Luanda – Depois de uma campanha eleitoral ordeira e pacífica, Angola volta às urnas quarta-feira, para renovar os mandatos presidenciais e parlamentares.
Por Frederico Issuzo
Nestas quintas eleições gerais, os angolanos elegem, em acto único, um novo Presidente da República, o Vice-Presidente da República e um Parlamento de 220 lugares.
As forças políticas concorrentes expressaram em uníssono a sua satisfação pela forma tranquila como decorreu a campanha eleitoral, encerrada esta segunda-feira, reconhecendo a inexistência de “incidentes maiores” em todo o território nacional.
Durante 30 dias, os candidatos presidenciais ou seus representantes percorreram as 18 províncias do país para apresentar ao eleitorado os seus programas de governação para os próximos cinco anos.
Mas, para alguns observadores atentos, os programas apresentados têm mais semelhanças do que diferenças entre si e em relação aos propostos na votação de 2017.
De maneira geral, todos prometem as mesmas coisas, desde o combate à corrupção e à fome até à erradicação da pobreza extrema, passando por melhorias na protecção social, no emprego, no salário, no acesso às terras, na educação, na saúde e nas infra-estruturas.
Atenção especial é prometida à mulher, à criança, à família, à juventude e ao desporto bem como ao idoso e aos antigos combatentes e seus descendentes.
Em sentido inverso, a reforma do Estado e o subsídio de desemprego separam o MPLA, actualmente partido da maioria no Parlamento, das demais candidaturas da oposição, liderada pela arqui-rival UNITA.
Daí que, no plano político, a “sobrevivência” ou não da actual Constituição da República de Angola (CRA) figura entre as principais consequências imediatas das eleições gerais deste 24 de Agosto de 2022.
No plano socioeconómico, em jogo estaria a confirmação ou não do acesso, pela primeira vez na história do país, ao subsídio de desemprego, tal como prometido pela generalidade dos que almejam conquistar o poder.
Reforma do Estado
O programa de governação proposto pelo MPLA não faz menção expressa à revisão constitucional, o que deixa entender alguma conformação com o texto actual, sem prejuízo de eventuais mexidas pontuais, no futuro.
Mas as restantes propostas representam, cada uma à sua maneira, uma nítida ruptura com a ordem constitucional em vigor no país desde 2010.
Promulgada em 05 de Fevereiro de 2010, a CRA revolucionou o Direito Público angolano em geral e o Direito Eleitoral em particular, com a abolição da eleição directa do Presidente da República a despeito da objecção oposta pela norma constitucional dos limites materiais.
Fundiu-se as eleições presidenciais e legislativas num único escrutínio e foi introduzida a figura de cabeça-de-lista no lugar de candidato presidencial das listas partidárias.
O Presidente da República passou a ser titular único do poder executivo e os demais membros do Governo passaram a meros auxiliares daquele, enquanto o Conselho de Ministros deixou de ter poder deliberativo.
Pela primeira vez, o país viu formalmente institucionalizadas as eleições autárquicas cuja implementação seria operada de forma gradual, antes de esse critério gradualista ser revogado na revisão constitucional de 2021.
Por isso, a profundidade das alterações propostas nestas eleições ou os núcleos de poderes visados exigem basicamente uma nova Constituição.
Por exemplo, a UNITA propõe o regresso à eleição directa do Presidente da República e a redução dos poderes deste último para limitar o número de actos dependentes de decisão presidencial, incluindo nomeações.
O partido de Adalberto Costa Júnior quer Angola como Estado unitário descentralizado com Cabinda como região autónoma com Executivo e Parlamento próprios e eleições autárquicas em todo o território nacional até 2024.
Quer criar o círculo eleitoral da Diáspora, que este ano vota pela primeira vez, e flexibilizar as regras de atribuição de nacionalidade, com a dupla adopção dos critérios jus sanguinis (direito de sangue) para a nacionalidade originária e o jus solis (direito de solo) para a adquirida.
No primeiro critério, o único actualmente em vigor, em Angola, a cidadania é atribuída a um indivíduo com base na sua ascendência (sangue dos progenitores), ao passo que o segundo privilegia o local de nascimento.
Caminha quase na mesma direcção que a UNITA a CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral), quanto à manutenção do Estado unitário, ao regresso à eleição directa do Presidente da República e à consagração da autonomia de Cabinda.
Noutra vertente, a CASA-CE é apologista da criação de uma Assembleia Nacional de duas câmaras, sendo uma alta (Senado) e outra baixa (Parlamento), ideia também partilhada pelo PRS e pela APN.
Ao retorno à separação dos escrutínios presidencial e legislativo outros acrescentam a transição para a democracia parlamentar e a saída do Estado unitário.
A renúncia ao Estado unitário é defendida pelo PRS (Partido de Renovação Social), que, em caso de vitória, espera consagrar o Federalismo para melhor “acabar com as injustiças sociais e as assimetrias regionais”.
Para o partido de Benedito Daniel, as actuais províncias devem converter-se em Estados federados a ser geridos por governadores eleitos pelas respectivas comunidades, mas fazendo sempre parte de um mesmo Estado Federal.
São exemplos dessa forma de Estado os casos do Brasil, da Nigéria, dos Estados Unidos e outros países.
Tal como a UNITA e a CASA-CE, o PRS também propugna a efectivação imediata das autarquias, que no mandato cessante estavam inicialmente para arrancar, em 2020, antes de serem adiadas "sine die" em plena pandemia da Covid-19.
Por seu turno, a transição para democracia parlamentar é defendida pela FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e pelo PHA (Partido Humanista de Angola) que projectam o regresso da figura de primeiro-ministro.
Para os dois partidos liderados, respectivamente, por Nimbi a Simbi e Florbela Malaquias, os poderes executivos ficam com o primeiro-ministro, enquanto chefe do Governo, nomeado pelo Presidente da República, na base dos resultados das eleições legislativas.
Num tal modelo, o governo é politicamente responsável perante a Assembleia Nacional, que o pode censurar ou destituir para provocar eleições antecipadas.
O estreante PHA, único partido político angolano liderado por uma mulher, também pretende introduzir a via administrativa para o processo de criação de partidos políticos em vez da judicial.
Plano socioeconómico
Neste domínio, a atribuição do subsídio de desemprego e a devolução da propriedade da terra ao povo lideram as promessas comuns a todos os concorrentes da oposição.
Enquanto isso, o ensino das línguas nacionais e seu uso na Administração Pública aparece como um denominador comum das oito candidaturas presentes.
No capítulo do emprego, o MPLA propõe-se a alterar o modelo de remuneração indexado às habilitações académicas e técnicas, para estimular a valorização de competências.
Quer reduzir a taxa de desemprego dos actuais 30,8 por cento para 25 por cento e rever e actualizar o regime jurídico da protecção social.
Noutras áreas, o programa do MPLA está essencialmente virado para a continuação da obra iniciada no mandato anterior com enfoque na construção e modernização de infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias e aeroportuárias.
Para o comércio, está prevista a plena integração de Angola com os vizinhos regionais e um papel mais activo na SADC, na Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEAC) e na Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA).
Por seu turno, a UNITA privilegia o recadastramento e prova de vida de todos os funcionários públicos e a identificação de potenciais candidatos a cargos “na nova orgânica”, com “exonerações e nomeações baseadas nos resultados apurados”.
Para reforçar a segurança social dos mais desfavorecidos, promete criar o Rendimento Mínimo Vital (RMV), como prestação de solidariedade em numerário e em bens e serviço por pessoa e/ou família carenciada.
Na esfera das obras públicas, a UNITA prevê construir uma rede nacional de cinco auto-estradas nos eixos Luvo- Luanda-Benguela-Cunene; Luanda-Ndalatando-Malanje-Saurimo; Ndalatando-Quibala-Bailundo-Chinguar-Chitembo -Menongue -Katuitui; e Lobito-Huambo-Bié-Luena-Luau.
Garantir a interligação da rede energética nacional com os países vizinhos (RD Congo, Namíbia e África do Sul) também consta da programação da UNITA.
Por seu lado, a CASA-CE acrescenta ao subsídio de desemprego a eliminação do limite de idade para entrar na Função Pública, durante 10 anos.
A medida é justificada como uma oportunidade dada aos cidadãos angolanos que não conseguiram entrar (na Função Pública) “devido à partidarização do Estado, à corrupção, ao nepotismo e à desigualdade territorial e social”.
O PRS preconiza a transferência directa de receita para as famílias em situação de alto nível de pobreza e um subsídio mensal de sobrevivência para as mães solteiras e outros apoios no período de gestação e pós-gestação.
O PHA promete oferecer às crianças um subsídio de infância até atingirem a maioridade, e flexibilizar a idade de reforma para se continuar a beneficiar “da experiência dos que pretendem continuar a trabalhar”.
Diz também que no seu governo todas as mulheres terão acesso à segurança social, a partir dos 50 anos de idade, porque elas “trabalham toda a vida para a sociedade”, além de “sofrerem intenso desgaste com o trabalho social de reproduzir, sustentar e cuidar”.
Introduzir serviços funerários gratuitos em que o Estado assume a tramitação da totalidade do processo funerário, incluindo certidões, urnas, transporte e sepultamento é outra “novidade” prometida por Florbela Malaquias.
As oito formações políticas concorrentes são MPLA, UNITA, CASA-CE, PRS, FNLA, APN, PHA e P-NJANGO, sendo para estas duas últimas a sua primeira participação depois do seu surgimento, em Maio deste ano.
Devem votar cerca de 14 milhões de eleitores, dos quais 22.560 no estrangeiro e pela primeira vez em cinco pleitos eleitorais, depois dos de 1992, 2008, 2012 e 2017.