Luanda - O continente africano vive um momento festivo, com a celebração, a 31 de Janeiro, do “Dia da Paz e Reconciliação em África”, instituído em 2022.
Por Adérito Ferreira, jornalista da ANGOP
Nessas comemorações, Angola aparece em “caixa alta” pelo facto de o Presidente da República, João Lourenço, ter sido designado pela União Africana (UA) “Campeão para a Paz e Reconciliação em África”.
Trata-se de uma distinção que orgulha os angolanos cujas autoridades não medem esforços e assumem, por mérito, as responsabilidades que lhes são reservadas a nível regional, continental, ou em organismos internacionais.
Em todos esses fóruns, Angola privilegia abordagens ligadas à paz e reconciliação, à defesa e segurança, à resolução pacífica e negociada dos conflitos, entre outras.
Com a presidência da UA já no horizonte, no quadro da candidatura a ser formalizada, no final deste ano, a diplomacia angolana acaba por dar corpo ao adágio segundo o qual “Candeia que vai à frente alumia duas vezes”.
É neste sentido que o país se coloca a um passo de elevar o seu capital político-diplomático na esfera continental, durante a 37ª Sessão Ordinária da Assembleia dos Chefes de Estado e de Governo da UA, oportunidade em que espera ser eleita para um novo mandato no Conselho de Paz e Segurança (CPS).
Reforçada com os créditos de “Campeão da UA para a Paz e Reconciliação em África” e de mediação no conflito entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Rwanda, ambos os papéis confiados pela UA ao Presidente João Lourenço, Angola volta a candidatar-se para um novo mandato do CPS, cujo assento já ocupou três vezes.
A eleição de 10 membros do CPS será feita durante os trabalhos da Cimeira da UA, aprazada para 17 e 18 de Fevereiro, em Addis Abeba (Etiópia), sendo a candidatura angolana pela região Austral de África uma aposta do Executivo no âmbito da estratégia de engajamento diplomático em questões de defesa e segurança.
Já com o “agrément” dos líderes da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), abrem-se fortes possibilidades de o país ser eleito pela quarta vez, para fazer parte do CPS, principal órgão da UA, responsável por garantir a paz e a segurança.
A última vez que Angola ocupou o cargo foi no período de Março de 2018 a Março de 2020, depois dos anteriores mandatos de 2007 a 2010, 2012 a 2014 e 2018 a 2020.
Com a nova investida, Angola reafirma o seu compromisso com os diversos propósitos da UA, inscritos na Agenda 2063, reflectidos no slogan “A África que Queremos”, assente em princípios como “O Silenciar das Armas em África” e “Soluções Africanas para Problemas Africanos”.
Após a sua nomeação como Campeão para a Paz e Reconciliação em África, o estadista angolano logo se manifestou pronto a promover acções e iniciativas para o reforço da compreensão e da reconciliação nacional, a nível do continente, marcado por conflitos armados internos, fronteiriços ou entre países vizinhos.
A distinção ocorreu na 16ª Cimeira Extraordinária da UA, realizada em Malabo, Guiné Equatorial, a 28 de Maio de 2022, sobre o Terrorismo e Mudanças Inconstitucionais de Governos em África, fenómenos frequentes que continuam a preocupar o Presidente João Lourenço, que deplora qualquer tipo de impunidade dos seus actores.
Num dos seus últimos pronunciamentos sobre esta matéria, João Lourenço criticou a passividade dos próprios africanos e parceiros internacionais, por, a seu ver, “encorajar e estimular” a repetição e a proliferação dessas práticas, perigando as conquistas já alcançadas.
Para o chefe de Estado angolano, a tolerância de tais práticas periga os ganhos conquistados, em termos de estabilidade política e social, necessária à boa governação e ao desenvolvimento socioeconómico de África.
Não obstante a diplomacia angolana continuar a apostar na resolução negociada e pacífica dos conflitos, o Estadista angolano crê ter chegado o momento de “uma reflexão séria e profunda” sobre a necessidade da rápida operacionalização da Força Africana em Estado de Alerta.
Entre outras funções, este mecanismo teria a missão de intervir nos momentos e situações críticas, que atentassem contra a estabilidade e a segurança de países, regiões e do conjunto do continente, no quadro da Arquitectura de Paz e de Segurança de África.
O regresso dos golpes militares, nomeadamente no Gabão, no Burkina Faso, na Guiné, no Mali, no Sudão e no Níger, têm contribuído para o enfraquecimento da democracia no continente, dando lugar à violência política, o que inquieta os africanos, concomitantemente, o Campeão para a Paz e Reconciliação em África.
Na mesma Cimeira do reconhecimento do Chefe de Estado angolano, de Maio de 2022, apelou-se para a criação de um Comité Ministerial da UA de Luta contra o Terrorismo para servir de mecanismo de coordenação, monitorização, avaliação e acompanhamento de alto nível da implementação dos compromissos assumidos.
Ainda nesse encontro, instituiu-se o 31 de Janeiro como “Dia da Paz e Reconciliação em África”, com o fim de promover uma maior participação cidadã, a inclusão política e a apropriação dos processos de negociação de paz para a estabilidade e o desenvolvimento em África.
No ano passado (2023), coube ao Presidente angolano a honra de liderar o lançamento da efeméride.
Escolha para Mediador da UA
Sempre no contexto de instabilidade política, e rendidas ao papel de Angola para a pacificação da região dos Grandes Lagos, as lideranças africanas não hesitaram em convidar o país para mediar a crise entre o Rwanda e a RDC.
Para mais este desafio, o Estadista angolano disse estar plenamente pronto para assumir a nova responsabilidade e, desde então, tem-se desdobrado em contactos directos com os dois lados ao mais alto nível.
Na última quarta-feira (24 de Janeiro), manteve duas conversas telefónicas com os seus homólogos do Rwanda, Paul Kagame, e da RDC, Félix Tshisekedi, tendo com ambos abordado “questões bilaterais e regionais”.
No mesmo prisma, a 27 de Junho do ano passado, Luanda sediou uma Cimeira Quadripartida entre a SADC, a Comunidade da África Oriental (EAC), a Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) e a Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL).
Além de João Lourenço, estiveram presentes Azali Assoumani, Presidente da União das Comores e em exercício da UA; Emmerson Mnangagwa, do Zimbabwe e em exercício do CPS da UA; Ali Bongo Ondimba, do Gabão e em exercício da CEEAC; Évariste Ndayishimiye, do Burundi e da EAC; e Félix Tshisekedi, da RDC e em exercício da SADC.
Também participaram na Cimeira Uhuru Kenyatta, antigo Presidente do Quénia e facilitador designado da EAC, Nangolo Mbumba, Vice-Presidente da Namíbia; Vincent Biruta, ministro dos Negócios Estrangeiros do Rwanda, Moussa Faki Mahammat, presidente da Comissão da UA; Parfait Onanga, representante do Secretário-Geral da ONU, entre outras individualidades,
No comunicado final divulgado na altura, os participantes exigem, entre outras medidas, a retirada imediata e incondicional de todos os grupos armados que actuam na RDC e apelaram para a criação de corredores para facilitar a assistência às populações.
Na ocasião, João Lourenço deixou expresso que os angolanos, após sofrerem com uma guerra de cerca de três décadas, estão sensíveis aos “horrores que vivem hoje as populações do Leste da RDC”, o que justifica o seu espírito de solidariedade.
Resultados da Mediação
Mas ainda antes e mesmo depois deste encontro inédito, Angola tem realizado um conjunto de iniciativas tendentes a relançar as bases de um diálogo construtivo e de paz entre os dois beligerantes, cuja tensão reacendeu com o ressurgimento do M23, que, desde o início de 2021, desencadeou acções armadas e ocupou várias localidades no território congolês.
Entre os resultados realce para a facilitação do diálogo entre as partes que permitiu a adopção do “Roteiro de Luanda sobre o Processo de Pacificação da Região Leste da RDC”, do qual se destaca a necessidade da normalização das relações político-diplomáticas, incluindo a cessação das hostilidades e a retirada imediata das posições ocupadas pelo M23 para centros de acantonamento em território congolês.
No mesmo quadro foi adoptado o “Plano de Acção Conjunto para a Resolução da Crise de Segurança na Região Leste da RDC”, e acordado o início do repatriamento de todos os refugiados, bem como o arranque do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reinserção (DDR).
Um dos compromissos assumidos por Angola, enquanto mediador, prende-se com o desdobramento de um contingente das Forças Armadas Angolanas, para garantir a segurança dos elementos do M23 nos centros de acantonamento.
A retirada total do destacamento da Monusco – Missão das Nações Unidas,há mais de 20 anos no país – está marcada para 20 de Dezembro de 2024.
Quanto à componente logística, Angola contribuiu com um milhão de euros (1 euro equivale a cerca de 900 kwanzas), segundo o director de Gestão de Conflitos do Departamento de Assuntos Políticos, Paz e Segurança da UA, Sarjo Bah, na abertura da reunião ministerial quadripartida.
Porém, além do conflito que opõe a RDC e o Rwanda, vários Estados africanos continuam a mercê de persistentes crises políticas, étnicas, religiosas, fronteiriças, terrorismo, problemas de inclusão, entre outras questões prementes para a agenda dos membros do CPS e de outros órgãos, bem como, certamente, de Angola e do Campeão da UA para a Paz e Reconciliação.
Análises de diferentes quadrantes sugerem que a experiência de Angola, herdada das cerca de três décadas de conflito armado de que foi vítima, antes de alcançar a paz e a reconciliação nacional, em 2002, e, sobretudo, a forma como conduziu o seu próprio processo de paz e de unidade nacional, fazem do país uma referência constante em assuntos ligados à reconciliação, em África.
A instauração de um ambiente de inclusão política e de participação democrática entre os seus filhos, pondo de lado as suas opções partidárias, o compromisso em apoiar outros países na busca da paz, prevenção, gestão e resolução de conflitos, permitirão a Angola e ao seu líder deixar um legado indelével para a história, no que à resolução de conflitos diz respeito. ADR/VIC