Tiblissi - Os eleitores da Geórgia, onde milhares de pessoas se manifestam, há 15 dias consecutivos, contra a alegada fraude eleitoral e pela adesão à União Europeia, vão eleger, no sábado, um Presidente entre um candidato pró-ocidente e outro pró-Rússia, cita a Lusa.
A escolha recai entre a actual Presidente, Salomé Zourabichvili, antiga diplomata francesa que assumiu a chefia do Estado em 2018, e Mikheil Kavelashvili, ex-jogador de futebol do Manchester City, que foi impedido de se candidatar à presidência da federação de futebol em 2025 por não ter formação superior.
O futuro Presidente será eleito no sábado, pela primeira vez, por um colégio eleitoral e não por votação popular, no âmbito de uma alteração constitucional adoptada pelo 'Sonho Georgiano' em 2017 com vista a reforçar o seu controlo sobre o país.
Curiosamente, ambos os candidatos presidenciais foram lançados pelo mesmo homem: Bidzina Ivanishvili, presidente do partido no poder, o 'Sonho Georgiano'.
Apesar de ter sido eleita com a ajuda do homem forte do partido no poder, Salomé Zourabichvili, hoje com 72 anos, afastou-se completamente dos ideais do 'Sonho Georgiano'.
Acérrima defensora do objectivo da Geórgia de se tornar membro da União Europeia, a actual Presidente juntou-se às fileiras dos detractores do 'Sonho Georgiano' quando o partido começou a adoptar uma postura de autoritarismo pró-russia.
Vetou, sem sucesso, várias leis consideradas repressivas para a sociedade civil, os meios de comunicação social e os direitos LGBT, aprofundando a ruptura com o partido no poder, que tentou por duas vezes, sem sucesso, demiti-la.
Após as eleições legislativas de 26 de Outubro, vencidas pelo 'Sonho Georgiano' mas denunciadas como objecto de fraude, Zourabichvili assumiu a causa do movimento de protesto pró-europeu e proclamou-se como "a única instituição legítima" do país.
Desafiando o 'Sonho Georgiano', anunciou que se recusaria a renunciar ao seu mandato, o que deveria acontecer a 29 de Dezembro, enquanto não fossem organizadas novas eleições legislativas.
É esta mulher a primeira que ocupou o cargo de Presidente da Geórgia - que o Governo espera afastar para substituir pelo ex-jogador de futebol de extrema-direita Kavelachvili.
O candidato, anunciado na quarta-feira pelo presidente do 'Sonho Georgiano', é visto como um político anti-Ocidente de linha dura.
"Estou certo de que Mikheil Kavelashvili irá restaurar totalmente a dignidade temporariamente roubada à instituição presidencial", afirmou na altura Ivanishvili, o homem mais rico da Geórgia e uma figura que a oposição e os críticos culpam pelo afastamento do país da União Europeia em dilecção à Rússia.
"Não há dúvida de que Mikheil Kavelashvili não estará ao serviço de potências estrangeiras, mas sim ao serviço do Estado georgiano", acrescentou.
Embora seja mais conhecido por ter sido jogador de futebol - jogou pela selecção georgiana, pelo Dinamo Tbilissi e pelo Manchester City em meados da década de 1990 Kavelashvili não é um novato da política.
Em 2022, deixou o 'Sonho Georgiano' e fundou o seu próprio partido, o Poder Popular, de cariz eurocéptica e de extrema-direita.
"Repescado" agora pelo homem que verdadeiramente "mexe os cordelinhos" da política georgiana, o ex-jogador de futebol conta com o apoio do Governo e de toda a máquina do partido no poder.
Mas os resultados das presidenciais de sábado estão envoltos numa indefinição tão grande como a que vive o país actualmente.
Desde as legislativas de final de Outubro, a Geórgia dividiu-se quase ferozmente entre os que apoiam a manutenção da aproximação ao Ocidente e, consequentemente, a adesão ao bloco dos 27, e os que preferem a protecção e proximidade da Rússia, na peugada dos tempos em que a pequena república pertencia à União Soviética.
No dia 26 de Outubro, a vitória das eleições foi atribuída ao partido no poder, o 'Sonho Georgiano', mas as acusações de fraude pela oposição, pela Presidente e pelos observadores internacionais multiplicaram-se.
Manifestações cada vez mais participadas têm-se repetido diariamente, sobretudo desde 28 de Novembro, dia em que o Governo anunciou o adiamento até 2028 das negociações para adesão à União Europeia, ambição que está mesmo incorporada na Constituição.
Vários casos de violência policial contra manifestantes e jornalistas foram documentados por organizações não-governamentais e pela oposição e a repressão foi denunciada pelos Estados Unidos e pelos europeus, que ameaçaram tomar medidas de retaliação contra o Governo.
Na quarta-feira, o Presidente francês, Emmanuel Macron, apelou à libertação dos manifestantes "detidos arbitrariamente", durante uma conversa telefónica com Ivanishvili, enquanto o novo primeiro-ministro, Irakli Kobakhidze, descrevia os protestos como acções de "grupos violentos controlados por uma oposição liberal fascista", um termo frequentemente utilizado pelo Kremlin para atingir os seus adversários políticos. AM