Luanda - A tendência de aumento nos gastos com produtos bélicos, com o fim único de se fazer a guerra, tem confirmado a deterioração global da paz e segurança, bem como aguçado o medo por uma catástrofe humanitária de escala mundial.
Por Adérito Ferreira, jornalista da ANGOP
Dados divulgados há dias indicam que, em 2023, o mundo registou a subida dos gastos militares globais no domínio da defesa, na ordem dos 6,8%, em relação a 2022, o que prenuncia o pior para as regiões actualmente em conflito.
Um relatório anual disponibilizado pelo Instituto de Pesquisa para a Paz Internacional de Estocolmo (SIPRI) espelha que a despesa militar mundial subiu para 2,443 biliões de dólares, o mais acentuado aumento anual desde 2009.
Este aumento ocorre pelo nono ano consecutivo, sendo que as despesas militares cresceram em todos os continentes, em particular na Europa, Ásia, Oceânia e Médio-Oriente.
Nesta onda, o Congresso norte-americano aprovou, nos últimos dias, uma ajuda à Ucrânia de cerca de 61 mil milhões de dólares, 13 mil milhões de USD de assistência militar a Israel, na guerra contra o movimento islamita palestiniano Hamas, na Faixa de Gaza, fora outros milhares de milhões de USD para apoiar Taiwan, em oposição à China.
Trata-se de apoios que têm, indiscutivelmente, impacto directo no equilíbrio das operações tácticas e militares, ou seja, com influência directa no desfecho desses conflitos.
Todavia, as facturas do lucrativo negócio das armas escondem o preço das mortes, deslocamentos internos, refugiados, requerentes de asilo, migrações, fome, sede, insegurança alimentar, entre outros males que afectam as populações carentes de assistência humanitária.
Nos últimos anos, acentua-se o investimento dos maiores despesistas da indústria militar (EUA, China e Rússia), face à preocupação do Programa Alimentar Mundial para com a população, em particular, do norte de Gaza, à beira de uma catástrofe humanitária, caso não cresça a ajuda às vítimas da guerra entre Israel e o Hamas.
Diante desse quadro preocupante de instabilidade militar, também deve merecer atenção especial o conflito no Sudão, que, segundo o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, já criou a maior crise de deslocação interna do mundo, “com um impacto atroz” sobre a fome e a nutrição, em especial para as mulheres e as crianças.
Estudos prevêem que cerca de um milhão e 100 mil pessoas, em Gaza, palco da guerra entre Israel e o Hamas, há cerca de sete meses, e 79 mil, no Sudão do Sul, venham a padecer de fome até Julho próximo se não se colocar fim a esses conflitos.
Perante essa realidade, vão esvaindo-se perspectivas de segurança e se exacerbando ambições geopolíticas, trazendo à memória colectiva os “momentos áureos” da Guerra Fria, celebrizada pelas piores causas e efeitos.
As receitas e despesas tendem a acompanhar a espiral dos conflitos armados, resultantes de terrorismo extremo, golpes de estado, guerras interétnicas, inter-religiosas, fronteiriças, controlo de recursos naturais, ou seja, por uma maré cheia de tensões.
Entre as diversas guerras espalhadas pelo mundo despontam Rússia/Ucrânia, Israel/Hamas (Palestina), Rwanda/República Democrática do Congo e importantes crises políticas na Síria, Iémen, Haiti, Mianmar, Sudão e pela África Ocidental e no Sahel.
Nestas e noutras arenas onde impera o total desrespeito ao direito humanitário internacional, à população civil não se reserva outra sorte senão fome, sede, falta de assistência médica e medicamentosa, e, vezes sem conta, ausência de ajuda humanitária.
Cingindo-nos aos eixos Israel/Hamas, Rússia/Ucrânia e (guerra no) Sudão, as perdas humanas afiguram-se cada vez mais incomensuráveis.
Segundo informações recentes do Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, governada pelo movimento islamista palestino Hamas, o número de vítimas mortais ronda os 34.488, desde o início da guerra com Israel, em 7 de Outubro de 2023.
Por outro lado, “números imprecisos” resultantes dos dois anos de guerra entre a Rússia e a Ucrânia atingem as centenas de milhares de mortos, segundo Moscovo e Kiev, sem, no entanto, haver as reais cifras de baixas militares e civis, de ambas as partes.
Enquanto isso, pelo menos 14 mil pessoas perderam a vida no Sudão, devido à violência gerada pela disputa do poder entre militares e o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido.
Sem a anuência a um cessar-fogo imediato e sustentável, e a uma gigantesca operação de ajuda humanitária nos principais palcos mundiais de guerra, os lucros serão sim cada vez maiores, cruelmente mais letais e, claro, em consequência, o planeta irremediavelmente ficará vestido de luto. ADR