Luanda – Desde a altura da pré-colonização, as línguas nacionais desempenham um papel determinante na afirmação da identidade dos povos angolanos, embora seja evidente, nas últimas décadas, um aparente decréscimo do número de falantes nas zonas urbanas.
Por Vissolela Cunha
De acordo com estudos, Angola, com mais de 30 milhões de habitantes, possui grande diversidade de línguas de matriz africana, catalogadas como línguas nacionais, que coabitam com o Português, consagrado, constitucionalmente, como o idioma oficial do país.
Segundo o Censo Geral da População e Habitação realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2014, o Português é falado por 71% da população, seguindo-se o Umbundo, a segunda língua mais falada em todo o território, que representa 23%.
Seguem-se as línguas Kikongo, com 8,3%, e Kimbundu, com 7,8% de falantes, enquanto que o Côkwe, Nganguela, Nyaneka, Fiote, Osshikwanyama, Luvale e Muhumbi aparecem com percentagens variáveis, na ordem dos 3 e 1%, conforme os dados do INE.
Estudos científicos realizados por antropólogos e linguistas angolanos aventam, entretanto, a possibilidade da existência, em todo o território, de aproximadamente 36 línguas nacionais, muitas delas com variantes linguísticas específicas, mesmo entre povos vizinhos.
Trata-se, na essência, das chamadas línguas bantu (com excepção do Português) que resistiriam ao tempo e serviram de “arma de combate” contra a colonização europeia, apreendidas de pais para filhos, mas ainda sem grande divulgação nas academias do país.
As línguas nativas ou nacionais ainda não constam de todo o sistema de ensino, sobretudo o público, embora sejam constitucionalmente reconhecidas, o que constitui, na visão de vários linguistas, um grande empecilho na estratégia do seu ensino e preservação.
Conforme a Constituição da República, elaborada em 2010 e revista parcialmente em 2021, pelo Parlamento, o Estado valoriza e promove o estudo, ensino e a utilização das demais línguas de Angola, apoiadas nas principais línguas de comunicação internacional.
Neste quesito, as escolas seriam as responsáveis pelo seu desenvolvimento, cabendo aos seus orientadores auxiliar para que o indivíduo consiga aprender e fazer bom uso das mesmas.
Embora já existam algumas experiências promovidas pelo Ministério da Educação, no que toca ao ensino das línguas nacionais em Angola, o director do Instituto de Línguas Nacionais, José Pedro, considera necessário que se adopte uma política de abrangência territorial do ensino destes idiomas, bem como de formação de professores especializados.
Para o profissional, especializado em fonética, a existência do Instituto de Línguas Nacionais demonstra a atenção dada pelo Governo à protecção das línguas regionais, mas, ainda assim, “falta maior promoção a nível das escolas do ensino de base, secundário e superior”.
Dadas essas lacunas, o também docente universitário aponta o Prémio Nacional de Jornalismo, que dedica uma categoria para o jornalismo feito em línguas nacionais, o incentivo à produção literária, a tradução da Bíblia em alguns idiomas nacionais e a atribuição de nomes nacionais a nível das conservatórias como exemplos a seguir.
Oralidade na educação das pessoas
Entretanto, numa análise sociológica da questão, o docente José Fernandes sublinha que as línguas nacionais continuam vivas, tanto pela importância que desempenham, quanto pelo seu simbolismo a nível da unidade das famílias, cultura e preservação da identidade.
Do seu ponto de vista, é preciso entender que nas zonas rurais e nos grupos étnicos linguísticos, a oralidade ainda é usada na educação das pessoas, sendo também o veículo de transmissão dos valores éticos e morais, bem como dos usos e costumes.
“Se estivermos a falar de elemento fundamental, para a manutenção e sobrevivência da cultura angolana, temos de abordar sobre as línguas nacionais e assumirmos que elas continuam dinâmicas e vivas”, comenta.
Para o também sociólogo, a massificação das línguas nacionais deve ser uma preocupação de todos, daí a necessidade de o processo da transmissão das línguas ser esquematizado com soluções naturais, como a transmissão da língua nacional a nível da família, das instituições vocacionadas para massificar nas escolas, e mediante programas específicos do Executivo.
Por sua vez, o professor do ensino primário Manuel Domingos refere que ainda é deficiente o ensino dessas línguas no país, devido, essencialmente, à falta de “vontade política”.
O ensino das línguas nacionais, segundo o docente, depara-se com inúmeros desafios, entre os quais o político, material ou até o atraso na preparação dos materiais de apoio.
A fonte lembra que a Língua Portuguesa foi imposta em Angola, pelos colonizadores, sublinhando que as línguas nacionais garantem um desenvolvimento humano, primeiro, e depois económico, mais harmonioso e abrange para as diferentes comunidades.
“A título de exemplo, se olharmos para outros países que têm as suas línguas nacionais, vemos que há maior aproveitamento intelectual”, assevera.
Seja através da fala, seja da escrita, as línguas nacionais são importantes meios de expressão e comunicação utilizados por um grupo específico de pessoas, que ajudam na construção da identidade de uma Nação, como ocorre, em particular, em Angola.
Apesar da fraca divulgação nas escolas do país, as línguas nacionais continuam a ser a primeira fonte de contacto de milhares de angolanos, como a cidadã Rosa Francisco, 34 anos de idade, que aprendeu a falar Osshikwanyama (idioma do Cunene) com a avó.
A mesma diz que nunca esqueceu as suas raízes, porquanto a maior parte das histórias da aldeia eram contadas neste idioma, facto que influenciou, rapidamente, a sua aprendizagem.
“Os contos ajudavam a reflectir sobre os problemas que atravessámos e ao mesmo tempo começamos a desenvolver-nos, tanto no entendimento, quanto na fala”, testemunha.
Acrescenta que a utilização das línguas nacionais estabelece uma ligação sociocultural importante com os amigos e vizinhos que falam a mesma língua.
Por sua vez, Silvino Garcia, de 29 anos de idade, afirma que não fala qualquer língua nacional fluentemente, embora perceba, vagamente, o que se diz em Kikongo.
“Tenho uma admiração pelo Kimbundu e alimento essa vontade de um dia aprender. Penso que, tão logo tenha um espaço de tempo, vou procurar uma escola vocacionada”, refere.
Já o cidadão Joaquim Calunga fala fluentemente o Kimbundu, mas diz que precisou de frequentar o curso na faculdade para aperfeiçoar o domínio da fala e da escrita, um valor acrescentado para melhor conhecimento da cultura ambundu.
“A faculdade tem uma cadeira de prática de línguas nacionais. Cada estudante escolhe uma língua nacional de especialização, e dentro dessa língua temos a prática”, conta.
Nesta descrição, segundo a fonte, abordam questões gramaticais, a escrita fluente, bem como a execução de trabalhos de revisão.
“O objectivo desta formação é aprender e posteriormente leccionar, uma vez que estamos na luta da institucionalização das línguas angolanas no sistema de ensino do país”, refere.
Já o estudante de línguas e literatura em língua portuguesa João Dongo sublinha que a sua formação também engloba as línguas Kikongo, Kimbundu, Umbundu, Côkwe, entre outras.
“O Kikongo é a língua materna que aprendi desde pequeno. Quando cheguei à faculdade foi só formalizar a língua, porque já vinha com ela desde o berço”, refere.
Na verdade, a questão da preservação das línguas nacionais em Angola continua a ser um tema bastante discutido nas academias, havendo quem fundamente a teoria de um eventual desaparecimento de algumas, a longo prazo, se o Estado não criar políticas eficientes.
Para muitos cidadãos, quer académicos, quer de outras especialidades, ainda se registam, em alguns extratos da sociedade angolana, sinais de complexo em relação às línguas nacionais, o que leva, em muitos casos, à marginalização das mesmas, sobretudo pela juventude.
Diante do actual quadro, vários especialistas do sector sugerem a criação de novas políticas para a preservação, ensino e promoção das línguas nacionais, de tal modo que possam, em pouco tempo, ter, de facto, o mesmo estatuto e aceitação da Língua Portuguesa.