Luanda - Dezanove anos depois do silenciar das armas e da assinatura do Memorando de Entendimento Complementar aos Protocolo de Lusaka, no Luena (Moxico), pelo Governo e pela UNITA, já não restam dúvidas de que a paz veio para ficar em Angola.
Por: Elias Tumba
O pacto rubricado a 4 de Abril de 2002, na sequência da morte do líder histórico da UNITA, Jonas Savimbi, criou os alicerces para o início de um verdadeiro processo de reconciliação nacional, após 27 anos de mortífero e destruidor confronto militar.
Trata-se, inequivocamente, da maior conquista do povo angolano desde a formalização da sua independência nacional, em 1975, que precisa, a todo instante, de ser melhor aprofundada, no âmbito de um quadro político cada vez mais tolerante.
A paz, conquistada com suor de milhares de angolanos, nos campos de batalha, em frentes diplomáticas e até religiosas, deve constituir-se num factor de unidade e traço catalisador para o desenvolvimento do país, sem qualquer espírito divisionista.
É, pois, notório, que nos últimos 19 anos, Angola tem marcado passos significativos para a consolidação da reconciliação nacional, mas importa que da sociedade, em particular da classe política, não volte a haver sinais de aparente ódio e vingança.
Para a manutenção da paz, todos são chamados a dar o seu contributo, desde os líderes políticos, militantes, cidadãos apartidários, as igrejas e outras franjas da sociedade, que precisam caminhar para a construção de uma nova Angola, onde não impere o racismo, a xenofobia e a exclusão, por causa de opções políticas, religiosas ou origens étnicas.
Após quase duas décadas sem confrontos militares, Angola deve marcar passos mais consistentes nesta direcção, além de aprofundar o seu processo democrático, para manter a estabilidade territorial e evitar os mesmos erros do passado.
O cumprimento desses pressupostos deve passar, essencialmente, pelo respeito do princípio da diferença e pelo reforço das políticas de inclusão social, marca que já vem sendo notada, de alguma forma, nos últimos quatro anos de governação.
É certo que a paz, selada a 4 de Abril de 2002, resultou de uma longa caminhada e de um processo militar doloroso, de triste memória. Também é certo que a guerra criou feridas profundas, muitas delas ainda abertas e de difícil “gestão”.
Mas, pela experiência acumulada ao longo de 19 anos, os angolanos certamente saberão que só com o verdadeiro perdão poder-se-á construir um país novo, livre e inclusivo.
É, de resto, este o compromisso que Angola tem vindo a assumir nos fóruns internacionais, particularmente da ONU e da União Africana, onde reafirma a sua firme determinação de fortalecer os fundamentos da paz e do Estado democrático e de direito.
A esse respeito, não restam dúvidas de que Angola deu um verdadeiro exemplo à África e ao Mundo, com a resolução do seu conflito pela negociação, e continua a ser referência pela forma como mantém inabaláveis os fundamentos da paz, apesar de confrontada com duros e permanentes desafios políticos, económicos e, fundamentalmente, sociais.
Pela sua história de guerra, importa que os angolanos se mantenham firmes no seu compromisso com a reconciliação nacional, fazendo que os valores patrióticos estejam permanentemente na agenda da sociedade, sobretudo da juventude.
Manter o país pacificado é uma tarefa difícil para qualquer um, mas Angola tem tudo para continuar a aprimorar os fundamentos da paz, da irmandade e reconciliação.
Os indicadores demonstrados desde 2002 atestam isso mesmo: o povo está cansado da guerra, da destruição e das batalhas nos campos militares, pelo que exige das lideranças políticas um permanente respeito aos fundamentos do sistema democrático.
Ainda que seja certo que a paz social em Angola esteja longe de ser perene, cada angolano deve lutar pela manutenção da paz militar, evitando o recrudescer da guerra.
Para tal, é fundamental um esforço cada vez maior de quem detém o poder político e ganhou, nas urnas, o direito de gerir o Estado, as suas riquezas e os fundos públicos.
Assegurar a paz social exige muito mais do que boa vontade, é preciso investir, cada vez mais, na formação do homem e em infra-estruturas integradas, quer nas cidades, quer nas zonas rurais, até que se inicie e consolide a institucionalização das autarquias.
Apesar das dificuldades reinantes desde 2014, face à queda do preço do petróleo, e, agora, da Covid-19, que condiciona a retoma do crescimento económico em Angola, é imperioso que o novo paradigma de governação, iniciado com o Presidente João Lourenço, se mantenha vivo e traga novos resultados palpáveis à sociedade.
É fundamental continuar a trabalhar-se para o reforço e a credibilização das instituições do Estado, melhorar as condições de vida dos cidadãos e acabar, paulatinamente, com as assimetrias regionais, conferindo dignidade ao eleitor e detentor do verdadeiro poder.
Os desafios que se colocam ao país são gigantescos, sim, mas os problemas precisam de ser resolvidos, ainda que faseadamente, para reduzir as “bolsas” de pressão social, que podem desembocar em frustrações e tentativas de ruptura com o Pacto do Luena.
É, por de mais, evidente, que o povo angolano precisa de melhorias substanciais, mormente no sistema de ensino, de saúde pública, no fornecimento de energia eléctrica e água potável, no aumento da oferta de empregos e de habitações sociais.
De igual modo, é fundamental que as políticas de governação tenham impacto na estabilidade dos preços dos principais produtos da cesta básica, na baixa da inflação e na estabilização do mercado cambial, para se alavancar e diversificar a economia.
Do ponto de vista político, torna-se imperioso trabalhar com celeridade na questão da descentralização do poder local e institucionalização das autarquias, passos fulcrais para uma governação mais efectiva, transparente e próxima dos cidadãos.
Estes e outros são pressupostos que não devem ser ignorados pelo actual Executivo, para manter a consistência da paz militar e conferir a paz social que muito se almeja.
Todavia, a falta destas condições sociais não deve servir de pretexto para eventuais levantamentos ou actos subversivos, como os que têm vindo a ocorrer nos últimos anos, susceptíveis de "abanarem" os fundamentos da paz e da democracia.
Não se pode continuar a ter órgãos representativos do Estado permanentemente desrespeitados por grupos de pressão, por alegados incumprimentos de promessas eleitorais do Executivo, situação que pode e deve ser resolvida nas urnas.
Para acabar com as suspeições da sociedade à boa-fé destes órgãos, como a Procuradoria-Geral da República, os tribunais, a Polícia Nacional e a Comissão Nacional Eleitoral, importa que assentem a sua actuação, exclusivamente, nos marcos da legalidade e da justiça.
No actual contexto, estes e outros órgãos devem estar cada vez mais à altura dos duros desafios do país e actuar sempre com sentido de Estado e patriotismo, fundamentalmente neste período de pré-campanha eleitoral, propício para o acirrar dos ânimos e das discórdias entre os actores políticos, cuja meta é manter ou atingir o poder em 2022.
A manutenção dos fundamentos da paz e da reconciliação exige que o país tenha, de facto, união, e não eventuais fomentadores de intrigas, sejam eles políticos ou da sociedade civil, que queiram voltar a reacender o ódio entre irmãos.
Angola e os angolanos devem estar em permanente alerta e exercitar o amor e respeito mútuo, para saberem contrariar eventuais tendências de divisionismos, que podem, se mal geridas, dar azo a novas tentativas de subversão.
Mas, se se quiser evitar estas tendências, há que fugir da narrativa da guerra no confronto político, sobretudo no debate parlamentar, evitando o rebuscar de expressões do período mais crítico do conflito, que já não se enquadram no actual contexto.
Os discursos incendiários não podem e nem devem imperar na nova Angola, que se quer verdadeiramente reconciliada, onde o Estado defende sem reservas a dignidade da pessoa humana e cria as mesmas oportunidades para todos.
Os actores políticos devem assegurar ao eleitor um ambiente social e económico mais favorável, que privilegie o diálogo e o respeito mútuo, sem necessidade de acusações infundadas e discursos provocatórios que possam abalar a paz.
O confronto militar, ou até as mortes por supostas reivindicações de direitos emanados na Constituição da República, já não devem ter vez em Angola. O combate político deve ser, imperiosamente, travado nas urnas, por via de eleições.
Nesta altura em que o país celebra 19 anos desde a assinatura dos Acordos de Paz do Luena, todos os angolanos são chamados a preservar e aprofundar os fundamentos da democracia e da reconciliação nacional, coabitando sem ressentimentos trazidos de um passado que só atrasou o desenvolvimento do país.
Afinal, a paz veio para ficar, pelo que cada angolano, da elite ou dos grupos mais vulneráveis, deve manter-se fiel a essa grande conquista, trabalhando com afinco na construção de um país novo e próspero, onde a riqueza nacional seja distribuída com justiça e sem favorecimentos de qualquer índole, em prol do bem-estar da maioria.
Entretanto, importa que a paz não seja vista apenas como o simples calar das armas. Para que ela seja mantida, é imperioso que se assegure o bem-estar social e espiritual dos cidadãos, desiderato que só se alcança com investimentos públicos cada vez mais ousados e assertivos.
É caso para se dizer que Angola precisa de reflectir sobre o modelo de desenvolvimento que pretende implementar, e neste ambiente de paz torna-se fundamental saber que país queremos ter e queremos deixar às futuras gerações.
O amanhã depende do que fazemos e da forma como trabalhamos hoje. O futuro de Angola ainda pode ser de progresso, desde que se trabalhe de mãos dadas, sem rancor entre os adversários políticos, em prol de uma sociedade justa.