Cabinda – Depois de quase duas décadas de inércia, na produção de culturas consideradas comerciais, a província de Cabinda, norte de Angola, começa a dar sinais positivos no cultivo do cacau orgânico, que, pela sua raridade e importância nutricional, atrai processadores e produtores de chocolates de alguns países de África e da Europa.
Por Custódia Sinela e Moisés da Silva
O cultivo do cacau nesta província, mais conhecida pelo seu potencial petrolífero, foi retomado em 2018, com o lançamento do projecto "Cadeia de Valor Agrícola”, que está a estimular grandes, médios e pequenos produtores dos municípios de Cabinda, Cacongo, Buco Zau e Belize, onde estão já vários hectares em expansão.
Trata-se de uma iniciativa orçada em 123,15 milhões de dólares, dos quais 101,07 milhões financiados pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), e 19,91 milhões custeados pelo Governo angolano. O projecto, que também abraça o relançamento do cultivo de palmares e café, beneficia uma população 2,17 milhões de cidadãos.
Neste contexto, os visados receberam mudas, num processo que contemplou investidores do Ghana, de Portugal, da Holanda e da Itália, que manifestaram interesse junto do Governo angolano, bem como compradores do Congo, de acordo com o secretário provincial da Agricultura e Pescas, André Fuca.
Segundo o também engenheiro agrónomo, especialistas do Ghana já estiveram em Cabinda para sugerir o intercâmbio entre Angola e aquele país africano na identificação de possíveis áreas para a cooperação no quadro da produção do cacau, cuja colheita acontece três vezes ao ano.
“O Ghana quer manter uma ligação entre o seu cacau orgânico e o de Cabinda, mesmo já produzindo espécies identificadas”, explicou o responsável, salientando que, localmente, muitas famílias têm domínio de conhecimento na génese para se produzir cacau e outras culturas, o que está a facilitar o relançamento dos referidos produtos.
Como sinal de boas perspectivas, a curto prazo, alguns viveiros preparados para entrarem em produção, em três anos, já começaram a produzir, curiosamente, passados um ano e seis meses, o que significa que, potencialmente, os solos são bons e as culturas correspondem, com particular realce para o cacau.
Trata-se de um fruto de múltipla utilidade, mas de difícil adaptação, e que, além de diversificar as fontes de receitas da província, acaba por dar um “estatuto agrícola” especial e diferenciado a esta região mais a Norte de Angola, que entra na concorrência com o Cuanza Norte, Zaire e Moxico, “marcas” firmes no mercado.
Incentivos para o cultivo
Para fomentar, no geral, a produção das culturas agrícolas comerciais, o Governo Provincial de Cabinda distribuiu às famílias camponesas, no quadro do projecto “Cadeia de Valores”, mais de um milhão e 500 mil mudas, entre cacau, palmares e café, para se incentivar o cultivo dos actuais campos.
André Fuca adiantou que os viveiros com mudas mantêm-se em pleno, para atenderem as necessidades locais, mas a gestão do assunto foi transferida para terceiros, passando os técnicos efectivos do ministério a cuidarem da assistência técnica dos campos em produção.
“Já não temos capacidade humana para fazer as duas coisas ao mesmo tempo: ocuparmo-nos dos viveiros e irmos aos campos. Então, já terciarizamos a actividade dos viveiros. Entregamos às empresas para continuarem a produzir e nós vamos comprar as mudas e continuar a distribuir às populações ”, explicou.
Entre os quatro municípios de Cabinda, Buco-Zau e Belize, circundados pela floresta de Maiombe, destacam-se com campos vastos, de 18 a 50 hectares de produção. Todavia, segundo o mesmo técnico agrário, as maiores fazendas de cacau estão localizadas no município de Belize, com 30 a 50 hectares.
André Fuca acredita, entretanto, que a província de Cabinda seja a líder na produção de cacau em Angola, se comparada com outras produções de Malanje, Cuanza Sul, Uíge e Cuanza Norte.
Actualmente, o sector controla uma centena de pequenos produtores, com dois a três hectares de plantações de cacau, e que, de forma organizada, estão a criar cooperativas em áreas próximas onde acabam por juntar a sua produção. Outros, neste caso a minoria, trabalham em campos mais vastos, de até 50 hectares.
Segundo o secretário provincial da Agricultura e Pescas, após o início da retoma da produção, há um ano e seis meses, as quantidades estavam na ordem das seis toneladas/ano e, actualmente, a colheita já ultrapassa as 30 toneladas, podendo triplicar nos próximos tempos e ser exportado para novos destinos.
“Com o incentivo à produção e o interesse manifestado por compradores estrangeiros, prevê-se triplicar o volume da colheita, nos próximos tempos”, augurou André Fuca, explicando que, entre os investidores/processadores, constam empresários singulares e grandes empresas nacionais e estrangeiras.
Produto já tem embaixador
Proprietário de uma fábrica de chocolates em ascensão nos Países Baixos, o empresário angolano Joaquim Van-Dúnem dos Santos está a ser actualmente tratado por “Embaixador do Cacau de Angola”, por estar a promover o produto além-fronteiras e a treinar produtores de três fazendas de Cabinda.
Regularmente, o mesmo tem visitado a província com esse propósito. Em 2020, teve o primeiro contacto, tendo feito, na altura, a fermentação e secagem do cacau e os respectivos testes, classificando-os como “bom cacau”. Há um mês, regressou para capacitar os referidos fazendeiros, numa pequena unidade criada para testes.
“Ele está a preparar os agricultores que podem, no futuro, ser os seus fornecedores de cacau. O que ele está a fazer é levar algumas amostras que tem partilhado com alguns processadores da Holanda e consumidores para conhecerem a qualidade do nosso produto”, explicou.
A partir dos Países Baixos, o empresário revelou à ANGOP, por telefone, que o que mais quer é levantar a bandeira de Angola na arena internacional, com exportação de cacau de Angola e o fabrico e comercialização de chocolates feitos com o produto providente da sua terra natalícia, em particular de Cabinda.
“Fui o primeiro angolano que fez o primeiro chocolate 100% de Angola, com o cacau providente do meu país, depois de ter feito as minhas pesquisas, testes de fermentação e secagem de cacau, em 2020”, recordou o proprietário da fábrica “Smells Like Chocolate”.
Por causa da Covid-19, teve de suspender a actividade empresarial e dedicar-se ao treinamento de camponeses angolanos sobre o cultivo do cacau, o processo de fermentação, de secagem, o tratamento das fazendas, prevenção e eliminação de insectos, comercialização, entre outros aspectos.
Joaquim Van-Dunem dos Santos argumenta que qualquer pessoa pode fermentar e secar o cacau, mas corre o risco de não ter comprador no mercado internacional devido à má qualidade. Por esse e outros motivos, compromete-se em continuar a dar formação para se salvaguardar a qualidade.
Qualidade equiparada à América e à Europa
Sublinhou que a qualidade do cacau de Angola é boa e nada deve ao produzido em certos países de África, da América e da Europa, pelo que apela para uma maior aposta do Governo angolano no sentido de inseri-lo na lista das prioridades de investimento, à semelhança do café e outros produtos.
“Eu trabalho com cacau dos Estados Unidos da América, do Brasil, do Rwanda, do Congo, de São Tomé e Príncipe, entre outros países, e, por ser angolano, quero também elevar a nossa patente no mundo, porque estou neste negócio do cacau internacional”, salientou o empresário.
Segundo o empresário, os camponeses angolanos, particularmente os de Cabinda, podem vender o cacau nato (fresco) por 450 kwanzas, o quilograma, um preço que, no seu entender, deve ser praticado por alguém com experiência e assim se prevenir dos preços baixíssimos como acontece no Ghana.
“Por exemplo, no Ghana, por desconhecimento do seu real valor, muitos cacauicultores comercializam o produto a preços muito baratos, ou seja, cerca de 50 centavos por quilograma. Bem fermentado e seco, pode custar dois euros por quilograma e revendido no mercado externo ao valor de cinco euros”, estimou o especialista.
No quadro das suas pretensões de elevar o prestígio do “Cacau de Angola” no mercado externo, o empresário disse ter submetido ao Ministério da Agricultura, Floresta e Pescas, há algum tempo, um projecto sobre o cacau e as suas nuances, estando até agora a aguardar pela resposta para avançar com mais força.
Na proposta, além da formação dos produtores, Joaquim Van-Dúnem dos Santos destaca e demonstra com exemplos os rendimentos que os camponeses poderão ter com a venda do cacau no exterior de Angola, bem como para o próprio o Governo, em termos de receitas.
“Tenho clientes aqui na Europa, mesmo a nível mundial, e estou a fazer um esforço para levantar a produção do cacau do país. Por tudo o que tenho feito, actualmente já estou a ser tratado como “Embaixador do Cacau de Angola”, sublinhou.
Uma outra interessada no cacau angolano é a construtora Mota Engil, que, através da sua filial ligada à agricultura, quer investir na plantação de cacau, num espaço de seis mil hectares, onde serão plantados igualmente bananais e espécies de plantas madeireiras, a serem produzidas ou já em criação em viveiros.
André Fuca acrescenta que, a nível local, existem também investidores nacionais interessados no cacau de Cabinda, apontando um reformado do sector, que, conhecendo o produto, tem estado a intermediar o processo, comprando a produção interna, que depois fermenta e seca.
Esse mesmo técnico aposentado, detalhou o interlocutor, já apresentou propostas aos bancos comerciais para obter financiamento para criar uma pequena unidade de processamento de cacau.
“Temos a certeza de que vai ter um feedback positivo e poderemos, então, processar parte do nosso cacau, localmente”.
Maiombe “protege” plantações
Entre as estrondosas árvores da Floresta de Maiombe, no Município do Buco-Zau, a ANGOP constatou os vastos campos de cacau, tendo o maior deles mais de 36 hectares, ambos geridos pela Estação de Desenvolvimento Agrário (EDA) e pelo Instituto Nacional do Café (INCA).
No local, foi possível testemunhar a entrega dos produtos para o fomento do cacau aí produzido durante o ano e as demais culturas. No espaço, foi possível verem-se vestígios das últimas colheitas, em Fevereiro, além das frutas que as mais diversas plantas carregam, para as próximas colheitas, que serão exportadas.
Alberto Capita, responsável da EDA em Buco-Zau, fez saber que há muita vontade da população em apostar no cacau, mesmo não tendo compradores ainda à vista. Neste município do Norte de Cabinda, são controlados 35 produtores, entre pequenos, médios e grandes, que também beneficiaram de mudas.
“Antes da independência, produzia-se muito cacau cá na região, e mesmo algum período depois, mas, de repente, os campos começaram a ser abandonados”, disse o técnico, recordando que o produto tem múltiplas utilidades e importância no organismo humano.
A este propósito, estudos revelam que uma das funções do cacau no homem é ajudar a melhorar o humor. Ele aumenta a produção de serotonina no organismo, o harmónio responsável pelo bem-estar. É rico em antioxidante e reduz os altos números de colesterol no sangue.
De igual modo, ajuda bastante a manter a saúde do coração, pois possui uma substância chamada “ácido oleico” que combate doenças cardíacas. Além disso, inibe e cura os radicais livres em excesso, auxilia o sistema imunológico, estimula o funcionamento cerebral e produz uma sensação de bem-estar.
Possui polifenóis, substâncias caracterizadas por possuírem uma ou mais hidroxilas ligadas a um ou mais anéis aromáticos e que queimam a gordura, sendo que os extractos da fruta ajudam na prevenção de diversos tipos de infecções no corpo.
Por isso, os pesquisadores reconhecem que as suas características são também curativas de feridas, além de outros benefícios.
Contém diversas vitaminas, como cálcio, fósforo, potássio, ferro, sódio, vitamina C e E, bem como alta concentração de fibras dietéticas.
Já o chocolate orgânico fornece a sensação de alívio, pois contém quantidades significativas de triptofano, um aminoácido essencial que colabora para produção de serotonina e melatonina. Porém, o chocolate convencional pode trazer problemas para a saúde, como o ganho de peso, cáries e má nutrição.
Palmares e cafeeiros regeneram-se
No âmbito do mesmo projecto “Cadeia de Valor Agrícola”, financiado pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), os palmares e cafeeiros também começaram já a dar sinais de revitalização, com plantios saudáveis, em todos os municípios e com indicadores de as primeiras colheitas serem satisfatórias, ainda este ano.
A produção está nas mãos das famílias, mas um empresário plantou palmares numa área de cerca de 500 hectares, um investimento que prevê suportar uma unidade de processamento de dendém para óleo de palma, meios que serão instalados no município de Cacongo.
Segundo André Fuca, o mesmo investidor angolano prevê, de igual modo, comprar toda a produção dos pequenos produtores locais, após a montagem, para breve, da referida unidade de processamento.
“Este ano, vamos ter, seguramente, as primeiras produções, que vão servir para começarmos a dar os primeiros passos”, anunciou o secretário provincial da Agricultura e Pesca, adiantando que grande parte dos cacauicultores também está envolvida na produção de palmares.
Nesta altura, os dendezeiros, também conhecidos como palmeiras-de-dendém, estão recheados e aguardam pela colheita. Ainda assim, algumas famílias rurais já começaram a fazer o uso, transformando manualmente o dendém em óleo de palma.
Enquanto isso, a plantação de café robusta foi desmotivada por muito tempo em Cabinda, por falta de compradores. “Tivemos uma época em que a produção de café ficava em casa dos produtores, porque não havia alguém para comprar”, explicou o engenheiro agrónomo André Fuca.
No quadro das decisões tomadas pelo Governo local, através da sua Secretaria da Agricultura, argumentou o responsável, tomou-se a decisão de se vir a investir numa unidade de processamento para agregar valor ao café robusto, como forma de apoiar a vontade da população em recuperar esta produção.
Sem avançar números, o interlocutor esclareceu que a nível da província existem mais produtores de café arábica do que de cacau e palmares, e que neste momento se está a trabalhar para que os mesmos recuperem as suas plantações e voltem a alargar as áreas de cultivo com novas plantas.
Acrescentou que se pretende também experimentar a plantação do café arábica nas zonas montanhosas de Alto-Zundi (comuna de Miconje, a 280 quilómetros a norte de Cabinda), uma espécie típica para as regiões com relevos, ao passo que o café robusta se adapta mais facilmente nas condições de chuvas intensas e calor.
Maior cafeicultor está com 76 anos
O município do Buco-Zau é o maior produtor de café robusto, sendo o maior campo propriedade do cafeicultor Alfredo Builo, agora com 76 anos de idade. O experiente idoso gere 22 hectares, no qual envolveu os seus 20 filhos que, ao longo do tempo, aprenderam com o progenitor como cuidar das plantações.
Em declarações à ANGOP, o produtor informou que, na safra anterior, colheu 102 sacos de 50 quilogramas de café robusto, uma quantidade comercializada ao preço de 17 mil kwanzas, por saco, e que a sua plantação se estende a uma baixa coberta com árvores gigantes típicas da região da Floresta de Maiombe.
Trabalha há 14 anos na mesma plantação e pondera lançar novas plantações em outros espaços disponíveis, uma acção condicionada a apoios do Governo, a quem solicita sacos de ráfia e mais clientes para melhor aproveitamento das colheitas do município do Buco-Zau, onde estão catalogados 85 cafeicultores.
Não obstante a ainda tímida produção das referidas culturas comerciais (cacau, palmares e café), a província de Cabinda é auto-suficiente na produção de mandioca e banana-pão, esta última que alimenta também países vizinhos, como o Congo-Brazzaville e a República Democrática do Congo.