Pessoas com albinismo pedem maior inclusão

     Sociedade           
  • Luanda     Terça, 14 Junho De 2022    10h55  
Associação de apoio aos albinos
Associação de apoio aos albinos
Pedro Parente

Luanda – Mais de mil e seiscentas pessoas com albinismo são controladas pelas autoridades angolanas, até ao momento, numa altura em que se multiplicam, pelo país, os apelos para a necessidade de maior protecção deste grupo social.

Por Hilária Cassule

Do número estimado, com base num cadastramento conjunto do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, e da Rede de Mediateca de Angola, pelo menos mil e 400 estão inscritos na Associação Angolana de Apoio aos Albinos (4AS).

Entretanto, apesar dos dados oficiais, os números reais podem estar bem acima, se se considerar a média de crianças nascidas com albinismo, nos últimos anos, muitas delas sem diagnóstico precoce da doença, o que condiciona a actualização das estatísticas.

Além da questão do aumento de pacientes pelo país, salta à vista, nos últimos tempos, a questão da alta dos preços de alguns produtos essenciais para a hidratação da pele, como os cosméticos, tida como uma das principais queixas das pessoas com albinismo.

Trata-se de um problema que se arrasta há vários anos, deixando milhares de cidadãos vulneráveis e com dificuldades extremas para suportarem as consequências da falta constante de hidratantes da pele, como, por exemplo, o problema do câncer.

Na verdade, as pessoas albinas são discriminadas e vítimas de estigmas sociais em vários Estados de África, como Moçambique, Quénia, Botswana, Malawi e Tanzânia, onde são perseguidas até a morte, devido a crenças pouco sustentadas pela ciência.

Em muitos países em que se regista essa realidade há, inclusive, a ideia de que a morte de um cidadão albino pode se transformar numa fonte de riqueza, ou seja, a pele dos cidadãos deste grupo social já se tornou “mercadoria” bastante “apetecível”.

Embora esta realidade (morte de albinos) não seja adoptada pelos angolanos, deixando  o país longe da “zona vermelha” em relação a esta matéria, os indicadores demonstram que os desafios de Angola com os portadores de albinismo ainda são enormes.

Segundo especialistas ouvidos pela ANGOP, a propósito do 13 de Junho, Dia da Consciencialização sobre o Albinismo, um dos principais problemas desse grupo alvo é a falta de subvenção, pelo Governo, dos preços dos cosméticos e outros produtos.

De acordo com o director do Serviço de Dermatologia do Hospital Américo Boavida, Juliano Vicumba Isaías, os preços elevados levam muitos doentes a abandonarem as consultas e desistirem da medicação, por não conseguirem comprar os fármacos.

Devido a este factor, diz, muitos voltam às consultas com problemas de câncer da pele.

Para si, outro problema é o estigma social, que os leva, muitas vezes, ao isolamento, a não frequentarem a escola e a perderem a autonomia, ficando sem poder de compra para assegurarem os protectores, cremes hidratantes neutros e roupa apropriada.

"O albino tem que ser visto e avaliado logo que a criança nasce, nas consultas de dermatologia. É importante passar a informação de que o mais importante é a prevenção e cada um ter conhecimento da sua doença. Se tiver este conhecimento, facilmente consegue fazer a prevenção”, explica o especialista.

Informa que o hospital Américo Boavida atende, todas às quinta-feira, em consultas externas, 650 albinos na condição de doentes, já com algumas lesões, dos quais 97 crianças dos zero a um ano, número que afirma ser considerável.

Os dados oficiais indicam que o município de Viana, com 177 doentes, é o mais representativo, seguido de Luanda, com 157, e Cacuaco, com 103 casos.

Além destes, o hospital em causa recebe doentes de todas as outras províncias, sendo uma unidade terciária e de formação de especialistas, com o Cuanza Sul, com 107, e o Cuanza Norte, com 93, as que mais encaminham casos de pessoas com albinismo.

Em 2017, por exemplo, o serviço de dermatologia desta unidade hospitalar de referência fez o primeiro rastreio em pessoas albinas, atendendo 307 utentes, dos quais 38 casos com câncer da pele e um com melanoma, que não é frequente entre os albinos.

Já em 2021, realizou o segundo rastreio, durante o qual atendeu 160 utentes, dos quais 49 crianças, com 18 pessoas albinas com câncer da pele e 82 com lesões pré-cancerosas, encaminhadas para os serviços especializados para efeitos de seguimento médico.

No serviço de dermatologia do Hospital Américo Boavida, além das consultas, faz-se o tratamento para controlar as lesões atínicas, bem como a crio terapia, ou seja, a queima da lesão da ferida para os doentes das consultas externas.

Oferece ainda o serviço de biopsia para determinar o tipo de lesão, contando com uma comunidade cirúrgica no serviço que realiza pequenas intervenções não complexas, enquanto os casos comprovados de câncer são encaminhados para o hospital de Oncologia para outros procedimentos, como quimioterapia ou radioterapia.

Segundo Juliano Isaías, o facto de receberem doentes de outras províncias com cancro da pele, em estado terminal, exige uma intervenção multidisciplinar, com especialistas de cirurgia plástica e geral para fazerem a assistência.

O especialista conta que as áreas mais afectadas, nessas intervenções, têm sido a face e os membros superiores e inferiores dos doentes, por estarem mais expostas.

A esse respeito, a cidadã Catarina Caluvi Oliveira, mãe de dois filhos albinos de sete e três anos de idade, respectivamente, residentes em Viana, diz que sente na pele a dificuldade de aquisição de cosméticos, indispensáveis para o bem-estar dos menores.

Sem o apoio do pai dos meninos, Catarina desdobra-se para conseguir os produtos, cujos preços rondam entre três mil kwanzas (o mais barato e de baixo factor) e 50 mil kwanzas, bastante oneroso para a cidadã que aufere apenas 80 mil kwanzas/mês.

Diante disso, vê-se, muitas vezes, sem condições para comprar todos os cosméticos, como sabonetes, creme hidratante neutro e o protector solar todos os meses.

“Compro apenas o que dá e vamos nos remediando como pode”, desabafa.

A preocupação maior prende-se com o menino, que já está em idade escolar e apresenta dificuldade ocular, aventando a hipótese de recorrer à Associação de Apoio aos Albinos de Angola (4AS), que tem convénio com algumas ópticas, para facilitar a marcação de consultas e compra de óculos a preços bonificados.

Como Catarina, muitas pessoas com albinismo sofrem com esta situação.

Segundo o presidente da Associação de Apoio aos Albinos de Angola, Manuel Vapor,  a solução passaria pela instalação de uma fábrica destes produtos no país, a fim de se reduzir o preço, bem como criar emprego e exportar para os países vizinhos.

Para si, seria mais justo ter uma fábrica para a produção de sabonetes, cremes, óleos e protector solar, em vez de subvenção, até porque estes produtos não só vão acudir as pessoas albinas, mas a população em geral, prevenindo-as do câncer da pele.

Enquanto isso não acontece, Manuel Vapor sugere também um acordo com as empresas importadoras de medicamentos, para trazerem produtos que os pacientes consigam adquirir com a devida subvenção, na medida em que muitas vezes há dificuldade de se encontrar os medicamentos recomendados pelos dermatologistas.

De acordo com Manuel Vapor, mensalmente 20 pessoas buscam apoio da associação para esclarecimentos, encaminhamento e algum apoio, sublinhando que já há mudança de mentalidade, embora haja ainda necessidade de mais informação.

A associação começou a ser idealizada em 2003, mas foi reconhecida a 23 de Outubro de 2013. Está implantada em 12 províncias do país, com mil e 400 membros.

Manuel Vapor destaca o facto de ainda existirem muitas barreiras no mercado de trabalho, porque muitos acham que os albinos não estão capacitados para exercerem alguma função, devido a sua pigmentação.

Aponta o sector da educação como o mais complexo, porquanto alguns professores pedem que se troque alunos albinos por não suportarem a sua presença, bem como a falta de conteúdos que retractam a vida dos albinos e foto dessa franja nos manuais.

Em relação ao Ministério da Saúde, as barreiras são a falta de serviço de dermatologias em outras unidades espalhadas pelos municípios, daí ressaltar a parceria que mantêm com três ópticas para consultas e aquisição de óculos a preços bonificados.

Entretanto, para contornar as dificuldades, o Governo angolano gizou um programa que visa apoiar as pessoas portadoras de albinismo com meios de protecção solar, enquadrado no princípio da inclusão.

Isso permite o seu enquadramento na função pública e em outros sectores, pois constitucionalmente não existe qualquer tipo de discriminação, de acordo com o Plano de Desenvolvimento Nacional para o Bem-estar das Populações.

Segundo o director Nacional da Inclusão da Pessoa com Deficiência, Micael Daniel,  existem politicas no sector da Saúde, que permitem aos albinos ter acesso a estes serviços, à semelhança de outras pessoas, embora ainda não seja o ideal.

O albinismo é uma desordem genética marcada por um defeito na produção da melanina, pigmento que dá cor a pele, cabelos e olhos.

A alteração genética também leva a modificações da estrutura e do funcionamento ocular, desencadeando problemas visuais.

Os sintomas variam de acordo com o tipo de mutação apresentada pelo paciente.

A mutação determina a quantidade de melanina produzida, que pode ser totalmente ausente ou estar parcialmente presente. Assim, a tonalidade da pele pode variar do branco a tons um pouco mais marrom; os cabelos podem ser totalmente brancos, amarelados, avermelhados ou acastanhados e os olhos avermelhados (ausência completa de pigmento, deixando transparecer os vasos da retina), azuis ou acastanhados.

Os sinais do albinismo vão além da cor da pele e dos cabelos. Em geral, todos os portadores do transtorno apresentam comprometimento da visão, causado pela falta de melanina, fundamental para o desenvolvimento dos olhos, e a anatomia dos nervos ópticos, que levam a imagem para ser descodificada no cérebro.

Estrabismo, miopia, hipermetropia, fotofobia, astigmatismo e nistagmo (movimento descontrolado dos olhos em várias direcções, que dificulta focalizar a imagem) são outras condições que prejudicam a visão no albinismo.

Devido à deficiência de melanina, que além de ser responsável pela coloração da pele, a protege contra a acção da radiação ultravioleta, pessoas com albinismo são altamente susceptíveis aos danos causados pelo sol, apresentando, frequentemente, envelhecimento precoce, danos provocados pela acção química do sol e câncer de pele.

Não existe, actualmente, nenhum tratamento específico e efectivo, porquanto o albinismo é decorrente de uma mutação geneticamente determinada.

Pessoas com albinismo devem iniciar o acompanhamento por profissionais de saúde assim que o problema for detectado.

A terapia visual prevenirá problemas nos olhos e na visão, proporcionando o desenvolvimento necessário para as actividades escolares, de trabalho e de lazer.

As principais complicações do albinismo são o câncer de pele e a cegueira.





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