Luanda – Em plena noite de 11 de Novembro de 1975, ano que marcou o fim da Guerra do Vietnam e a mais pesada derrota da história do Exército norte-americano, o Mundo testemunhava, com expectativa, a proclamação da República Popular de Angola.
(Por Elias Tumba, editor-chefe da ANGOP)
Nessa data, diante de um clima militar tenso em várias regiões do país, nascia um novo Estado soberano no espaço lusófono, que, por mérito próprio, se via livre do jugo colonial português, depois de inúmeras tentativas para assegurar a sua ambicionada autodeterminação.
A proclamação da independência foi o culminar de um difícil processo de insurreição geral armada dos angolanos contra o regime português, iniciado a 4 de Fevereiro de 1961, naquele que ficou conhecido, oficialmente, como o Dia da Luta Armada de Libertação Nacional.
O processo de autoafirmação total do país, hoje com mais de 30 milhões de habitantes, envolveu milhares de patriotas, entre políticos, religiosos e cidadãos anónimos, que verteram o seu sangue e pagaram com as suas próprias vidas para ver concretizado o sonho de liberdade.
A proclamação da independência nacional representa o ponto mais alto de uma luta pela autodeterminação que já vinha de séculos, travada por destemidos reis e rainhas, que tombaram ante às dificuldades do regime opressor, mas deixaram a esperança de ver a Pátria soberana.
Destacam-se, entre estes heróis, Mandume Ya Ndemufayo, Ngola Kiluanji, Ngola Kanini, Nzinga Mbande, Mutu Ya Kevela, Bula Matadi e tantos outros precursores da liberdade, que viram o nobre sonho concretizado por três movimentos de libertação, apenas no século XX.
Trata-se do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), liderados, à época, por Agostinho Neto, Jonas Savimbi e Holden Roberto, respectivamente.
Foi sob o comando destes nacionalistas e líderes históricos, aliado à luta espiritual de vários religiosos, que Angola marcou esta importante virada e proclamou a sua independência, que viria, entretanto, ser conseguida num clima de conflito interno entre os três movimentos.
Na base da tensão, que resultou em violenta guerra, estiveram supostos incumprimentos de premissas do Acordo de Alvor, surgido na sequência da Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974, em Portugal, e da decisão das novas autoridades portuguesas de concederem a independência às colónias.
O Acordo de Alvor, "selado" em Janeiro de 1975, entre a potência colonial e os três movimentos nacionalistas, previa, entre outros pressupostos, a formação de um Governo de Transição, com a presença de portugueses e representantes dos movimentos.
Com 70 artigos e 11 capítulos, o texto, assinado no Algarve, Portugal, traçou as linhas mestras para a proclamação da independência nacional, a 11 de Novembro de 1975, de forma pacífica.
Foi, em concreto, uma espécie de pacto de cessar-fogo geral entre os representantes do Estado português e os três movimentos de libertação, que já vinha sendo observado, de facto, pelas respectivas forças armadas em todo o território de Angola.
Conforme o texto do Acordo de Alvor, um dos aspectos mais relevantes posto sobre a mesa era o facto de ser considerado ilícito qualquer acto de recurso à força, que não fosse determinado pelas autoridades competentes, com vista a impedir a violência interna ou a agressão externa.
Para tal, previa-se a criação de um governo de transição, presidido e dirigido por um Conselho Presidencial, constituído por três membros (um de cada movimento de libertação), que integraria ministros designados em igual proporção pelo MPLA, UNITA e a FNLA.
Entre as competências desse Governo, constavam as de zelar e cooperar pela boa condução do processo de descolonização até à independência total, superintender no conjunto da Administração Pública, assegurando o seu funcionamento e promovendo o acesso dos angolanos a postos de responsabilidade.
Devia, ainda, conduzir a política interna, preparar e assegurar a realização de eleições gerais para a Assembleia Constituinte de Angola, exercer por Decreto-Lei a função legislativa, elaborar o decreto, regulamento e instruções para a boa execução das leis, garantir em cooperação com o Alto-comissário.
Cabia, ainda, ao Governo de Transição, velar pela segurança das pessoas e bens, proceder à reorganização judiciária de Angola, definir a política económica, financeira e monetária, criar as estruturas necessárias ao máximo desenvolvimento da Economia do país, assim como garantir e salvaguardar os direitos e as liberdades individuais e colectivas.
Tratava-se, na verdade, de um instrumento jurídico que tinha tudo para conduzir um processo de transição pacífica entre filhos da mesma Pátria, ávidos por obter o mesmo sonho: a liberdade.
Entretanto, o que parecia ser a solução mais viável para os angolanos, poucos meses depois se revelou em tamanha frustração, pondo, inclusive, em risco a proclamação da independência.
Apesar do Acordo de Alvor, os três movimentos de libertação entraram em rota de colisão, com troca de acusações mútuas, que originaram um conflito armado de triste memória, tido como um dos mais sangrentos no Mundo, durante todo o período da Guerra Fria.
Quifangondo – A batalha decisiva
Dada a falta de entendimento entre as partes, a independência nacional viria a ser proclamada num ambiente de "fogo cruzado" e violentos ataques, opondo a FNLA e a UNITA, com os seus respetivos aliados estrangeiros, contra o MPLA e o seu parceiro, com graves repercussões para o país.
Reza a história que o 11 de Novembro de 1975 foi antecedido de confrontos militares para o controlo do país, particularmente da capital, Luanda, que se tornou palco de violentos combates.
Controlada pelo MPLA e pelo seu braço militar (FAPLA), a província de Luanda tornou-se num objectivo político e militar estratégico para a proclamação da independência nacional, tendo registado, por esta razão, ataques do exército da FNLA, apoiado por tropas do ex-Zaire, hoje República Democrática do Congo.
Segundo versões narradas em livros históricos, a 10 de Novembro de 1975, uma coluna da FNLA, ida do Norte, chegou a atingir a zona de Cacuaco (que separa Luanda e o Bengo), onde "tentou desalojar as FAPLA e o exército cubano", naquela que se tornou conhecida como a Batalha de Quifangondo.
Sem conseguir romper as barreiras do MPLA e já a poucas horas da proclamação da independência, por este movimento, sublinham estes escritos, a FNLA e o seu aliado "intensificaram os bombardeamentos sobre Luanda", mas recuaram horas depois rumo à região Norte do país.
À semelhança da FNLA, a UNITA, apoiada por forças militares da África do Sul, também tentara ocupar Luanda, sem sucesso, levando o MPLA a proclamar, de forma unilateral, a independência da República Popular de Angola, na voz do seu líder histórico, António Agostinho Neto.
Em reacção, o líder da FNLA, Holden Roberto, proclamava a Independência da República Popular e Democrática de Angola, à meia-noite de 11 de Novembro, no Ambriz (Bengo), enquanto Jonas Savimbi, da UNITA, proclamava, no mesmo dia, a independência em Nova Lisboa (actual Huambo).
Foi, na verdade, um período conturbado, que quase jogou por terra o sonho dos angolanos. Na prática, a independência nacional esteve por um fio, com troca de acusações entre os três líderes dos movimentos de libertação à volta das eventuais violações dos pressupostos do Acordo de Alvor.
No seu discurso de proclamação da independência nacional, em Luanda, o líder histórico do MPLA, Agostinho Neto, transmitiu, aos angolanos, uma mensagem de esperança e entusiasmo, ciente de que o desafio do novo Estado seria complexo, ante às ameaças de invasão de forças militares externas.
Conforme o nacionalista, que se tornava desde então o primeiro Presidente da República Popular de Angola (actual República de Angola), "a preocupação fundamental do novo Estado" era "libertar totalmente o país e todo o povo da opressão estrangeira".
Sem exploradores e explorados
Neto comprometia-se a "realizar as aspirações das largas massas populares", tendo prometido que, sob o comando do MPLA, "o país caminharia, progressivamente, para um Estado de Democracia Popular".
Para tal, anunciara, "teria como núcleo a aliança dos operários e camponeses". "Todas as camadas patrióticas estarão unidas contra o imperialismo e os seus agentes, na luta pela edificação de uma sociedade sem exploradores, nem explorados", prometeu o Presidente.
Conforme o líder histórico do MPLA, "a conquista da independência era a expressão da vontade popular e fruto do sacrifício grandioso dos combatentes da libertação nacional". A este propósito, sublinharia, de forma viva, que o objectivo era "lutar pela construção de uma sociedade justa".
Olhando para a componente externa, Agostinho Neto disse, no seu discurso de mais de 25 minutos, que a "luta do MPLA nunca foi contra o povo português", que colonizou o país durante cinco séculos.
"Muito pelo contrário, a partir de agora poderemos cimentar ligações fraternais entre os dois povos, que têm em comum laços históricos, linguísticos e o mesmo objectivo: a liberdade", exprimiu o Presidente.
Com este discurso, estavam lançadas as bases para o nascimento da nova República, que teve, no entanto, de enfrentar 27 anos de guerra até atingir a conquista da paz definitiva, a 4 de Abril de 2022.
Até à conquista da independência nacional, Angola percorreu um longo caminho, com a determinação e a bravura do seu povo, que lutou pelo direito de ser livre e soberano.
Porém, quis o destino que a concretização do sonho da liberdade não fosse isenta de máculas, acarretando, desde 11 de Novembro de 1975, uma dura guerra que dilacerou o país, ceifou a vida de milhares de angolanos e atrasou o desenvolvimento.
Dados apontam que a guerra terá causado pelo menos 500 mil mortos e mais de dois milhões de refugiados, milhares de órfãos, viúvas, mutilados e deslocados de guerra.
Tratou-se de um conflito que comprometeu a afirmação de Angola na esfera das Nações, levando à autodestruição de importantes infra-estruturas, que se vem procurando repor, de forma gradual, ao longo dos 18 anos de paz efectiva.
Angola de todos e para todos
É facto que o conflito armado ficou para trás e o país vive hoje estabilidade militar. Entretanto, também é inquestionável que muito ainda há por ser feito para a verdadeira paz social, recaindo ao Governo a missão de redobrar esforços para que o angolano venha a beneficiar, de facto, da vasta riqueza nacional, e seja o centro da política de governação.
De nada adianta celebrar a independência e a paz, se não se olhar para trás e reflectir à volta dos grandes desígnios que motivaram a luta pela libertação do jugo colonial.
É preciso honrar o sangue daqueles que se bateram pela liberdade dos angolanos, através de orações ou com armas nas mãos, levados aos campos de batalha, na clandestinidade ou às cadeias, onde contribuíram para este grande feito.
Para dignificar este esforço, impõe-se um trabalho intenso e assertivo, assim como políticas de governação que tenham, efectivamente, o bem-estar do povo como ponto central.
Assim, o Governo precisa de prosseguir na sua tarefa de combater os males que atrasaram o progresso do país por mais de 30 anos, como a corrupção, o nepotismo, o branqueamento de capitais e o peculato, sem olhar para rostos ou filiações partidárias.
A luta pelo desenvolvimento do país ainda é grande, pelo que as autoridades devem fazer que os ganhos da independência nacional repliquem, de forma inequívoca, nas zonas recônditas, investindo cada vez mais nos programas de combate à pobreza.
Torna-se, de igual modo, fundamental que se continue a investir na melhoria da qualidade de saúde pública, da educação, da rede de energia eléctrica e de distribuição de água potável, assim como na oferta da habitação, sobretudo para a juventude.
Nesta altura em que se reflecte em torno dos ganhos da independência, Angola precisa de trabalhar para ter um país cada vez mais inclusivo, sem ressentimentos, onde ninguém venha a ser prejudicado pelas suas opções políticas, culturais ou ideológicas.
Outro aspecto que deve ser privilegiado pelo Governo é a criação de políticas mais eficientes para o aumento da oferta de emprego e a diversificação da economia nacional, fazendo que a agricultura seja a base e a indústria o factor de desenvolvimento.
É certo que tudo isso não se consegue como uma varinha mágica, sobretudo nesta altura em que o país e o Mundo sofrem com o impacto da Covid-19. Mas é importante perceber que Angola não tem outro caminho, se não investir no seu desenvolvimento.
Isto passa, necessariamente, pela adopção de várias medidas, entre as quais a tão aguardada implementação das autarquias. Mas, para que tudo seja coroado de êxito, é fundamental que se renove o espírito patriótico e o verdadeiro sentido nacionalista.
Só com nacionalistas de facto, que olham e pensam Angola em todas as suas múltiplas dimensões, respeitando a sua vasta diversidade cultural, será possível construir um país harmonioso, combater as desigualdades sociais e reduzir a pobreza.
Foi com este sentimento que os grandes pensadores e promotores da ideologia panafricana, como Kwame Nkrumah (Ghana), Patrice Lumumba (Congo Kinshasa), Amílcar Cabral (Guiné-Bissau/Cabo Verde), Thomas Sankara (Burkina Faso), Samora Machel (Moçambique) e Nelson Mandela (África do Sul) projectaram África.
De igual modo, foi com este olhar profundo e com esta visão política e governativa centrada no povo, que Agostinho Neto projectou uma Angola próspera, que valoriza os seus recursos humanos e faz a distribuição equitativa da vasta riqueza.
Afinal, basta olhar para a célebre frase "O mais importante é resolver os problemas do povo" para perceber que Angola ainda pode prosperar, apesar das adversidades económicas, financeiras e sociais do momento. Basta querer e fazer acontecer.