Beirute - A poucos dias do fim do prazo do cessar-fogo provisório entre Israel e Líbano, os drones israelitas ainda sobrevoam Beirute, ensombrando a sustentabilidade do acordo temporário, que termina a 26 de Janeiro, noticiou o site Notícias ao Minuto.
A data marca o fim do período de 60 dias acordado entre Israel e o Líbano para a saída das forças israelitas do sul do Líbano e da retirada e desarmamento do Hezbollah da mesma região.
No entanto, as tropas israelitas intensificaram as actividades militares nos últimos dias e continuam a invadir vilas, destruir estradas e explodir casas. O governo libanês acusa Israel de violar o acordo, mas o exército israelita diz que continuar a destruir armas e infra-estruturas pertencentes ao Hezbollah.
Correm ainda notícias na imprensa israelitas de uma tentativa pelo governo de Benjamin Netanyahu de pedir aos Estados Unidos que as suas tropas permaneçam mais tempo dentro do Líbano. Na quinta-feira, o Hezbollah respondeu que se isso acontecer, o cessar-fogo colapsa e um "novo capítulo" da guerra será aberto.
Não parecem circunstâncias auspiciosas para um cessar-fogo já de si frágil entre dois inimigos mortais. Mas numa altura em que tanto Israel como o Hezbollah precisam de tempo para lamber as feridas e reconstruir os danos físicos e financeiros, os interesses de todas as partes envolvidas, incluindo dos Estados Unidos, convergem na sobrevivência do cessar-fogo.
Para o Hezbollah é uma questão "quase existencial" evitar um novo conflito e começar a reconstruir as áreas afetadas, diz Michael Young, editor sénior no Carnegie Middle East Center, à Lusa.
Young diz que o partido libanês xiita enfrenta uma crise de popularidade aguda entre uma grande parte da população libanesa que culpa o grupo financiado pelo Irão de ter arrastado o Líbano para uma guerra devastadora, mas também dentro da própria comunidade xiita, onde centenas de milhares de pessoas continuam desalojadas.
O Banco Mundial estima que à volta de cem mil casas foram destruídas e a factura para a reconstrução ultrapassa os três mil milhões de euros.
É uma tarefa descomunal. Se em 2006 o Hezbollah (através do Irão) financiou grande parte da reconstrução após a guerra de um mês com Israel, a história é diferente 19 anos mais tarde: o arsenal e a capacidade financeira do partido estão arrasados. Na Síria, perderam o apoio de Bashar al-Assad mas também as rotas por onde traficavam armas e drogas que financiavam o partido.
O próprio Irão também está a pagar o preço de uma estratégia falhada que custou milhares de milhões de dólares, numa altura em que o país vive uma crise financeira e enfrenta uma nova administração de Donald Trump que não terá problemas em impor mais sanções a Teerão.
Em Janeiro o Brigadeiro General Behrouz Esbati, da Guarda Revolucionária do Irão, admitiu num discurso: "perdemos, e perdemos fortemente" na Síria. Esbati negou que o chamado "eixo da resistência" tenha sido derrotado mas reconheceu que "agora não é hora para escalar tensões militares na região."
Neste contexto, diz Young, o rearmamento do Hezbollah, que os israelitas usam como razão para permanecer no Líbano, é improvável.
"Há uma questão mais importante: rearmamento para quê? Noutras palavras toda a estratégia que os Iranianos montaram nos últimos anos, que era a estratégia de Qassem Soleimani de armar grupos não estatais no Iraque, no Líbano, no Iémen e também ter o apoio do governo Sírio - tudo isso colapsou e o que fez foi levar à ruína a maior parte dos países envolvidos", diz à Lusa.
Apesar do Hezbollah ter prometido reconstruir e ter começado a distribuir dinheiro por algumas famílias, os montantes reduzem-se a alguns milhares. Entre os mais de um milhão de pessoas desalojadas pela guerra, muitas continuam sem ter para onde ir.
"Existe a percepção entre muitos xiitas que eles foram abandonados pelo Irão", diz Michael Young.
Sem o apoio financeiro Iraniano o Hezbollah perde assim o poder controlador que tinha sobre o governo e vê-se agora na posição vulnerável de depender do Estado e ter que aceitar cedências.
O prazo do cessar-fogo aproxima-se. É o primeiro grande desafio para o primeiro-ministro eleito há poucos dias e para o Presidente empossado no início de Janeiro. Mas a nova administração libanesa tem um trunfo: tem o apoio da comunidade internacional - em particular dos Estados Unidos e da Arábia Saudita - que querem aproveitar o enfraquecimento do Hezbollah para impulsionar uma era pós-Irão no Líbano de recuperação económica e estabilidade.
"(Os Estados Unidos) investiram em Joseph Aoun e sabem que quanto mais tempo os israelitas estiverem no Líbano, mais difícil vai ser construir a credibilidade (do Presidente), especialmente para o Hezbollah", diz Young.
"Os americanos querem que o Estado e o exército libanês preencham o vácuo deixado pelo Hezbollah. Portanto eu acho que esta administração (de Donald Trump) percebe o que está em jogo", acrescenta.
E os libaneses sabem melhor que ninguém: em Beirute vêm-se novas caras nos bairros de sempre: são parte do mais de um milhão de pessoas desalojadas pela guerra, maioritariamente famílias xiitas que continuam sem ter para onde ir. As suas casas continuam montanhas de escombros ainda por tocar, enquanto o país inteiro resume a esperança pela resolução do cessar-fogo numa só palavra: "inshallah" (oxalá).CQ/CS