Luanda - A violência no desporto constitui, sem dúvidas, um dos aspectos negativos neste fenómeno social de massas (desporto) em todo o mundo, merecendo, por isso, acções preventivas e a condenação por parte de instituições e organismos de Estado.
Por Ventura Bengo, jornalista da ANGOP
A violência, no sentido amplo, é um comportamento que causa dano ao ser vivo ou objecto. Invade a autonomia, integridade física ou psicológica e até mesmo a vida de outro. É o uso excessivo de força, além do necessário ou esperado.
No desporto, a violência é muito mais usual do que se poderia desejar. Geralmente parte de um jogador para um colega de equipa, mas também entre treinadores ou claques, como disse o sociólogo Victor Rosa, professor universitário em França e assistente convidado na Universidade Lusófona.
A análise deste facto implica uma incursão sobre a sua génese, repercussão interna e internacional com consequências nefastas, tais como a interrupção de provas, danos humanos, materiais, psicológicos, irradiações e outras de carácter punitivo para adeptos, dirigentes, treinadores e atletas.
Por isso, é importante reflectir sobre a violência no desporto, sobretudo pelas diferentes formas que ela pode ocorrer: hooliganismo, agressões, insultos, gestos obscenos, entre outros, ficando evidente que o fenómeno está fortemente ligado à sociedade que a produz.
As definições habituais sobre a violência estão associadas à noção de integridade, seja ela de ordem psicológica, seja ela de ordem física. Esta noção de integridade conjuga com o nível mais comum da teoria do sociólogo alemão Norbert Elias.
Este especialista na área postula que o processo civilizacional em marcha no ocidente desde o século XVI levou à diminuição da violência graças à implementação do Estado. A noção de “configuração” forjada por este autor permite uma melhor aproximação nesta reflexão.
Ela permite invocar as permanências das relações entre os indivíduos no seio de grupos regulados. Uma certa forma de violência pode ser definida segundo os momentos e os locais.
Por exemplo, disputar um jogo de futebol, distribuindo pontapés nas canelas, não era considerado violento antes de 1871. Já comportamento similar não é considerado uma atitude de “fair-play” no início do século XX, e muito menos nos dias de hoje.
Na realidade, a violência muda com as normas implementadas. O pluralismo dos pontos de vista sobre a violência no campo científico permite considerar que este vocábulo pode dar lugar a representações diferenciadas nos espaços sociais diversificados.
Os resultados das investigações sociológicas têm mostrado que a desigualdade da violência está ligada à desigualdade social e cultural no campo desportivo. Duas classes são identificadas: os desportos com violências duras, social e culturalmente pobres (futebol e desportos de combates) e os desportos com violências doces, social e culturalmente ricos (voleibol e ténis).
Importa referir que entre os desportos de contacto e os sem contacto, uma fina barreira se instala nas violências directas. Quadro em Angola Em Angola, além das situações clássicas que vêm do período colonial, antes da independência, em 1975, houve um autêntico massificar da prática desportiva, com todas as consequências inerentes positivas e negativas.
No desporto angolano abundam exemplos da existência deste factor estrangulador como, por exemplo, os tumultos verificados em 2017, no Estádio 4 de Janeiro, na província do Uíge.
Esta tragédia, das mais graves no histórico do desporto angolano, resultou na morte de 17 pessoas e mais de 60 feridos (pisoteadas), num jogo do Campeonato Nacional (Girabola) entre o Santa Rita de Cássia e Recreativo do Libolo do Cuanza Sul.
Destaque ainda para a invasão ao Estádio do Dundo, durante a partida entre o Sagrada Esperança e o Petro de Luanda, na província da Lunda- Norte, para a 27ª jornada do Girabola2022-23.
Na altura, registaram-se vários espectadores gravemente feridos e o uso de gás lacrimogêneo pelas forças de segurança para conter os ânimos.
Seguem-se outros exemplos como a destruição e arremesso de assentos para o relvado, no Estádio Tundavala, província Huíla, durante um desafio da Taça de Angola que envolveu o Petro de Luanda e a Académica do Lobito, em sinal de protestos por parte de adeptos contra decisões da arbitragem.
O guarda-redes Hugo Marques foi vítima directa deste comportamento condenável, durante o jogo contra o Wydad de Marrocos, no Estádio 11 de Novembro, em Luanda, para a Liga dos Clubes Campeões de África de futebol (0-2), quando um adepto entrou no recinto de jogo e agrediu o jogador.
Muito antes desses episódios, em 2013, a agressão ao árbitro Álvaro António, que aconteceu na final do Campeonato Nacional de boxe, que opôs Didi Mampuya (Interclube) e Fernando Pedro (Electro do Lobito), na categoria de mais de 91 kgs, disputado no município de Viana, capital do país.
Álvaro António atribui vitória ao pugilista lobitanga, e, acto contínuo, Mampuya protestou, desferindo um forte golpe no rosto do juiz que caiu e ficou inanimado no ringue durante minutos. O agressor pôs-se em fuga, apesar da intervenção dos elementos da organização da prova e dos seguranças.
Recentemente, podem ser apontados outros casos, como as reclamações por parte do treinador angolano da Académica do Lobito, João Pintar, denunciando ter sido “cuspido” no rosto pelo técnico brasileiro do Desportivo da Lunda-Sul, Maurílio Silva.
Tal terá acontecido após o triunfo num dos jogos do Campeonato Nacional de futebol (Girabola2024-25), quando o treinador foi saudar o seu colega de profissão.
A abrangência negativa da violência no desporto preocupa, particularmente, o Comité Olímpico Angolano (COA) que cumpre programas de sensibilização a todos os agentes envolvidos, incluindo a população, para que cultivem os princípios e regras estabelecidas.
O principal objectivo do COA, segundo o seu presidente, Gustavo da Conceição, é que todos possam ter um comportamento positivo, no respeito ao adversário e aos resultados das competições.
São defendidos o espírito dos ideais olímpicos como o “fair play” e outros, que permitem um desporto harmonioso, começando de tenra idade, principalmente nos estabelecimentos escolares.
Também são realizadas campanhas de sensibilização aos praticantes e outros envolvidos para o cumprimento dos princípios inerentes ao “fair play”, prevendo-se, o respeito pelos resultados das competições; “Perder com honra e ganhar com dignidade”.
Existe, igualmente, a luta contra as drogas no desporto, que falseiam resultados e concorrem para a “violência pacífica ”. A prevenção também passa pelos órgãos de comunicação social, polícia, protecção e segurança dos recintos, antes, durante e após actividades.
Os comunicólogos devem pautar por sensibilizar os intervenientes e o público, evitando-se actos lesivos às partes, que inflamam os comportamentos dos aficionados. É necessário que as instituições do Estado, desportivas e outras, reforcem as medidas de prevenção, para que se possa evitar constrangimentos aos bens humanos e materiais.
Com isso, se pode pensar num desporto saudável e com menos casos de violência nos campos e demais recintos do país, sem esquecer as acções verbais, contra as mulheres, pessoas com deficiência e de outra índole. VAB/MC