Luanda – A reestruturação do sistema judiciário em Angola conheceu, em 2024, um novo impulso com a reorganização da Comissão da Reforma da Justiça e do Direito (CRJD), para assegurar uma ‘actuação articulada’ entre as várias entidades públicas intervenientes.
Por Victor Manuel, jornalista da ANGOP
Contrariamente ao formato anterior, a actual CRJD é coordenada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos e integra os subcoordenadores de reformas dos sectores Judiciário, Registos e do Notariado, Penal, Civil, Comercial, Administrativo e diversos.
Fazem ainda parte representantes do Tribunal Supremo, do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal Militar, do Tribunal de Contas, da Casa Civil do Presidente da República, da Procuradoria-Geral da República, do Ministério das Finanças e da Ordem dos Advogados de Angola (OAA).
Anteriormente, a CRJD era coordenada por três professores catedráticos da Universidade Agostinho Neto, designadamente Raul Araújo, Carlos Feijó e Virgílio de Fontes Pereira, e incluía várias individualidades em representação dos tribunais Constitucional, Supremo e de Contas.
A Casa Civil do Presidente da República, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a OAA estavam, igualmente, representadas na CRJD.
O decreto presidencial que reorganiza a CRJD defende a imperiosidade da conclusão dos diplomas legais iniciados pelas anteriores comissões de reforma, bem como a execução continuada das políticas públicas ligadas ao sector da Justiça, com realce para o processo de implementação do novo Sistema de Organização Judiciária.
A CRJD tem como atribuições coordenar a estratégia nacional sobre o assunto, no quadro da reforma do Estado, propor o plano de actividades e o calendário de implementação das suas acções e iniciativas para o seu mandato.
Deve, ainda, acompanhar o processo de implementação da nova organização judiciária, assegurando e facilitando a articulação dos diversos programas sectoriais ligados à reforma.
Dar continuidade ao processo de elaboração dos diplomas legais, acompanhar o processo de implementação do modelo tecnológico nos tribunais de jurisdição comum e assegurar a sua harmonização com a organização judiciária e reformas processuais são as outras atribuições.
Compete, também, à CRJD acompanhar e propor as alterações pertinentes para a implementação do modelo de formação e superação contínua dos operadores judiciais, bem como desenvolver acções para garantir a harmonização, no quadro da organização do Estado e da administração da justiça, em particular.
Ela reúne-se, ordinariamente, a cada 15 dias e extraordinariamente, sempre que convocada pelo coordenador, e deve apresentar ao Chefe de Estado relatórios periódicos trimestrais e o relatório final das actividades desenvolvidas.
Tem um período de vigência de 36 meses, podendo esse prazo ser prorrogado, mediante solicitação fundamentada do coordenador, e extingue-se com a entrega, após aprovação pelo Chefe de Estado, do relatório final.
Desafios
Em Angola, o sector da Justiça continua a bater-se pela criação de condições para o aumento da disponibilidade dos serviços, pela melhoria da qualidade do serviço e pela citada reforma.
Neste quadro, a aposta recai para a modernização dos serviços, essencialmente melhorando o registo de nascimento e a atribuição do Bilhete de Identidade, assim como outras tarefas afins, incluindo a desmaterialização dos processos judiciais.
Em 2023, segundo as autoridades, foram emitidos mais de três milhões e 900 mil bilhetes de identidade, cifra considerada insuficiente, tendo em conta o grande número de cidadãos sem esse documento.
Estão em preparação acções, com vista a empreender um conjunto de reformas neste serviço, de entre elas, a desconcentração da sua emissão e a disponibilização do serviço mais próximo dos cidadãos, para tornar mais célere o processo e prestar aos utentes melhor trabalho.
Foram inaugurados novos serviços de justiça nas províncias de Luanda, Benguela e Huambo, bem como abertos novos postos de registo em hospitais gerais e maternidades, para assegurar o registo de recém-nascidos.
No estrangeiro, os serviços de justiça já estão disponíveis em 18 países, para atender aos cidadãos nacionais que, por diferentes razões, optaram por residir no exterior, estando a ser feitos esforços para assegurar que estejam também disponíveis nas demais missões diplomáticas e consulares.
Autonomia dos tribunais
Para consolidar a autonomia financeira dos tribunais de jurisdição comum e da PGR, está na forja a Lei do Cofre-Geral dos Tribunais (CGT), aprovada, recentemente, na generalidade, com 158 votos a favor, zero contra e nenhuma abstenção.
Concretamente, pretende-se, com esta lei, consagrar normas que possibilitem uma gestão cada vez mais económica das receitas arrecadadas, para o asseguramento da melhoria das condições de trabalho das instituições.
O CGT é, assim, apresentado como um importante instrumento de afirmação da autonomia administrativa dos tribunais, no quadro do princípio da unidade orçamental.
A aprovação da sua discussão coincide com a fase do alargamento da cobertura judicial em todo o território nacional, assim como com a construção e inauguração de novos tribunais de Comarca e a admissão ou promoção de mais juízes de direito e procuradores da República.
Muito recentemente, por exemplo, foram inaugurados três novos tribunais de Comarca em Viana (Luanda), Quilengues (Huíla) e Camacupa (Bié).
Após a entrada em funcionamento dos tribunais da Relação de Luanda, Benguela e Lubango, há expectativas para que os tribunais da Relação do Uíge e de Saurimo sejam, igualmente, instituídos, contribuindo ainda mais para a diminuição das pendências e para a celeridade processual.
Para além dos juízes e procuradores, têm sido feitas admissões regulares de novos funcionários judiciais, visando minimizar as dificuldades anteriormente sentidas na gestão dos processos judiciais.
O Executivo está empenhado em consolidar esta trajectória, a fim de que a Justiça esteja em condições de melhor servir o país, sendo ainda necessário melhorar a articulação institucional entre os vários sectores, com vista à redução dos casos de excesso de prisão preventiva.
Está, igualmente, em discussão o novo Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, bem como o novo Estatuto Remuneratório, em linha com o esforço permanente da melhoria das condições de trabalho.
Enquanto isso, o Executivo promete continuar a prestar atenção à Reforma da Justiça e do Direito, através da implementação de medidas legislativas, de reforço do pessoal e de melhoria das infra-estruturas e das condições de trabalho. VIC/IZ