronteiras legadas do colonialismo”, uma emenda da antiga OUA ainda vigente na actual UA, proposta em 1973, na cimeira do Cairo, pelo defunto Presidente tanzaniano, Julius Nyerere, tais reivindicações só podem ser viáveis com o apoio de potências estrangeiras.





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