Cuito – A redução de pessoas com deficiência em Angola levará à quebra da transição geracional de atletas praticantes das modalidades paralímpicas, com destaque para o basquetebol em cadeiras de rodas e, embora pareça paradoxal, forçar o desaparecimento do desporto adaptado no país.
Por Valentino Yequenha, jornalista da ANGOP
Na visão do secretário-geral da direcção do Comité Paralímpico Angolano (CPA), António da Luz, caso se efective tal cenário, será “ouro sobre azul”, uma vez que se poderá cumprir com um dos objectivos da agremiação desportiva.
Em entrevista à ANGOP, argumentou que tal facto estaria em linha com as políticas do Executivo, que tem reforçado as medidas de prevenção e combate contra as causas da deficiência física das pessoas no país, depois do fim definitivo do conflito armado, em 2002.
O Estado vai reforçando as medidas para a redução dos acidentes de viação e de trabalho, clarificando as zonas anteriormente minadas durante a guerra, para que o problema de pessoas com amputação desapareça e haja cada vez menos jovens a praticarem estas modalidades, disse.
António da Luz declarou que um tal resultado não constitui problema para o CPA, porquanto prefere o nascimento de crianças saudáveis para a prática das modalidades convencionais ao surgimento de novos deficientes para se juntarem ao desporto adaptado.
Na sua opinião, o futebol para amputados é, por exemplo, a modalidade que se apresenta como a mais satélite, podendo desaparecer a qualquer momento, mas que o basquetebol não foge à regra.
Ao longo da entrevista, concedida na ‘ressaca’ da terceira edição do Campeonato Nacional de Basquetebol feminino adaptado, realizado de 19 a 26 de Outubro, na província do Bié, António da Luz abordou, igualmente, o estado da modalidade no país, as dificuldades e os projectos em execução e em carteira para a mudança do quadro actual.
A falta gritante de cadeiras de rodas caracteriza o quadro actual da modalidade, numa altura em que procura alcançar a sua massificação e desenvolvimento.
Eis a entrevista na íntegra:
ANGOP - Há quantos anos foi implementado o basquetebol em cadeiras de rodas em Angola e com que objectivos?
António da Luz (AL) – O senhor jornalista está a fazer-me uma pergunta difícil, pois a memória falha. Em Angola, o basquetebol em cadeiras de rodas começa com uma organização não-governamental no Moxico, nos anos 1990. Já vamos na 15.ª edição do Campeonato Nacional da modalidade.
Fomos progredindo paulatinamente, procurando pessoas com conhecimento sobre basquetebol convencional, que se foram adaptando ao de cadeira de rodas, e, pouco a pouco, fomos criando condições para a formação específica nessa modalidade. Foi assim que fomos, portanto, expandindo a modalidade.
Sempre que tivéssemos uma competição, trazíamos um técnico de fora, que trabalhava com os nossos treinadores na área das leis e regras de arbitragem, assim como técnicas do basquetebol em cadeiras de rodas.
Este desporto é parecido com o convencional, muda nalgumas coisas, mas 80 por cento dos gestos e movimentações que se fazem não se diferem.
Assim surgiu o basquetebol adaptado, como uma modalidade implementada com o objectivo de integrar as pessoas com deficiência na vida desportiva e como forma de integração social, valorização e sanidade mental. E, obviamente, quanto maior forem as modalidades, melhor para nós. Tivemos o futebol com prótese e depois passámos para o amputado, basquetebol em cadeiras de rodas e o atletismo, que sempre foi a nossa marca.
Com o decorrer do tempo, o basquetebol tornou-se numa paixão para muitos jovens que enveredaram para a modalidade e, rapidamente, cresceu. Nós é que não tivemos a capacidade de acompanhamento, porque o basquetebol adaptado é uma modalidade extremamente cara, devido ao principal material utilizado, que são as cadeiras.
Uma cadeira custa entre 500 mil e 10 milhões de kwanzas. Então, esse tem sido o grande empecilho.
Neste momento, estamos com oito equipas femininas e 15 masculinas. É uma demanda, e nós não temos a capacidade de resposta, quer em termos de material, que são as cadeiras, bolas e equipamentos, quer em termos de infra-estruturas para a prática da modalidade.
ANGOP - Que províncias têm a modalidade e qual é o número de praticantes?
AL – São várias províncias, como Benguela, Bié, Cuanza-Sul, Huambo, Huíla, Luanda e Uíge. Em termos de número de praticantes, se olharmos para as 15 equipas masculinas e fizermos um rácio mais ou menos de 25 atletas por cada uma delas, vamos saber quantos são. No feminino, estamos com oito equipas e, multiplicando por 20, saberemos, igualmente, quantas atletas são.
Portanto, há já um número considerável de atletas a praticarem basquetebol adaptado. Não há mais porque não temos material. Angola não fabrica cadeiras. Temos de comprar fora e nem sempre temos essa capacidade, daí a redução de participantes.
ANGOP - Qual é a avaliação do estado actual deste desporto?
AL - É complicado falar da situação actual da modalidade no geral, pois, primeiro, não temos ainda uma nata de jovens com deficiência concentrada em determinada comunidade.
Falar de futebol e basquetebol para deficientes pode-se ter, por exemplo, na rua X do bairro Y um atleta com características dessas modalidades. Depois teremos de andar mais ruas para encontrar mais um e mais um bairro para encontrar outro, e isso dificulta, ou seja, não há, sim, pessoas com deficiências aglomeradas. Se eu quiser montar uma equipa de futebol convencional infanto-juvenil, por exemplo, dos 10 aos 12 anos, só numa rua de um bairro consigo o número de atletas suficientes para montá-la. Ao nível das pessoas com deficiência não, visto que elas não estão acumuladas, estão dispersas. Temos de andar à procura e a sensibilizar quer os atletas, quer as famílias. Quando se consegue a sensibilização, encontram-se outras dificuldades.
A primeira tem a ver com a falta de campos próximos que permitem que eles possam participar, de forma activa e contínua, nos treinos desportivos, e a segunda é o problema da locomoção.
Um cadeirante, por exemplo, para sair do Cazenga até à Cidadela para treinar, enfrenta inúmeras dificuldades, como transporte, por causa dos autocarros que ainda não são tão evidentes assim, a fim de garantirem a transportação dos mesmos. Por outro lado, existe o caso dos táxis particulares, que nem sempre têm condições e nem sempre querem transportá-los, tudo porque a cadeira ocupa espaço e depois têm de ajudar os deficientes a entrar no veículo, o que acaba por representar algum trabalho para eles.
Então, há aqui uma dificuldade na mobilização e concentração dos jovens para a prática de qualquer modalidade desportiva paralímpica.
Isto tem condicionado a nossa actividade desportiva, e são precisos esforços enormes, pois, mesmo que tivéssemos meios para o transporte dos atletas, coloca-se, por outro lado, o problema da organização dos bairros, que não permitem, hoje, que se faça a recolha célere, devido à falta de acessos, associada aos custos praticados, que nem sempre estão à altura da maioria dessa franja social que apresenta uma condição económica baixa.
É preciso que, dentro do sistema de facilitação de transporte de alunos, também se abranjam as pessoas com deficiência, adquirindo um cartão que lhes permita andar nos transportes públicos sem gastar dinheiro. Estamos a caminhar para ali e esperamos que, de facto, venha a vincular, visto que, de outra forma, fica difícil.
Costumo dar o exemplo do Brasil, onde o jovem atleta que mora na favela deixa o bairro, vai até à paragem, apanha o autocarro e, de seguida, o comboio que o deixa à porta do estádio para os treinos. No final, faz a higienização e segue o mesmo processo para ir à escola e regresso a casa, com recurso ao uso de um cartão que o facilite em toda essa movimentação. É esse o sistema que tem de se adoptar. Enquanto não acontecer em Angola, continuará a ser um sacrifício enorme para se ter o número de atletas concentrados e a praticar os desportos paralímpicos.
ANGOP - Qual é o nível competitivo actual em ambas as classes?
AL - Do ponto de vista competitivo, estamos melhor. O que se viu, de forma particular, na 3.ª edição do Campeonato Nacional em feminino, que a cidade do Cuito, província do Bié, acolheu de 19 a 26 de Outubro, é uma situação inédita e inexplicável. As atletas, nas suas províncias, não jogam, nem sequer treinam no sistema contra cinco, por falta de cadeiras suficientes para poderem jogar na vertente competitiva.
No basquetebol adaptado, para além dos exercícios separados e faseados, como a técnica individual, o lançamento de bolas, o manuseio da cadeira, o drible, o passe, os vários tipos de passes, faz-se o domínio entre duas pessoas e depois há o sistema de transição, de ataque, contra-ataque, ataque rápido e de posição. E para se fazerem esses movimentos todos, são necessárias, no mínimo, 10 cadeiras, entre duas equipas opostas de cinco atletas cada em campo a treinarem esses aspectos.
As nossas províncias têm, actualmente, quatro a cinco cadeiras em condições e, por conta disso, nunca jogam cinco contra cinco, só quando vêm para um campeonato nacional é que têm esse trabalho e é extremamente difícil montar uma equipa capaz de jogar numa competição quando, durante o ano todo, não conseguiu treinar todos os movimentos do desporto.
Mas conseguimos verificar, no Bié, uma qualidade técnica, táctica e produtividade das atletas. Quer dizer que, quando tivermos 10 cadeiras para cada equipa, o nosso basquetebol poderá ir muito mais além.
ANGOP - E quanto à vertente social do desporto, que avaliação se pode fazer?
AL – Socialmente, a avaliação é transversal, uma vez que o nosso objectivo, enquanto CPA, é a descoberta de talentos, trazê-los à ribalta, dar-lhes técnicas e tácticas do desporto, transformá-los em atletas de competição contínua, que os media possam acompanhá-los, podendo falar para a rádio, televisão e jornal, competirem de forma regular, quer a nível provincial, quer nacional, com um período de treinos contínuo e sistemático que lhes permite atingir determinados níveis para praticar as modalidades em qualquer prova.
E isso dá-lhes alguma visibilidade, tira-os do anonimato e com a possibilidade de poderem estar, ser vistos e reconhecidos pela comunidade como heróis e vencedores.
O desporto dá-lhe essas todas valências, mas depois a continuidade já não depende do CPA.
Por exemplo, o acesso ao ensino e ao emprego já vai depender de outras estruturas afins, que deveriam estar ligadas ao CPA, para que, tão logo este atleta se socialize, tenha possibilidade de dar essa continuidade. Infelizmente, isso ainda não acontece como queremos.
Hoje, o atleta sai do anonimato e ganha visibilidade por conta da prática do desporto, mas, quando termina a carreira, volta à estaca zero, dado que não encontrou a ponte para dar continuidade ao seu progresso social. Ele até pode ir à escola, mas o grande problema é o emprego, e é ali onde temos as grandes dificuldades em encontrar espaço para as pessoas com deficiência.
Contudo, é um assunto que nos preocupa e, para mudar o quadro, estamos a trabalhar com o Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional (INEFOP), a fim de ver se conseguimos, por via da formação técnico-profissional e de outras áreas que essa instituição controla, empregar os nossos atletas.
Este assunto está muito avançado, e, a partir de 2025, vamos começar a colher os primeiros frutos em relação a essa questão, porque, tal como já referi, nos preocupa bastante. Não queremos que o atleta termine a carreira desportiva e volte a ser mendigo outra vez. Será um tempo perdido, e nada estaremos a fazer.
Se o trouxermos à ribalta e conseguir estabilizar-se, será para continuar e não para regredir.
ANGOP - A qualidade dos treinadores é aceitável?
AL - A qualidade actual ainda não é satisfatória. Temos de trabalhar muito: formar, formar e formar. E todos os anos, temos estado a formar.
Temos um programa de formação contínua a nível nacional e internacional, pois a nossa grande preocupação é ir formando e potenciando os nossos formadores.
Este ano só não veio um técnico português para acompanhar o nosso campeonato feminino e capacitar os treinadores porque fizemos o contacto muito tarde e não esteve disponível para vir neste período.
Mas estava prevista a vinda de um técnico português para acompanhar o campeonato e orientar os nossos treinadores.
ANGOP – Existem, em Angola, infra-estruturas com condições adequadas para a prática deste desporto?
AL – Ainda não temos. Nas poucas que existem e que oferecem mínimas condições, encontramos algumas barreiras em termos de acesso. Só para dar algum exemplo, no Bié tivemos alguns problemas quase que comprometeriam o campeonato, visto que o único pavilhão com condições mínimas para o torneio tinha outros compromissos.
A questão das infra-estruturas é também um handicap para nós, primeiro por causa dos aspectos que têm a ver com as acessibilidades e o tipo de piso adequado para o basquetebol adaptado, pois não pode ser praticado em qualquer um, uma vez que as cadeiras, sobretudo as rodas, são sensíveis.
É preciso que haja um piso mais adequado, como o de tábua ou de cimento, que permite que se trabalhe sem sobressaltos. De outra forma, as cadeiras, após três ou quatro meses, deixam de existir, já que ‘ressentem’ do problema do piso, desgastando as rodas, os eixos, e, em Angola, não temos peças de reposição.
Este é o grande problema com que nos debatemos e estamos a trabalhar para a sua resolução. Apesar da boa vontade e programas, agora com o PLANADESPORTO, que prevê a construção de mais infra-estruturas, mas não sabemos se seremos consultados para dar a nossa opinião sobre a necessidade de se observarem as condições aceitáveis, para que as cadeiras tenham uma durabilidade e compatibilidade com os espaços onde vão ser utilizadas.
ANGOP - E já agora, fale sobre o enquadramento do desporto adaptado, de forma particular o basquetebol, no PLANADESPORTO.
AL - O PLANADESPORTO é global, abrange todas as franjas da sociedade e todas as etapas em termos de faixas etárias. Não podemos olhar, dento dele, o desporto adaptado como uma particularidade, mas como seu membro integrante. Depois, os nossos programas anuais é que vão definir aquilo que deverá ser o tirar proveito do PLANADESPORTO.
Ele está aí aberto e é para todos. Temos de ser suficientemente inteligentes para tirar o maior proveito.
O basquetebol em cadeiras de rodas em Angola é uma marca, e, com o PLANADESPORTO, que prevê, essencialmente, a criação de infra-estruturas, vamos crescer muito!
ANGOP - Como a sociedade encara esta modalidade no cenário desportivo angolano? Há assistência favorável nos locais das competições, que permite que os atletas ganhem maior visibilidade?
AL - Infelizmente, continuamos a realizar os campeonatos com as bancadas vazias. Realizámos o atletismo no Estádio dos Coqueiros com as bancadas vazias, assim como o futebol amputado. Isso requer maior divulgação para que a população passe a ter alguma paixão por essas modalidades e apareça para dar maior alento e calor aos nossos atletas. Ainda não é por aí. Temos de trabalhar muito, principalmente nas comunidades em que, efectivamente, há população que precisa de gostar do desporto e encará-lo como uma forma de ocupação dos tempos livres.
Sentimos muita falta do público a apoiar o desporto. Quando ganhamos alguma coisa lá fora, é sensacional, e todo o país vibra, porém, nos nossos campeonatos nacionais, ainda sentimos alguma ausência do público.
ANGOP - Esta falta de público pode representar alguma discriminação social desta franja?
AL - Não iria por aí. Se notar, só agora é que o nosso futebol convencional está a reconquistar a presença do público nos estádios, visto que, durante algum tempo, estávamos mal. Tudo anda atrás do futebol convencional. Se o futebol não vai, todo o resto fica para trás. Então, eu penso que é uma questão de oportunidade e maior divulgação por aquilo que as pessoas com deficiência fazem.
Por isso, não considero discriminação, porque hoje, felizmente, conseguimos dissipar esta prática nos desportos paralímpicos.
Se há discriminação, ela existe no geral e não pelo facto de a pessoa ser deficiente. Geralmente, no desporto adaptado, já não há discriminação. Outro feito que conseguimos é equilibrar os prémios de vitórias e de medalhas, que são iguais para todos, quer para o desporto adaptado, quer para o convencional, assim como o tratamento que se dá a uma selecção. Hoje, cumprimos com todos esses pressupostos, não podemos pensar mais que haja discriminação no desporto, o que há ainda são algumas barreiras, sobretudo de acesso aos recintos desportivos.
ANGOP - Há factores que têm desencorajado os atletas a continuar na prática da modalidade?
AML: Sim e muitos. Por exemplo, não temos clubes que incluem, no seio das suas modalidades desportivas, o basquetebol adaptado e, por conta disso, os atletas precisam de ter a boa vontade para praticar desporto.
Não temos capacidade de pagar mensalmente os atletas. Para o fazer, têm de estar ligados a um clube e, mensalmente, pagar determinado valor para um atleta praticar o desporto como se faz no convencional. O mesmo tem a ver com os técnicos que não são remunerados, dado que não estão também vinculados a nenhum clube.
Então, isto acaba por ter alguma repercussão directa naquilo que é a prática. O atleta começa, mas acaba por desistir pelo meio, porque, depois, sente a necessidade de algum apoio financeiro para a sua subsistência, que não encontra no desporto e vai procurar obter noutros sítios. Por conta disso, é obrigado a deixar de praticar a modalidade para ir atrás do pão de cada dia.
Este é um problema que exige soluções urgentes, para além da atitude de muitas famílias que impedem o envolvimento dos seus filhos neste desporto.
Nem todo o familiar aceita que o seu filho deficiente pratique desporto. A primeira coisa que uns perguntam é: O que é que vai ganhar?
Olham logo para o retorno financeiro e não para o ganho de âmbito social de integração. Esse é mais um dos constrangimentos que dificultam a mobilização de mais jovens com deficiência para a vida desportiva.
ANGOP - Fale-nos do contributo das famílias dos atletas.
AL - As famílias só aparecem quando os atletas ganham alguma coisa. Quando os atletas estão na Selecção, vão para uma competição e ganham medalhas com direito a prémios, há muita gente que aparece, como tios, irmãos, primos, avós, netos, etc. Todos aparecem. Mas, quando estão no processo e vivem as dificuldades do mesmo, não se sente a presença das famílias. Apenas só quando ganham alguma coisa, porque esses atletas acabam por ser os auto-sustentos dos seus familiares. Eles é que ganham o dinheiro e vão dividir com as famílias.
O inverso dificilmente acontece, por isso é que temos problemas com o ‘Projecto Criança’.
Neste projecto, para que a criança possa praticar desporto, precisamos que o encarregado assine uma ficha de responsabilidade, autorizando o seu educando a praticá-lo. Encontramos muitas barreiras neste sentido.
Então, há, de facto, estas dificuldades de a família aceitar.
Os atletas que o fazem são os adultos e que vão por vontade, muitas vezes sem o consentimento das famílias que, normalmente, só aparecem quando o (s) filho (s) ganha (m) alguma coisa e percebem que têm algum valor financeiro que pode ser dividido.
ANGOP - Assumiu aqui a falta de cadeiras de rodas, sobretudo ao nível das províncias, para os treinos e realização de competições internas. Como é que o CPA tem lidado com essa situação?
AL - Neste momento, temos o apoio do Ministério da Juventude e Desportos para a aquisição de algumas cadeiras de rodas. Estamos no mercado à procura das melhores ofertas. Nos próximos dias, iremos já fechar este processo e definir se vamos à China, Tailândia ou à Alemanha e depois daí faremos a tramitação necessária com as instituições afins, particularmente os bancos, para a transferência dos valores e, tão logo isso aconteça, as cadeiras levarão entre quatro e seis semanas para serem fabricadas.
De seguida, serão enviadas em contentores para o país e vamos receber para distribuir para as diversas províncias.
Isto é um ponto assente: iremos comprar 150 cadeiras.
ANGOP - Este projecto enquadra-se no âmbito do protocolo que o CPA assinou, recentemente, com a China?
AL - Não. Este projecto é do Governo de Angola.
O Ministério da Juventude e Desportos sentiu-se na necessidade de se predispor a ajudar-nos na aquisição destas cadeiras.
Quanto ao projecto China, foi assinado o acordo, mas falta agora estabelecer o programa de execução. Esse programa está a ser elaborado e vai ser no domínio da formação dos nossos técnicos, estágio das selecções que irão às competições internacionais e também no domínio do apoio em termos de equipamento e material desportivo que aquele país possa, eventualmente, disponibilizar para o CPA.
O projecto de cadeiras é do CPA e do Ministério da Juventude e Desportos.
ANGOP - É desta vez que teremos cadeiras personalizadas com a aquisição das 150?
AL - Não. As cadeiras vão ser compradas para a massificação. As personalizadas serão para as selecções nacionais. Quando tivermos já as pré-selecções, quer masculina, quer feminina, que vão participar no Campeonato Africano da modalidade (em 2026), vamos trazer a Angola um técnico de uma das indústrias, com o qual definiremos o fabrico das cadeiras e as suas medidas com base nos atletas.
As cadeiras serão fabricadas de acordo com o tipo de deficiência que cada atleta possui, tipo de envergadura e em função da sua estatura, para que lhes possam servir. As cadeiras para as selecções nacionais são como as sapatilhas. Há padrões estabelecidos.
Para o base, extremo e poste, as cadeiras têm alturas definidas. Nas competições internacionais, antes de o atleta entrar em campo, a sua cadeira tem de ser medida por um técnico, desde o assento às rodas. Se tiver centímetros a mais, é reduzida, e se tiver menos, aumenta-se. Por isso, essas cadeiras têm de ser personalizadas, devido aos padrões que são exigidos para cada tipo de atleta e o tipo de deficiência que possui.
ANGOP - Como serão distribuídas as 150 cadeias, uma vez que o país tem, de acordo com a actual divisão administrativa, 18 províncias?
AL - Temos basquetebol adaptado apenas em 15 províncias. Dessas, temos um top de 10 províncias, aquelas que participam regularmente em competições nacionais e que receberão 10 cada, num total de 100, e as restantes, 50, repartidas às outras emergentes, para irem já movimentando o basquetebol.
A ideia é potencializar a praça basquetebolista do país e depois, pouco a pouco, tentar criar-se um sistema que permita que, pelo menos, todos os anos consigamos reforçar essas 150 cadeiras.
ANGOP - Olhando para os dois projectos aqui anunciados, quer com o Ministério da Juventude e Desportos, quer com o protocolo com a China, pode-se afirmar que o CPA encontrou soluções sustentáveis para a continuidade do basquetebol adaptado ao nível do país?
AL - Não diria solução, diria resolução de um problema que nos apoquenta, porque há muito que andamos nesta luta, e todas as cadeiras de rodas para o basquetebol que o país tem sempre foi o CPA que as adquiriu. Mais uma vez, vamos fazer esse esforço, apesar de, em determinada fase, termos solicitado aos governos provinciais que nos apoiassem nesse sentido, mandando, inclusive, facturas pró-formas. Uma coisa é comprar 12 cadeiras, outra é comprar 150. Se cada Governo Provincial comprasse, regularmente, as 12 solicitadas, teríamos menos gastos neste momento.
Mas como isso não acontece, vamos fazer mais um exercício, adquirindo as cadeiras e distribuí-las às províncias.
ANGOP – Então, qual seria o projecto sustentável e eficaz?
AL - O primeiro é a construção de infra-estruturas. Havendo campos, é um meio caminho andado, depois adquirir as cadeiras, para que os atletas possam ter condições para todos os dias treinar o domínio das mesmas cadeiras, os lances, os ataques, os contra-ataques e tudo aquilo que o basquetebol proporciona para uma boa performance em termos de competição e competitividade.
ANGOP – Com o projecto das 150 cadeias, abre-se um desafio, que é a sua manutenção, mas o CPA tem apenas, em todo o país, seis mecânicos, e um é considerado o principal. Como pensam em responder à demanda ao nível do país, já que as mesmas serão distribuídas nas 18 províncias?
AL - O que estamos a fazer é que cada cadeira de roda traga duas rodas e o igual número de câmaras e eixos sobressalentes, ou seja, não vamos só comprar cadeiras, como também material de reposição, a fim de que, paulatinamente, alimente aquelas que, eventualmente, apresentarem avarias. Essa vai ser a nossa política e, a partir disso, espero que possamos resolver o problema, tendo as cadeiras e programando, anualmente, a aquisição, na fábrica onde compraremos, de material de reposição sempre que se exigir.
ANGOP - Falando de material de reposição, qual tem sido a principal dificuldade: falta de mercado no país, divisas ou impostos na importação?
AL - O país não tem mercado para esse tipo de material. As canadianas para o futebol, por exemplo, fabricadas no país, são muito pesadas, assim como não há bolas adequadas para a prática do desporto adaptado. Praticamente, 70 a 80 por cento do material utilizado para o desporto adaptado tem de ser importado.
ANGOP - Sem ser pessimista, hoje, olhando para a realidade de Angola, quase que as situações que levavam as pessoas a contrair a deficiência são escassas. Podemos citar algumas como o conflito armado, que terminou definitivamente em 2002, e o compromisso que o Executivo assumiu em combater a poliomielite, reforçar as medidas de redução dos acidentes de viação, entre outros. Como será feita a transição geracional dos atletas?
AL - Se não houver mais pessoas com deficiência, será, para nós, um ‘ouro sobre azul’. Eu costumo dizer, por exemplo, que o futebol com muleta é uma modalidade satélite que, a qualquer momento, poderá desaparecer. Vão-se tomando as medidas para se reduzirem os acidentes de viação, acidentes de trabalho e clarificação das zonas anteriormente minadas. Então, o que desejamos é que o problema de jovens com amputação desapareça e haja cada vez menos pessoas a praticar o futebol para amputados e demais modalidades adaptadas. E havendo menos pessoas, desaparecem todas as modalidades desportivas dessa natureza.
ANGOP - Não será um contra-senso, caso aconteça, já que a existência de pessoas com deficiências constitui o objecto destas modalidades?
Antes pelo contrário. Um homem sem uma perna, por exemplo, é saudável, mas um com duas é ainda melhor. E esse é o nosso desejo. A poliomielite está a ser combatida, é uma das várias causas das deficiências físicas, o que significa que o Governo está a tomar medidas preventivas no sentido de evitar que tenhamos mais crianças a nascerem deficientes e, quando assim acontece, é melhor. Quanto menos pessoas com deficiência houver no país, para nós, repito, é um ‘ouro sobre azul’, porque não estamos preocupados que haja deficientes para praticar este tipo de desporto, mas, sim, que as crianças nasçam saudáveis e possam praticar o desporto convencional.
ANGOP - Ainda insisto em perguntar o porquê. Será que o desporto adaptado serve apenas para acolher os deficientes existentes e não olhar para o futuro?
AL - Este é o nosso objecto social. Se o senhor jornalista for assistir aos jogos paralímpicos, vai ver que há vários tipos de deficiência que nós, em África, particularmente em Angola, não temos, principalmente o da paralisia cerebral. Felizmente, em Angola, não temos pessoas com mobilidade muito reduzida.
As nossas deficiências são mais congénitas, por consequências da poliomielite e amputações. Não temos, assim, grandes níveis de deficiência de paralisia cerebral, como uma das mais complicadas que há. Isso significa que, se conseguimos conter, por via da prevenção, obviamente que vamos reduzir o leque de pessoas com deficiência na prática do desporto.
ANGOP – Recentemente, o CPA anunciou a desassociação do basquetebol adaptado no leque das modalidades sob seu controlo, criando uma federação independente. Como está esse processo?
AL - Estamos a ensaiá-lo. Se verificar bem, já não fazemos a gestão directa do terceiro Campeonato Nacional feminino da modalidade. Há uma comissão instaladora que assume toda a responsabilidade da competição em ambas as classes. Apenas aparecemos para prestar o apoio administrativo e financeiro. Já não temos a intervenção técnica, no sentido de, pouco a pouco, irmos preparando as pessoas para passarmos a uma Federação ou Associação Nacional. Mas isso não depende somente de nós. Ainda teremos de conversar com o Ministério da Juventude e Desportos, para vermos os prós e os contras.
As razões para esta medida são várias. Primeiro, porque, com 23 equipas existentes, fica difícil o CPA gerir, mas já dá para ter uma federação independente. Segundo, há uma Federação Internacional de Basquetebol em Cadeiras de Rodas, mas o CPA não pode filiar-se a essa organização. Perdemos muito por não estarmos filiados, apesar de pagarmos quotas, como é óbvio, e temos assentos nas reuniões.
Mas, se já tivéssemos uma federação, seria muito mais eficiente e eficaz para nós. Pensámos em todas essas nuances e estamos a analisar os prós e os contras. Em termos de orçamentos, seria mais uma instituição independente do CPA, o que asseguraria a descentralização.
ANGOP - Há um horizonte temporal para a sua efectivação? E caso se efective, que basquetebol adaptado teremos e quais são os benefícios esperados?
AL - Estamos num processo. A última Assembleia-Geral abordou esta questão, e, na próxima, vamos consolidá-la e depois dar tempo ao tempo para se criar a federação. Assim sendo, vamos libertar-nos de mais um problema, descentraliza-se e passam a ser autónomos.
Teremos um basquetebol mais competitivo e eficiente.
ANGOP - Em Junho último, o CPA manifestou o interesse da criação da Selecção sub-23 e a contratação de um seleccionador. Como está esse processo?
AL - Estávamos para participar no Campeonato Africano sub 23, mas entendemos que ainda não é a altura, por termos outros desafios. Vamos preparar as nossas duas selecções seniores masculina e feminina para o Africano de 2026.
Temos um técnico angolano que trabalha na Suíça e que mostrou interesse em trabalhar com a nossa Selecção masculina. Sendo angolano e estando lá e por aquilo que conhecemos do seu ranking, interessa-nos trabalhar com ele.
Se ele vem para Angola para nos ajudar, vamos, de facto, criar abertura para que possa participar. Ele é um forte candidato a treinador da nossa Selecção masculina de seniores para o Africano de 2026.
Quanto ao projecto da criação da Selecção sub 23, temos de ir pouco a pouco. Não podemos aparecer do nada só porque há um Campeonato Africano da categoria. O CPA não participa, em representação do país, em provas internacionais, só por participar. Nós, primeiro, temos de criar a nossa base e olhar para a nossa posição, bem como para o ranking dos adversários, depois é que nos decidimos a participar.
Não é porque a Federação Internacional de Basquetebol em Cadeiras de Rodas de África se decidiu a realizar o Campeonato Africano sub 23 e convidou Angola para participar e vamos lá participar. Nós temos de estar devidamente estruturados e montados.
Por outro lado, não temos uma competição interna sub 23, as que temos são de seniores e, do levantamento que fizemos, não temos atletas suficientemente preparados nessa categoria para representar Angola como Selecção Nacional. Vamos continuar a trabalhar para isso, mas, neste momento, não é viável irmos lá, porque não iríamos fazer uma boa figura.
ANGOP - Angola prepara-se para acolher, em 2026, o Campeonato Africano da modalidade na classe feminina, que marcará a sua estreia na competição. Como é que está a preparar-se para esse evento?
AL - Ainda é prematuro falarmos sobre isso. Lançámos o repto, mas vamos sentar-nos nos próximos dias com os representantes da Federação Internacional de Basquetebol em Cadeiras de Rodas de África, que virão a Angola ainda este ano para os acertos e assinatura dos contratos de compromissos para a realização da prova, daí vamos, então, ver os prós e os contras, assim como saber como é que ‘iremos de nos coser’.
Contudo, o CPA já tem a autorização do Executivo angolano para a realização do campeonato. Agora vamos sentar-nos para definir o caminho a seguir. A partir daí, iremos, publicamente, anunciar a realização dessa prova em Angola.
Não obstante, pretendemos convocar, em breve, a pré-Selecção, uma vez que temos muito trabalho pela frente e os nossos técnicos vão encarregar-se em apresentar o programa de preparação de forma faseada, e vamos avançar e trabalhar.
Já estamos em fase de preparação das nossas selecções feminina e masculina para a participação na competição.
ANGOP - Dois factos poderão ocorrer: a realização destas provas africanas no país e a estreia da Selecção Nacional feminina. O que é que isso representa e quais os benefícios sociais esperados, sobretudo na componente da promoção da inclusão efectiva das pessoas com deficiência física em Angola?
AL - Esta é uma forma de divulgarmos o nosso país e mostrarmos a vontade do nosso Governo em apoiar o desporto adaptado em Angola. Também é uma forma de trazermos outras nações que ouvem falar de Angola, mas que não a conhecem.
É sempre benéfico e acaba sempre por ser positivo.
Realizar provas internacionais no país é importante, acciona também o turismo, maior interesse e atenção de jovens de outros países para saberem o que é Angola, onde está e o que faz. É tudo isso. É uma montra de informação e de divulgação do país.
ANGOP - Quais são os objectivos que Angola pretende alcançar na sua estreia da competição, enquanto possível anfitriã?
AL - Ainda não estão definidos. Vamos procurar organizar-nos, primeiro. Vamos trabalhar para dignificar o nome de Angola nesta competição.
ANGOP - Quanto aos masculinos, em quantas provas continentais já participaram? Já conquistaram algum torneio dessa dimensão?
AL - Temos estado em competições africanas, mas, infelizmente, nunca conseguimos qualificar-nos para nenhum mundial.
Neste momento, somos a quinta melhor do continente e temos à nossa frente a África do Sul e Marrocos, que têm todos os jogadores das suas selecções a competirem na Europa, para além do Egipto e da Argélia.
Temos estado ali a ombrear com o Egipto e já estivemos próximos de ganhar a África do Sul. Por conta disso, temos estado a subir, e a nossa luta é ficar entre as três melhores de África.
Vamos continuar a trabalhar, pois a posição actual não é satisfatória. Não queremos continuar na 5.ª posição, queremos estar no pódio.
Temos potencial, mas a falta de cadeira, mais uma vez, tem dificultado o alcance dos objectivos.
ANGOP - Há um trabalho que está a ser desenvolvido para igualar o nível competitivo do futebol amputado, que, quer no contexto africano, quer no mundial, já foi campeão?
AL - Sim, mas o grande problema é que, mesmo no futebol amputado, não temos um trabalho de continuidade no país. Não treinamos todos os dias. Repare que as meninas que terminaram, recentemente, o Campeonato Nacional, só voltarão aos trabalhos no próximo ano.
Provavelmente vão voltar a treinar em Agosto para o Campeonato Nacional, a realizar-se em Outubro de 2025. Isso no desporto não é salutar, porque as performances não se elevam, uma vez que não se tem um trabalho de treinos contínuos e sistemáticos. O atleta acaba o Campeonato Nacional e pára três, quatro, cinco ou seis meses. Como já disse, isso não é bom para o atleta que tem de ter sessões de treinos e competições periódicas, pois essas actividades é que ajudam a evoluir tecnicamente.
O que vamos fazer? Tentar mudar o figurino de disputa das competições nacionais, tanto no basquetebol tanto no futebol, criar torneios regionais e nacionais, para facilitar que, num ano, tenhamos três a quatro provas concentradas e fazer que as equipas estejam a treinar e a competir regularmente.
ANGOP - Os órgãos de asseguramento e de saúde têm-se envolvido nas provas paralímpicas, ou seja, têm registado presenças dessas instituições?
AL - São nossos parceiros, enquanto órgãos fundamentais para a realização de qualquer prova.
Na competição de futebol, por exemplo, se não estiver a equipa do INEMA, não se realiza a prova.
São fundamentais, são, digamos, elementos que fazem parte do jogo e da competição, sem eles não há competição, pois são a salvaguarda da integridade de quem faz o espectáculo. Logo, não podemos deixá-los de parte.
Portanto, têm estado connosco e continuarão a estar. VKY/PLB/IZ