Luanda - A experiência política, evidenciada por décadas, e o papel significativo no movimento anti-apartheid, foram determinantes para que Cyril Ramaphosa conseguisse um segundo mandato de cinco anos como Presidente da África do Sul, que inicia esta quarta-feira
Apesar do Congresso Nacional Africano (ANC) ter alcançado o seu pior resultado eleitoral em 30 anos - ficando aquém dos 50% de votos necessários para governar sozinho, como consequência do seu péssimo desempenho nas eleições de Maio, Ramaphosa só sobrevive como líder do partido e Presidente do país graças a um acordo de partilha de poder com a Aliança Democrática (AD) de centro-direita e dois partidos mais pequenos.
O primeiro mandato do presidente foi marcado por um desemprego teimosamente elevado, desigualdades económicas persistentes, cortes generalizados de energia e alegações de corrupção.
A situação está longe de ser ideal para o Presidente de 71 anos de idade, que começou a cobiçar o papel presidencial desde que o ANC chegou ao poder em 1994.
Nascido perto do centro de Joanesburgo, em 1952, Cyril Ramaphosa conheceu desde cedo as injustiças do sistema racista do apartheid.
A sua família foi transferida à força para o município de Soweto quando era apenas uma criança. Estavam entre os milhões de sul-africanos negros deslocados pelas autoridades para reservas distantes, muitas vezes economicamente desfavorecidas.
Ramaphosa envolveu-se no movimento da consciência negra na universidade e, como resultado do seu activismo, suportou períodos de dois meses em confinamento solitário.
Construiu a reputação de ser uma pedra no sapato dos chefes brancos das minas na década de 1980, liderando o Sindicato Nacional dos Mineiros (NUM) numa das maiores greves da história da África do Sul.
Também se juntou ao ANC e trabalhou em estreita colaboração com Nelson Mandela para negociar o fim do governo das minorias, que ocorreu em 1994.
Quando Mandela se tornou o primeiro presidente negro da África do Sul, Ramaphosa nutria ambições de se tornar seu vice.
No entanto, foi preterido pelo mais antigo Thabo Mbeki.
Assim sendo, assumiu o cargo de deputado e desempenhou um papel de liderança na elaboração da constituição pós-apartheid da África do Sul, uma das mais liberais do mundo.
Mais tarde, retirou-se do centro político para se tornar um executivo de negócios, apesar de ser querido pelo público.
Perfil
Matamela Cyril Ramaphosa nasceu em 17 de Novembro de 1952 em Joanesburgo. A sua família foi transferida de Western Native Township para Soweto em 1962, onde frequentou a Escola Primária Tshilidzi.
Concluiu o ensino médio na Mphaphuli High School em Sibasa, Venda em 1971.
Inscreveu-se para estudar Direito na Universidade do Norte em 1972, onde se envolveu na política estudantil, ingressando na Organização Estudantil Sul-Africana (SASO) e no Partido do Povo Negro.
Foi detido em confinamento solitário durante 11 meses em 1974, ao abrigo da Secção 6 da Lei do Terrorismo, por organizar comícios pró-Frelimo. Foi detido pela segunda vez durante seis meses em 1976, após a revolta estudantil do Soweto.
Enquanto assistente jurídico de um escritório de advogados em Joanesburgo, continuou seus estudos na Universidade da África do Sul (UNISA).
Em seguida, ingressou no Conselho de Sindicatos da África do Sul (CUSA) como consultor jurídico.
Em 1982, a pedido do Conselho de Sindicatos da África do Sul (CUSA), fundou o Sindicato Nacional dos Mineiros (NUM) com James Motlatsi e Elijah Barayi, e tornou-se o primeiro secretário-geral do sindicato.
Nesta condição, foi fundamental para transformar o NUM no sindicato mais poderoso da época, com o número de membros aumentando de 6.000 para 300.000 durante seu mandato. Liderou os mineiros numa das maiores greves da história da África do Sul em 1987.
Como Secretário-geral da NUM, foi influente no estabelecimento do Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos (COSATU) e desempenhou um papel proeminente no Movimento Democrático de Massas (MDM).
Mais tarde, foi nomeado presidente do Comité de Recepção para receber os julgadores de Rivonia e, em Janeiro de 1990, acompanhou prisioneiros políticos libertados do ANC até Lusaka, na Zâmbia.
Ramaphosa actuou como presidente do Comité Nacional de Recepção, que coordenou os preparativos para a libertação de Nelson Mandela e subsequentes comícios de boas-vindas na África do Sul.
Após a anulação do banimento do ANC, em 1991 foi eleito Secretário-Geral do ANC na sua primeira conferência nacional em mais de 30 anos.
Tornou-se chefe da equipa de negociação do ANC na Convenção para uma África do Sul Democrática (CODESA) e nas conversações multipartidárias subsequentes.
Após as primeiras eleições democráticas na África do Sul, em 27 de Abril de 1994, tornou-se membro do Parlamento e foi eleito Presidente da Assembleia Constituinte.
Nessa posição, foi responsável por supervisionar a elaboração da primeira Constituição democrática da África do Sul, internacionalmente aclamada. Em 2009, este contributo foi reconhecido com a atribuição da Ordem Nacional do Baobá em Prata.
Após a conclusão do processo de elaboração da Constituição, deixou o Parlamento e a sua posição como Secretário-Geral do ANC para entrar no mundo dos negócios, juntando-se à New Africa Investments Limited.
Em 2001, estabeleceu o Grupo Shanduka como uma holding de investimentos de propriedade de negros, construindo um portfólio diversificado de activos cotados e não cotados.
Em 2004, criou a Fundação Shanduka, com foco na educação e no desenvolvimento de pequenos negócios.
A Fundação, que desde então mudou seu nome para Fundação Cyril Ramaphosa, é composta pela Adopt-a-School Foundation, Black Umbrellas e Cyril Ramaphosa Education Trust.
Prémios
Recebeu os prémios Olof Palme em Outubro de 1987 em Estocolmo. Em Outubro de 1991 foi professor visitante de Direito na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
Recebeu doutorados honorários da Universidade de Natal, da Universidade de Port Elizabeth, da Universidade da Cidade do Cabo, da Universidade do Norte, da Universidade do Lesoto, da Universidade de Venda e da Universidade de Massachusetts (EUA). Actualmente é Chanceler da Universidade de Mpumalanga.
Ramaphosa foi nomeado, juntamente com o ex-presidente finlandês Maarti Ahtisaari, inspetor de armas na Irlanda do Norte.
Trajectória política
Foi nomeado Vice-Presidente da Comissão Nacional de Planeamento em 2010, um órgão criado para elaborar um plano de desenvolvimento nacional a longo prazo para a África do Sul.
Em Dezembro de 2012, foi eleito vice-presidente do ANC na 53ª Conferência Nacional do ANC em Mangaung.
É nomeado Vice-Presidente da República da África do Sul em 25 de Maio de 2014. Em Dezembro de 2017, foi eleito 13º Presidente do ANC na 54ª Conferência Nacional em Joanesburgo.
O Presidente Cyril Ramaphosa tomou posse como Chefe de Estado da África do Sul a 15 de Fevereiro de 2018, após a demissão do Presidente Jacob Zuma.
Em 16 de Fevereiro, Ramaphosa concedeu seu primeiro discurso ao Parlamento da África do Sul como Presidente do país, sendo a primeira vez na história democrática do país em que o Chefe de Estado discursa na abertura do Parlamento sem a presença de um Vice-presidente.
Em sua primeira viagem diplomática internacional, foi recebido em Luanda pelo Presidente de Angola, João Lourenço, por ocasião da reunião de cúpula da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral.
A visita foi considerada simbólica de um novo panorama político para ambos os países.
A 8 de Maio de 2019, o Congresso Nacional Africano recebeu 57,6% dos votos nas eleições gerais sul-africanas. Em 22 de Maio, Ramaphosa foi subsequentemente confirmado sem oposição para seu primeiro mandato presidencial pleno.
Como já havia sido eleito meses antes apenas para assumir o cargo vago de Zuma, Ramaphosa era ainda constitucionalmente elegível para servir dois mandatos à frente do país. ART