Luanda - O mercado musical africano, particularmente o de Angola, está ‘repleto’ de artistas que ganharam as paradas do sucesso ao longo de décadas, mas poucos carregam a força e o simbolismo de Sam Mangwana.
Por Miguel Leasar, consultor e investigador cultural
Nascido em 1945, no Congo-Léopoldville, actual República Democrática do Congo (RDC), com fortes raízes angolanas, Mangwana encarna, indubitavelmente, a dualidade cultural que define a história de milhares de angolanos.
A sua carreira, que despontou nos anos 60 em grupos icónicos como African Fiesta e TP OK Jazz, transformou-se numa jornada de exploração e fusão cultural, em que estilos como a rumba congolesa, o soukous e influências da música caribenha encontraram espaço para coexistir.
É essa fusão que caracteriza a obra de Mangwana e a torna tão emblemática para a música popular urbana angolana, ecoando as lutas e as aspirações de uma Nação que busca impor a sua própria voz e identidade, desde a era colonial.
Embora a canção seja a sua arma mais expressiva, o artista impõe-se não apenas como músico, mas também como um verdadeiro cronista da experiência africana.
Nas suas músicas, os sentimentos de revolta e a esperança mesclam-se numa narrativa de resistência e celebração.
Para os angolanos, a sua música simboliza o reflexo das tensões políticas e sociais em Angola e na RDC, bem como a afirmação de uma identidade que transcende as fronteiras.
A rumba congolesa, quando interpretada por Mangwana, carrega consigo o pulsar das ruas de Kinshasa e Luanda, simbolizando um ‘idioma musical’ comum que ultrapassa as divisões geopolíticas impostas pela colonização.
Ao longo dos anos, Mangwana não só ajudou a solidificar a rumba como um género com raízes profundas em Angola, mas também contribuiu para a sua transformação e adaptação ao contexto urbano do país.
A sua música ganhou grande aceitação nos bairros populares de Luanda, onde as suas melodias ecoam nas rádios e nas festas, formando a ‘trilha sonora’ de gerações.
Num país onde a música é um meio de preservação cultural e de comunicação intergeracional, Mangwana representa a continuidade com o passado e uma ponte para o futuro.
Ele uniu Angola pós-colonial ao Congo, por meio de uma celebração da afrodescendência e da resistência.Para os jovens músicos que almejam construir carreiras influentes, o exemplo desse artista é de uma resiliência e integridade artísticas que transcendem modas e fronteiras.
O trabalho do músico, distinguido recentemente com a Medalha de Mérito nas Artes, Ciências e Letras pela Embaixada da RDC em Angola, é um lembrete de que a música popular urbana não é uma mera reprodução de tendências globais, mas, sim, uma ferramenta de construção de identidade e resistência cultural.
Enquanto muitos artistas angolanos se têm afastado das influências musicais tradicionais, buscando inspirações de estilos globais como o hip-hop, o afrobeat e o reggaeton, Sam Mangwana representa um retorno ao essencial.
Na verdade, o artista mostra que é possível integrar influências estrangeiras sem sacrificar a autenticidade.
A sua obra é um testemunho de que a música angolana pode ‘dialogar’ com o mundo sem perder a sua alma.
Por isso, nos seus concertos, Mangwana não apenas canta, mas também conta histórias, revive memórias e constrói pontes entre gerações e nações. Ele personifica a alma de uma África que se recusa a ser fragmentada por linhas coloniais.
Em suma, Sam Mangwana é mais do que um artista, é um verdadeiro embaixador da cultura africana.
A sua música, marcada pela luta pela independência, pela dignidade e pelo orgulho africano, transcende o entretenimento e transforma-se num veículo de diplomacia cultural. Ele é, em essência, um símbolo da resistência e da celebração da identidade africana.
Para Angola, o legado de Mangwana não só é musical, mas também uma lição de como a arte pode ser um poderoso meio de preservação e renovação da identidade.
Num mundo cada vez mais globalizado, onde as tradições culturais são, muitas vezes, diluídas pela homogeneização, o exemplo de Mangwana oferece um poderoso lembrete da importância de preservar a autenticidade cultural.
A sua música é um manifesto de esperança e um convite para que os angolanos, sem complexos, tribalismos e outros tipos de sentimentos pessoais, continuem a dançar, a cantar e a celebrar o que é verdadeiramente seu.
A distinção de Sam Mangwana com a Medalha de Mérito das Artes, Ciências e Letras é somente mais um marco na trajectória de um artista que, durante décadas, construiu uma ponte musical entre Angola e a RDC, consolidando o papel da rumba congolesa na formação da identidade musical angolana.
A Angola contemporânea enfrenta desafios únicos no que diz respeito à preservação das suas tradições musicais, e é inegável que o exemplo de Mangwana pode inspirar uma geração a revalorizar a autenticidade das suas raízes.