Jerusalém - Israel condenou no sábado a aprovação na Polónia de uma lei que limita os direitos dos sobreviventes do Holocausto ou descendentes a reaverem propriedades confiscadas pelo antigo governo do país, anunciando que vai chamar o seu diplomata em protesto.
A medida desencadeou uma crise diplomática entre o novo Governo de Israel e o Governo conservador nacionalista da Polónia. Após anos de relações estreitas enquanto o ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu esteve no poder, o novo executivo israelita, que inclui altos responsáveis que são filhos de sobreviventes do Holocausto, adoptou uma postura bastante mais agressiva.
O primeiro-ministro israelita, Naftali Bennett, descreveu a nova lei como "uma vergonhosa decisão de lamentável desprezo pela memória do Holocausto" e disse que "a Polónia optou por continuar a lesar aqueles que perderam tudo".
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Yair Lapid, anunciou ter dado instruções ao mais alto diplomata de Israel em Varsóvia, o encarregado de negócios, para regressar a casa imediatamente por um período indefinido.
Acrescentou ainda que o novo embaixador israelita na Polónia, que tinha data prevista de partida para Varsóvia, irá permanecer em Israel.
"A Polónia aprovou hoje(sábado) - não pela primeira vez - uma lei imoral e antissemita", declarou Lapid, cujo falecido pai era um sobrevivente do Holocausto.
O chefe da diplomacia israelita indicou ainda que vai recomendar que o embaixador polaco, que está de férias no seu país, não regresse a Israel.
O ministro da Defesa, Benny Gantz, sublinhando ser filho de sobreviventes do Holocausto, declarou-se "profundamente perturbado".
"A restituição de propriedade é uma pequena, mas significativa, parte do processo de cumprir os direitos daqueles que sobreviveram e de reconhecer aqueles que pereceram num dos maiores genocídios do mundo", disse Gantz.
O Presidente polaco, Andrzej Duda, assinou no sábado a lei que incide sobre as apropriações feitas pelo regime comunista que governou a Polónia desde o fim da Segunda Guerra Mundial até 1989.
A lei, em si, nada diz sobre o Holocausto ou a Segunda Guerra Mundial. Em vez disso, estipula que qualquer decisão administrativa emitida há 30 ou mais anos já não pode ser contestada, o que significa que os proprietários cujas casas ou negócios foram confiscados na era comunista já não podem obter qualquer tipo de compensação.
Espera-se, assim, que elimine para sempre a esperança de algumas famílias - tanto judias, como não-judias - de reaver propriedades apreendidas durante aquela época.
Tanto o Governo dos Estados Unidos como o de Israel instaram veementemente a Polónia a não aprovar a lei, e Israel advertiu de que tal prejudicaria as relações entre os dois países.
No sábado, o Presidente polaco afirmou que tinha analisado a questão cuidadosamente e tinha decidido assinar a lei para pôr fim à incerteza jurídica e à fraude relacionada com propriedades cuja titularidade permanece em dúvida décadas após a sua apreensão.
A lei não faz distinção entre requerentes judeus e não-judeus, e Duda disse que se opõe veementemente à ideia de que a lei é especificamente dirigida contra judeus que sobreviveram ao Holocausto.
"Rejeito inequivocamente essa retórica e digo-o com todas as minhas forças. Relacionar esta lei com o Holocausto conta com a minha firme objecção", declarou.
Antes da Segunda Guerra Mundial, a Polónia tinha a maior comunidade judaica da Europa, com perto de 3,5 milhões de pessoas, a maioria das quais foi morta no Holocausto e as suas propriedades confiscadas pelos nazis.
Alguns dos poucos judeus polacos que sobreviveram foram alvo de violência e perseguição às mãos de polacos depois da guerra, o que os levou a emigrar para outros países, entre os quais os Estados Unidos e Israel, que foi fundado como um refúgio para judeus após o Holocausto e que é hoje o lar de dezenas de milhares de sobreviventes do Holocausto e seus descendentes.
As autoridades comunistas da Polónia do pós-guerra apreenderam muitas dessas propriedades, juntamente com as de muitos proprietários não-judeus em Varsóvia e noutras cidades.
Quando o comunismo caiu, em 1989, isso abriu a possibilidade aos antigos proprietários e seus descendentes de tentarem recuperar as propriedades de família.
Alguns casos foram resolvidos nos tribunais, mas a Polónia nunca aprovou uma lei geral que regulasse a restituição ou a compensação por propriedades confiscadas.