Pacientes curados fazem da Psiquiatria do Lubango “casa estável”

     Saúde           
  • Huíla     Sexta, 07 Outubro De 2022    08h54  
Huíla: Antigos pacientes abandonados por parentes
Huíla: Antigos pacientes abandonados por parentes
Amélia Oliveira

Lubango – Pacientes curados de doenças mentais permanecem, há vários anos, na Psiquiatria do Lubango, em que foram tratados, de onde clamam pelo reencontro com os familiares.

Por Amélia Oliveira

Quatro anos depois de ter efectuado uma reportagem nessa unidade sanitária da província da Huíla, a ANGOP regressou ao local e, com espanto, voltou a encontrar Veríssimo Nóbrega, de 51 anos, e José Liquembe, 47, mesmo depois curados da doença. 

Por abandono dos familiares, transformaram o hospital em sua moradia permanente, mas, todos os dias, alimentam o sonho de rever os parentes. 

Veríssimo Nóbrega é proveniente do Cunene, e foi levado ao hospital pelos familiares, em 2003, com diagnóstico de esquizofrenia, ao passo que José Liquembe, natural da comuna de Cazombo, província do Moxico, foi  transferido do Hospital Psiquiátrico de Luanda, em 2010, com transtornos causados por abuso de álcool. 

Ambos estão curados, há mais de 10 anos, mas são forçados a permanecer no hospital, uma vez que, tanto eles, quanto a unidade sanitária, perderam o contacto dos parentes. 

São os internados mais antigos da Psiquiatria do Lubango. Encontram-se, também, na condição de abandono, cinco outras pessoas, embora há menos tempo do que aqueles. 

Porém, mesmo na situação em que se encontram, Veríssimo e José alimentam a esperança de reencontrar os familiares - esposas, filhos e irmãos -, na expectativa de deixarem o hospital. 

Meio gago e ainda confuso, ao exprimir as ideias, Veríssimo diz ter sido camponês, natural da comuna de Môngua, município Cuanhama, onde deixou a mulher, Verónica, e os filhos. 

A este propósito, com um sorriso de esperança, diz que “não vê a hora de voltar para eles”. 

Por sua vez, José, mais seguro do que fala, afirma que tem muitos filhos espalhados por zonas onde trabalhou, mas o que quer mesmo é voltar para a localidade de Kitwe, na Zâmbia, na fronteira com a sua província de origem, o Moxico. 

Acrescenta que deixou em Kitwe a mulher, Delfina, e os filhos Demígio e Oriana, bem como tem um irmão na Zâmbia e os pais, Sapalo Kaumba e Angélica Tchimbuela, no Cazombo, que gostaria de rever. 

Diz também que foi militar das ex-Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), precisamente do Batalhão 25.  

Conta, sem indicar os anos (por esquecimento), que saiu de Angola para o Botswana por causa da guerra e à procura de trabalho, tendo, no entanto, regressado ao país e sido levado ao hospital por colegas. 

“Casei muito miúdo. Tive 32 filhos e 81 mulheres, mas nem todas tiveram filhos comigo. Tenho memória de quase todos elas”, afirma. 

A enfermeira Zonaide Chipinga, responsável da enfermaria, diz ser difícil levá-los à família, porque eles não fornecem detalhes do local onde viveram ou das pessoas mais próximas. 

Segundo a técnica, depois do tratamento, o quadro de Veríssimo é estável, embora, às vezes, ria e fale sozinho. Adianta que há nove anos que não se altera com facilidade, e caracterizou o José como o mais descontraído e que fala com “bastante fluidez”. 

  

Relativamente à eficiência e ao êxito da terapia, diz ser importante haver uma relação amena com os pacientes, porque esses precisam de confiar na equipa da saúde.  

Reconhece, todavia, que, às vezes, é difícil gerir determinadas situações, sobretudo quando o doente está agitado. 

“Os pacientes, embora pareçam bem, são momentâneos. Às vezes, estão calmos, mas, do nada, podem agitar-se e ficar agressivos. Mas estamos treinados para lidar com a situação”, afirma. 

Conclui que a principal dificuldade resulta do facto de muitos pacientes não terem a noção da sua patologia, rejeitando, por isso, tomar os medicamentos, pelo que tem de se triturar os fármacos e colocá-los na comida. 

Fuga de pacientes 

De acordo com a directora da Psiquiatria do Lubango, Madalena Nachovano Francisco, este ano, dos 92 doentes que deixaram o estabelecimento, 79 tiveram alta hospitalar, 10 fugiram e três foram transferidos. 

Afirma que o movimento hospitalar tem aumentado e acrescenta que só, no primeiro semestre de 2022, foram atendidos dois mil 742 doentes, contra os dois mil 696 do mesmo período de 2021. 

Atribui esse aumento a uma maior divulgação de informações relativas à saúde mental nas comunidades, fazendo com que muitas pessoas recorram ao hospital, como primeira opção. 

“É graças a esse comportamento dos utentes dos nossos serviços que, nos últimos meses, o movimento hospitalar vem aumentando. Estamos, agora, a atender entre 25 e 30 pacientes por dia, ao contrário dos 15 anteriormente”, considera a especialista. 

Face ao actual movimento hospitalar, afirma, as necessidades também aumentaram, daí a pertinência de se colocar um neuropsiquiatra e de psiquiatras nacionais. “Quadros permanentes que possam dar sustentabilidade ao trabalho do hospital”, sublinha. 

Com capacidade para 50 internamentos, o hospital tem actualmente 72 doentes internados, 29 dos quais são mulheres, segundo a directora. 

"Transformamos o refeitório, os corredores e a copa em enfermaria, pois o hospital tem apenas um bloco de internamento, e não podemos colocar os homens e as mulheres no mesmo", explica. 

 

Alcoolismo, drogas e depressão 

A médica de clínica-geral da psiquiatria, Lídia Catengue, revela que o hospital atende casos variados de patologias de fórum mental, com relevo para os derivados do consumo excessivo de álcool e drogas, que causam transtornos mentais e comportamentais, como a depressão. 

Ressalta que, em um mês, pode-se ter mais de 30 pacientes com patologias causadas pelo alcoolismo e drogas, com predominância nos homens, principalmente jovens, enquanto a depressão abrange ambos os géneros. 

Para além da medicação, sublinha, os pacientes beneficiam de acompanhamento psicológico, reabilitação e desintoxicação, nestes dois últimos casos quando se trate de alcoolismo. 

Afirma que outras patologias atendidas na unidade hospitalar são a esquizofrenia, os transtornos afectivos, de bipolaridade, personalidade, retardos mentais (“altíssimo em crianças”), ansiedade, epilepsia, entre outras enfermidades. 

A idade dos doentes, segundo a fonte, varia entre os quatro e acima dos 80 anos. Lídia Catengue lamenta haja, com frequência, casos em que os familiares dos doentes optam por outras práticas, e só depois de verificarem a falta de melhorias, recorrem ao hospital, o que, no seu entendimento, complica a recuperação do paciente. 

“Quando mais cedo for o diagnóstico e a implementação do tratamento, melhor é a evolução do paciente”, aconselha a médica. 

A Psiquiatria do Lubango dispõe de 121 trabalhadores, sendo seis médicos - dos quais cinco nacionais de clínica geral e uma psiquiatra cubana -, dois psicólogos clínicos, 43 enfermeiros – entre eles uma cubana -, 25 técnicos de diagnóstico e terapêutica, 16 administrativos, 27 de apoio hospitalar, quatro de aprovisionamento e vigilantes. 

 





Fotos em destaque

ECOAngola lança projecto ambiental “60min ECO”

ECOAngola lança projecto ambiental “60min ECO”

Domingo, 19 Maio De 2024   08h05

Telemedicina reduz evacuações no hospital do Cuvango

Telemedicina reduz evacuações no hospital do Cuvango

Domingo, 19 Maio De 2024   07h57

Huíla declara fim da peste suína e levanta cerca sanitária à Humpata

Huíla declara fim da peste suína e levanta cerca sanitária à Humpata

Domingo, 19 Maio De 2024   07h53

Estudantes da UJES do Huambo inventam dispositivo de segurança de recém-nascidos

Estudantes da UJES do Huambo inventam dispositivo de segurança de recém-nascidos

Domingo, 19 Maio De 2024   07h50

Mais de cem alunos do Liceu Eiffel beneficiam de bolsas externas no Cunene

Mais de cem alunos do Liceu Eiffel beneficiam de bolsas externas no Cunene

Domingo, 19 Maio De 2024   07h47

Sector da Saúde vai admitir mais de 900 profissionais no Cuanza-Sul

Sector da Saúde vai admitir mais de 900 profissionais no Cuanza-Sul

Domingo, 19 Maio De 2024   07h43

Vila do Calai (Cuando Cubango) celebra 62 anos com foco no turismo transfronteiriço

Vila do Calai (Cuando Cubango) celebra 62 anos com foco no turismo transfronteiriço

Domingo, 19 Maio De 2024   07h38

Estabilização do Morro do Tchizo resolve problema de inundação em Cabinda

Estabilização do Morro do Tchizo resolve problema de inundação em Cabinda

Domingo, 19 Maio De 2024   07h33

Projecto “Melhora da Segurança Alimentar” forma mais de mil camponeses no Bengo

Projecto “Melhora da Segurança Alimentar” forma mais de mil camponeses no Bengo

Domingo, 19 Maio De 2024   07h27

Iona renasce como potencial turístico

Iona renasce como potencial turístico

Sábado, 18 Maio De 2024   18h20


+