Luanda – A guerra entre Rússia e Ucrânia, o pior conflito militar em solo europeu, desde a Segunda Guerra Mundial, completa esta sexta-feira (24 de Fevereiro) um ano com perdas humanas significativas e sem vislumbre, no campo de batalha, de sinais de trégua ou de qualquer vencedor.
(Manuel Jerónimo/Esmael da Purificação)
O cenário aponta para uma intensificação dos combates, com a Rússia, cada vez mais, determinada em conquistar “espaço vital”, definido, agora, como o controlo total do Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson, enquanto, do lado ucraniano, há uma resistência indómita, criando enormes dificuldades às tropas russas e refreando a sua ofensiva militar.
Quase toda a colecta de dados de inteligência associada ao ocidente aponta para uma iminente grande ofensiva russa, mas as probabilidades indicam que isto não ocorrerá, por enquanto, tendo em conta que em “guerra avisada só perde quem quer”.
Esta acção militar seria para marcar os 12 meses do início da guerra entre aqueles dois países e, definitivamente, a Rússia ocupar o leste ucraniano e consolidar a sua presença nas regiões anexadas.
A acontecer, seria um revés aos interesses do ocidente, que mergulhou num apoio financeiro e material de guerra sem precedentes, para que a Ucrânia resista e reverta a posição no terreno, empurrando as forças russas para lá da Crimeia, restabelecendo as fronteiras de Março de 2014, quando esta península foi anexada pela Rússia.
Todo esse esforço de guerra, inverso ao de paz, está a levar o conflito a limites inimagináveis, contrariando as previsões iniciais de uma guerra relâmpago levada pela Rússia ou, depois, uma derrota russa seis meses após o início do conflito.
A Ucrânia é, obviamente, palco da utilização e ensaio do armamento convencional de artilharia e foguetes mais sofisticado do mundo.
Esta aposta cada vez maior na capacidade bélica dos oponentes faz com que, um ano depois do início da guerra, o resultado seja severo para todos os envolvidos, mesmo os que o fazem indirectamente.
A Ucrânia perde vidas humanas, tem as suas infra-estruturas económicas e sociais básicas destruídas, assim como a economia perigosamente dependente de ajuda europeia.
A Rússia contabiliza milhares de militares mortos, significativo material bélico destruído e acúmulo de pacotes de sanções, que, se forem prolongadas, levarão ao colapso de toda sua economia.
A Europa começa a ter a economia sufocada, por financiar os esforços de guerra da Ucrânia, o que tem provocado algumas discórdias tímidas entre membros.
Os Estados Unidos enfrentam o mesmo problema da Europa, por ser o maior financiador do esforço de guerra ucraniano.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que tem sede em Paris (França), a guerra da Rússia na Ucrânia deverá custar à economia global 2,8 triliões de dólares em produção perdida até o fim deste ano (2023).
Nestes 12 meses de guerra, o mundo registou escassez de alimentos e de outros produtos essenciais, com consequências nefastas aos mercados financeiros globais.
O encarecimento do preço dos alimentos, do petróleo e da energia eléctrica é uma das consequências mais sentidas após o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia na Europa.
Isso acontece porque Ucrânia e Rússia têm actuação relevante em dois mercados fundamentais para muitas actividades económicas: o de alimentos e o de energia.
A Rússia, por exemplo, é a principal responsável pela exportação e o segundo maior produtor de gás natural no mundo. Além disso, o país também tem forte presença na produção e na exportação de petróleo, enquanto 12% das exportações mundiais de trigo e 15% das de milho provêm da Ucrânia.
Os dois países (Rússia e Ucrânia) detêm uma fatia significativa do comércio mundial de trigo (30%), milho (17%), cevada (32%) e óleo, sementes e farelo de girassol (50%).
Estes dados deveriam sensibilizar a comunidade internacional para o esforço da paz sem esperar pelo vencedor.
Negociações de paz
Logo após o início do conflito, houve uma grande movimentação para negociações entre delegações dos dois países, que, inicialmente, aconteceram na fronteira entre a Ucrânia e a Bielorussia e, mais tarde, sob mediação da Turquia.
Porém, não produziram acordos duradouros ou um cessar-fogo, embora tenham servido para organizar a criação de corredores humanitários para evacuação de cidades.
Um mês após o início da guerra, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, manifestava repetidamente a sua intenção de encontrar-se pessoalmente com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, para manter negociações, mas sem êxito.
Em Outubro de 2022, depois de o presidente russo proclamar a anexação de quatro regiões da Ucrânia, Volodymyr Zelensky assinou um decreto em que declara ser "impossível" qualquer negociação entre a Ucrânia e Vladimir Putin.
"Ele (Putin) não sabe o que é dignidade e honestidade. Por conseguinte, estamos prontos para um diálogo com a Rússia, mas com outro presidente da Rússia", declarou o líder da Ucrânia.
Esta afirmação prova que só há negociações para paz quando uma das partes se encontra em vantagem militar, ainda que relativa.
Parece que para a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, de momento, ainda não se vislumbra vantagem para qualquer lado. A esperança poderia residir na diplomacia, mas este último recurso para se evitar a guerra foi atingido como dano colateral.
Crise diplomática
Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia (24 de Fevereiro de 2022), os países ocidentais expulsaram 574 funcionários diplomáticos russos em vários países, alegadamente por conduzirem actividades inadequadas para um diplomata.
Segundo dados compilados pela TASS, a Bulgária foi o país que expulsou mais diplomatas russos há um ano: 83.
Destacam-se também a Polónia (45 expulsões), Alemanha (40), Eslováquia e França (35 cada), Eslovénia (33), Itália (30), Estados Unidos (28), União Europeia (19) e Portugal (10).
Estas medidas, segundo a agência russa, foram tomadas por 29 países europeus, Estados Unidos e Japão.
Na sequência da "operação militar especial", como a invasão é oficialmente designada pela Rússia, a Letónia, Lituânia e Estónia reduziram o nível da representação diplomática de embaixador para enviado.
Em Fevereiro de 2022, dois dias depois da invasão, o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, anunciou o rompimento das relações diplomáticas com a Rússia.
Pelos mesmos motivos foram encerrados consulados russos na Bulgária (Ruse), Letónia (Liepaja e Daugavpils), Lituânia (Klaipeda) e Estónia (Narva e o escritório em Tartu).
A expulsão mais numerosa de pessoal diplomático ocorreu em 1971, quando o Reino Unido ordenou o regresso imediato a Moscovo de 105 funcionários da embaixada da então União Soviética por espionagem.
Sanções internacionais
A operação militar russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
Entre as sanções, destacam-se as impostas pelos EUA que atingem as transacções do governo russo em moedas estrangeiras e o bloqueio de activos de grandes bancos russos.
O Reino Unido, por sua vez, decidiu pelo congelamento de activos de indivíduos e de bancos russos e a exclusão destas instituições do sistema financeiro britânico, veto a financiamentos ou empréstimos a empresas russas, suspensão das licenças de exportação de itens que podem ser usados para fins militares, de alta tecnologia e de refinamento de petróleo, além de outras medidas.
A União Europeia impôs sanções sem precedentes contra a Rússia que, a qualquer momento, atingirá o 10º pacote.
Apesar deste todo movimento anti-Rússia, há quem continue aliado aos russos, após esses 12 meses de guerra.
Aliados da Rússia
Apesar dos muitos posicionamentos contrários de países ocidentais, a Rússia possui aliados que manifestam apoio directo e indirecto a Moscovo, com destaque para os da Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC), que inclui Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão.
A Bielorrússia, por exemplo, concordou em receber milhares de soldados russos no seu território a partir de 2020, com o propósito de apoiarem a ofensiva contra a Ucrânia, usando as suas posições para fogo de artilharia.
Na mesma linha, os governos da Síria, Venezuela, Nicarágua e Irão também se pronunciaram de forma favorável à Rússia, fazendo coro às acusações de Moscovo contra a OTAN.
A China, por sua vez, aproxima-se cada vez mais da Rússia, apesar de nunca ter apoiado directamente uma incursão na Ucrânia.
Este posicionamento chinês (indefinição) provoca temores ao ocidente por saber que um apoio directo da China à Rússia pode desequilibrar a balança contra a Ucrânia.
Enquanto isso, a diplomacia falha e a guerra prossegue provocando vítimas mortais.
Número de vítimas
Em pouco mais de 11 meses de guerra, os dados da ONU divulgados no princípio de Janeiro confirmam 6.919 civis mortos e 11.075 feridos na Ucrânia, cifras que o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos diz estarem aquém das reais, sobretudo nas regiões onde os combates são mais intensos e o trabalho dos observadores da organização é mais difícil.
Nas regiões separatistas pró-russas de Donetsk e Lugansk, no leste do país, registou-se o maior número de vítimas confirmadas pela ONU: 4.062 mortos e 5.674 feridos. Destes, 3.576 foram mortos e 4.024 feridos em território controlado pelo Governo ucraniano.
A ONU avança que do lado do território controlado pelas forças russas e por grupos armados a elas associados morreram 486 pessoas e 1.650 ficaram feridos.
A maioria dos ataques (86%) ocorreu nas regiões controladas pelo Governo ucraniano, ao passo que cerca de 14% tiveram como palco as regiões de Donetsk e Lugansk, ocupadas pela Rússia.
A ofensiva militar russa na Ucrânia causou também a fuga de mais de 14 milhões de pessoas - 6,5 milhões de deslocados internos e mais de 7,8 milhões para países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Estima-se que, neste momento, 17,7 milhões de ucranianos precisam de ajuda humanitária e 9,3 milhões de ajuda alimentar e alojamento.
A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que mais de 7,7 milhões de ucranianos já se refugiaram em outros países da Europa.
Impacto ambiental
A Ucrânia é um país de grande relevância ambiental, ou seja, 35% da biodiversidade europeia é proveniente do país, que possui mais de 70 mil espécies raras endémicas de fauna e flora e 16% do território é coberto por florestas.
Estima-se que 44% dos territórios dos parques nacionais e reservas naturais ucranianas estejam na zona bélica. Nesse grupo está a Reserva da Biosfera do Mar Negro, localizada no sul da Ucrânia e que está ocupada pelas tropas russas.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) reconhece a região como um paraíso para 120 mil aves migratórias. A destruição desse território pode gerar uma série de consequências ambientais catastróficas.
Decididamente, todos perdem com a guerra Rússia-Ucrânia.