Luanda – Angola celebra, sexta-feira, 4 de Abril, a Paz e a Reconciliação Nacional, fruto da assinatura, nessa data, em 2002, do Memorando de Entendimento entre o Governo e a UNITA, para o fim do conflito armado, iniciado após a proclamação da Independência Nacional, abrindo uma nova era para o desenvolvimento do país.
Por Victor Manuel, jornalista da ANGOP
Nessa altura, com a libertação do país do jugo colonial, foi firmado um entendimento para a paz, com vista a superar um conflito entre os angolanos, que, de tão longo, tornava-se “rotineiro”.
Entre 1975 e 2002, os protagonistas da libertação nacional e da guerra civil sentaram-se várias vezes à mesa sob os auspícios da comunidade internacional e rubricaram quatro instrumentos jurídicos, entre acordos, protocolos e memorandos, para “precipitar” o calar das armas.
Os esforços negociais visavam pôr fim a quase três décadas de uma guerra resumida em três períodos de grandes combates – 1975-1991 (pós-independência), 1992-1994 (pós-eleições) e 1998-2002 (pós-Lusaka).
O Protocolo de Lusaka foi assinado a 20 de Novembro de 1994, na capital zambiana, Lusaka, depois dos encontros entre o Governo e a UNITA na província do Namibe, em Adis Abeba (Etiópia) e Abidjan (Côte d’Ivoire), sob mediação da ONU e da troika de observadores (EUA, Portugal e Rússia).
Entre essas reuniões, mediadas pela diplomata britânica Margareth Anstee, primeira representante especial do secretário-geral das Nações Unidas em Angola (chegou ao país em 1991), a de Abidjan, em meados de 1993, foi a que mais tempo demorou, exactamente 45 dias, mas fracassou devido às divergências entre as partes.
No entanto, em Outubro de 1993, as conversas foram reatadas e, em Novembro do mesmo ano, em Lusaka, tiveram início as negociações, sob mediação do novo representante especial do secretário-geral da ONU, o antigo ministro das Relações Exteriores do Mali, Alioune Blondin Beye, e a observação da Troika.
E, finalmente, o acordo de paz foi assinado, mais de um ano depois (Novembro de 1994). Foram signatários do documento o então ministro das Relações Exteriores, Venâncio de Moura, e o ex-secretário-geral da UNITA, Eugénio Ngolo Manuvakola.
O Tratado de Paz foi rubricado na presença do falecido Presidente José Eduardo dos Santos, do anfitrião Frederick Chiluba, entre outros dignitários, mas “manchado” pela ausência do líder da UNITA, Jonas Savimbi.
O acordo estabelecia, em primeiro lugar, um cessar-fogo, a formação de um Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN) com todas as forças políticas com assento parlamentar, com base nos resultados das eleições de 1992, tomada de posse dos deputados da UNITA na Assembleia Nacional, desmilitarização deste partido, realização da segunda volta das eleições presidenciais, entre outros pressupostos.
Após quatro anos de paz, em 1998, a UNITA reiniciou uma guerra, ocupando militarmente quase metade das capitais provinciais, forçando o governo a desencadear uma intervenção militar em Dezembro do mesmo ano que culminou com a conquista de diversos bastiões da guerrilha.
Memorando do Luena
O Memorando do Luena foi um pacto de cessar-fogo, nascido de vários encontros realizados na província do Moxico, entre as forças militares do governo e da UNITA, na sequência da morte, em combate, a 22 de Fevereiro de 2002, de Jonas Savimbi, líder da UNITA.
O Memorando de Entendimento de Luena, após duas semanas de negociações, é assinado formalmente em Luanda pelos dois chefes de Estado-Maior das Forças Armadas Angolanas (FAA) e do braço armado da UNITA (FALA), os generais Armando da Cruz Neto e Abreu Muengo “Kamorteiro”, respectivamente, testemunhado pelo enviado especial da ONU, Ibrahim Gambari, e pelos embaixadores da Troika de países observadores, a 4 de Abril de 2002.
Na véspera da cerimónia, num gesto de magnanimidade, o então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, falou, no dia 3 de Março, sobre a importância da necessidade do perdão entre os angolanos, da reconciliação nacional, da convivência e dos cuidados que todos devem ter no processo da construção da democracia e do Estado de Direito.
Ao contrário dos processos anteriores, marcados por mútuas desconfianças, a aproximação das partes envolvidas no conflito e a assinatura do referido acordo não necessitaram de mediação estrangeira.
Vinte e sete anos depois de uma longa guerra fratricida, com acordos fracassados, como Alvor, Gbadolite, Bicesse e Lusaka, Luena constituiu-se na “pedra de toque” para uma paz efectiva, reconciliação verdadeira entre irmãos desavindos e base para reconstruções e desenvolvimento do país.
Desta forma, as partes reafirmaram o respeito pela Constituição e demais legislação em vigor, consequentemente, a consideração pelo Estado de Direito e pelas instituições democráticas da República de Angola, reconhecendo que a democracia é essencial para a paz e a reconciliação nacional.
Reiteraram a validade dos instrumentos jurídico-políticos, nomeadamente o Protocolo de Lusaka e as Resoluções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), ligadas ao processo de paz angolano.
No geral, o memorando trouxe a paz definitiva e criou as condições para o cumprimento dos desafios da protecção nacional, a normalização do funcionamento das instituições e a consolidação do Estado democrático e de direito, do desenvolvimento socioeconómico do país, entre outros aspectos.
Em situação de paz, depois de quase quatro décadas de conflito armado, iniciou-se a reconstrução do país e a recuperação da economia.
A paz, hoje, também está a favorecer a consolidação de uma identidade social abrangente “nacional” que começou por se formar, paulatinamente, a partir dos anos 1950, com o surgimento e acção dos movimentos de libertação nacional. VIC/ART/ADR