Luanda - O ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, desvalorizou, terça-feira, opiniões expressas contra a designação dos juízes dos tribunais superiores, pelo Presidente da República.
Em entrevista à Televisão Pública de Angola (TPA) sobre a proposta de revisão pontual da Constituição, submetida na semana passada à Assembleia Nacional (AN), pelo Presidente da República, Adão de Almeida esclareceu ser tradicional, em qualquer sistema democrático, que juízes de tribunais superiores sejam designados pelo Chefe de Estado.
No caso de Angola, disse, o tema não será tanto o poder de nomeação, mas o percurso feito até à nomeação.
"No nosso caso específico, para compreendermos se há excessos ou não, temos que perceber o percurso, se olharmos só a ponta, que é a decisão final, pode haver essa interpretação", elucidou.
Lembrou que o Tribunal Constitucional tem 11 juízes, sendo quatro designados pelo Presidente da República, dois pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, quatro eleitos pela AN e um apurado em concurso público curricular, ou seja, detalhou, "dos 11, o PR designa quatro e os outros sete vêm de outros órgãos que não do Presidente da República".
Em relação ao Tribunal Supremo, o Conselho Superior da Magistratura Judicial abre um concurso e selecciona três candidatos, que são submetidos ao PR, para um deles ser designado seu presidente, esclareceu Adão de Almeida.
Já os juízes do Tribunal de Contas, adiantou, são nomeados no âmbito de um concurso público, conduzido pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, ou seja, "em boa verdade, o Presidente da República confirma formalmente uma decisão que não é sua, não há aqui excessos de poder do Presidente da República", vincou.
"Portanto, pela composição e proveniência dos juízes, vê-se que o espaço de intervenção do Presidente da República não é assim tão amplo", concluiu.
Segundo Adão de Almeida, o Tribunal Supremo é uma estrutura hierarquizada de carreira, onde os juízes são de carreira e o espaço de intervenção do Presidente da República "é mesmo insignificante".
Disse haver sistemas, como o americano, em que o Presidente da República nomeia todos os juízes do Supremo Tribunal Federal.
Impedimentos do PR em fim de mandato
Na proposta de revisão pontual da Constituição é solicitado que o Presidente da República em fim de mandato fique impedido de tomar decisões de fundo, que possam vir a comprometer o seu sucessor, e seja criada a figura de um Governo de gestão corrente.
Para Adão de Almeida, essa regra é comum em muitos Estados, notando que o período de fim de mandato e preparação para a entrada em funções de um novo Presidente da República "não é para tomar decisões de fundo".
"Quer-se com isso também conferir uma mensagem de estabilidade, de responsabilidade e de funcionamento normal e regular das instituições', observou.
Mérito do PR
Ao longo da entrevista, Adão de Almeida destacou, também, o mérito do Presidente da República, João Lourenço, ao propor a revisão pontual da Constituição, justificando que, ao assumir a iniciativa, o Titular do Poder Executivo preferiu não se posicionar no campo do discurso político sobre a matéria, mas entrar no campo da acção concreta e consequente.
Indicou que o Presidente da República não se limitou a enunciar um conjunto de matérias ou ideias, "trabalhou, preparou e colocou à disposição do público a sua proposta e a sua visão sobre o que deve ser a Constituição, resultante da avaliação que fez desse período".
"Estamos perante uma situação que o Presidente da República demonstra ser alguém atento à dinâmica constitucional e interessado no esclarecimento de alguns temas fracturantes da Constituição e alguém que dá um relevo muito grande à dimensão da estabilidade das instituições públicas", enfatizou Adão de Almeida.
Lembrou que a actual Constituição, com um período de vigência de 11 anos, tem um histórico de estabilidade política, porque "não tivemos, ao longo desses 11 anos, qualquer elemento que pudesse dar lugar à crise institucional entre os órgãos de soberania", disse.
Parlamento define institucionalização das autarquias
No quadro da proposta de revisão, o Chefe da Casa Civil do PR afirmou que o debate parlamentar vai definir critérios e tomar uma decisão final, sobre o modelo de institucionalização das autarquias no país.
De recordar que João Lourenço anunciou, a 2 deste mês, a proposta de revisão pontual da Constituição, que solicita, entre outros pontos, a clarificação do modelo de relacionamento entre o Presidente da República e o Parlamento, em relação a fiscalização política.
A proposta de revisão também contempla o direito do voto no estrangeiro, a eliminação do gradualismo na Constituição, a afirmação do Banco Nacional de Angola (BNA) como entidade administrativa independente e a fixação de um período para realização das eleições gerais.
Adão de Almeida sublinhou que a decisão sobre a institucionalização das autarquias pode passar a ser parlamentar, no âmbito da proposta de revisão constitucional.
"Ao contrário da opção anterior, onde se dizia que a institucionalização das autarquias obedece ao princípio do gradualismo, agora é o debate parlamentar que vai construir pontes, definir critérios e tomar uma decisão final sobre o modelo de institucionalização das autarquias locais", explicou.
Segundo o ministro, no quadro parlamentar vai se decidir sobre os critérios para criação das autarquias, ou seja, "dizermos se estamos ou não em condições de autonomizar determinado município e, em consequência, se vamos avançar de uma só vez ou faseadamente".
MPLA e UNITA os "pais" do gradualismo
Adão de Almeida lembrou que, quando se discutiu a Constituição de 2010, houve cinco propostas de base que foram transformadas em três, duas das quais, a do MPLA e da UNITA, defendiam o gradualismo.
"Ou seja, os pais do gradualismo na Constituição são o MPLA e a UNITA, mas a formulação da proposta que constou da Constituição, ipsi verbis, é a que constava do projecto do MPLA, mas materialmente elas eram coincidentes", recordou.
Segundo Adão de Almeida, na altura havia consenso sobre essa matéria, que foi votada por consenso.
"Havia a convicção de que o processo de institucionalização das autarquias deveria ser de modo faseado, mas agora houve evolução das ideias políticas, o que é normal", reconheceu
Notou que, para se ganhar margem de discussão e até de negociação política, quanto as futuras autarquias, é fundamental que se tire a questão da actual Constituição.
"Tirando a Constituição da equação, estamos a dizer que há espaço aberto para discussão", considerou.
Voto no exterior e alteração da lei eleitoral
O ministro de Estado fez saber que, com a introdução do voto na diáspora, o Parlamento terá de as actuais Leis do Registo Eleitoral e Orgânica sobre as Eleições Gerais.
Reconheceu haver um conjunto de mutações, ocorridas nos últimos anos, que dão outras garantias para o exercício do voto na diáspora, o que representa um desafio muito grande "atendendo a nossa diáspora e o modo como está montado o nosso sistema eleitoral e as suas regras de funcionamento”, disse.
Fez saber que a actualização do registo eleitoral na diáspora é feito de forma presencial e antes de cada acto eleitoral, para que os órgãos que organizam as eleições possam saber, por exemplo, que um cidadão eleitor mudou-se de um país para outro.
O registo eleitoral, nos termos da lei, é oficioso, significando que qualquer cidadão com Bilhete de Identidade (BI), quando atingir 18 anos de idade, passa para a base de dados e é eleitor, salientou.
Pode acontecer, segundo o ministro de Estado, haver um cidadão com BI que vive na Zâmbia, mas o Estado angolano não saber que o mesmo reside naquele país, pelo que uma futura nova lei do registo eleitoral terá de fazer uma opção concreta de como fazer o registo inicial dos cidadãos na diáspora.
Primeira revisão
Esta será a primeira revisão à Constituição da República, que foi aprovada em 2010, pela Assembleia Nacional, com 186 votos a favor, duas abstenções e nenhum voto contra.
Segundo estabelece a actual Lei Magna, a iniciativa para a sua revisão é do Presidente da República ou de dois terços dos 220 deputados à Assembleia Nacional.