Benguela – A redinamização da circulação de mercadorias e a facilitação da mobilidade de cidadãos da região centro-sul de Angola – nos sentidos Leste-Oeste e vice-versa – darão início a novos e certeiros passos, rumo ao reforço do gradual desenvolvimento regional.
Por Augusto Cordeiro, jornalista da ANGOP
Se, no território angolano, o Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) ajuda, fundamentalmente, na transportação de pessoas e bens diversos, com destaque para os produtos agrícolas, a linha férrea tem a sua grande importância no escoamento de minérios, explorados nos países vizinhos, para o Porto do Lobito, de onde rumam para vários destinos mundiais.
No sentido inverso, muitas das importações, destinadas à República Democrática do Congo e à Zâmbia (RDC), também têm no Porto Comercial do Lobito uma importante infra-estrutura, de onde seguem, através da linha férrea, para outros países.
O percurso para aquela direcção será iniciado com a concretização da agenda planificada, após a assinatura, a 27 de Janeiro deste ano, de um Acordo Tripartido, entre Angola, a RDC e a Zâmbia, 12 anos depois do início das negociações entre os três países.
O acordo ora assinado cria a Agência para a Facilitação do Transporte de Trânsito do Corredor do Lobito (LCTTFA - sigla inglesa).
A aproximação entre os seus assinantes vai permitir que os países sem saída para o mar na região, nomeadamente a Zâmbia e a RDC, voltem a utilizar, sem constrangimentos, as infra-estruturas de logística e de transporte do Corredor do Lobito.
Este último, que serve, fundamentalmente, para o transporte de cidadãos e o escoamento de mercadorias, engloba o Porto Comercial do Lobito, o CFB, o Aeroporto Internacional da Catumbela e estradas.
A circulação de minerais, como o cobre e o cobalto, a partir das ricas zonas mineiras de Katanga (RDC) e Copperbelt (Zâmbia), até ao Porto Comercial do Lobito, onde serão exportadas para o mercado internacional, irá potenciar o comércio transfronteiriço, o que resultará na subida do volume de receitas aduaneiras para Angola.
No seu todo, os três países têm um Produto Interno Bruto (PIB) global de, aproximadamente, 177 mil milhões dólares, o que corresponde a 25 por cento do conjunto de Estados membros da Conferência de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
O impacto da iniciativa terá benefícios junto das populações que o corredor atravessa, particularmente nas províncias de Benguela, Huambo, Bié e Moxico, em Angola, e nas regiões de Kolwezi, Likasi ou Lubumbashi, na RDC, e em Solwezi, Kitwe ou Ndola, na Zâmbia.
Porto do Lobito rumo ao desenvolvimento
O Porto Comercial do Lobito, na província de Benguela, está a realizar investimentos avultados, focados na criação de condições para se transformar em Porto Senhorio, segundo o seu presidente do Conselho de Administração, Celso Rosas.
Na condição de Porto Senhorio (landlord port, na língua inglesa), o Porto do Lobito vai cuidar apenas da gestão pública e da movimentação reduzida passageiros e produtos comerciais, enquanto o sector privado será o responsável pelas infra-estruturas portuárias, sob forma de concessão.
Os mais recentes investimentos são as ligações de energia eléctrica ao Terminal Polivalente (carga geral e contentorizada), Porto Seco e do Terminal Mineraleiro à rede pública.
Celso Rosas informou à imprensa que, no final do ano passado, foi assinado um contrato de concessão do Terminal Mineraleiro com o consórcio vencedor do concurso do Corredor do Lobito, Trafigura Group Pte Ltd, Vecturis, SA e a Mota Engil, Engenharia e Construções Africa, SA.
Para este ano, segundo anunciou, o Porto do Lobito avançará para uma gestão híbrida, uma vez que está em agenda, a partir do terceiro trimestre, avançar-se para a entrega da concessão do Terminal Mineraleiro e,posteriormente, do Terminal Polivalente, passando para o modelo de gestão de Porto Senhorio.
Esta situação, segundo ele, levará a Administração do Porto a ter como principais atribuições as de regular e fiscalizar a actividade do porto, exercendo um papel de Autoridade Portuária.
“Na senda do resultado do nosso árduo trabalho, o Porto do Lobito foi escolhido pela Organização Marítima Internacional, para albergar o projecto-piloto de implementação da Janela Única Marítima (JUMA), para facilitação do comércio na região, trazendo uma mais-valia ao nosso Porto e muitas vantagens a todos intervenientes da actividade portuária”, anunciou o PCA.
Com a JUMA a funcionar, todos os navios que aparecerem, num dos portos dos membros da Organização Marítima Internacional (OMI)/International Maritime Organization (IMO, na língua inglesa), devem submeter toda a sua documentação a essa plataforma.
A JUMA será, também, utilizada pelos Despachantes, as Agências de Navegação, os Serviços de Emigração Estrangeira (SME), a Administração Geral Portuária (AGT), a Sanidade Marítima e a Polícia Fiscal.
A vantagem desse projecto reside no facto de os intervenientes nos serviços portuários, principalmente as agências de navegação, representantes dos armadores dos navios e os despachantes, estarem todos interligados e deixarem de usar documentos em papel.
Porém, outros desafios estão por serem feitos, como, por exemplo, a definição e a estabilização de um novo modelo de governação, como o Porto Senhorio, a reestruturação e organização do capital humano, no âmbito das concessões, a implementação e actualização do Data Center, bem como a recuperação da dívida dos clientes, de 27 mil milhões, duzentos e treze milhões, quatrocentos e vinte e cinco mil e trezentos e trinta e cinco kwanzas.
“O bom desempenho da actividade portuária é assinalado com base na atracação de navios e tonelagem dos produtos movimentados, que, durante o ano 2022, foi de 326 navios, com um total de um milhão, quinhentos e sessenta e cinco mil, oitocentos e sessenta e três toneladas”, disse o PCA.
Segundo dados do Porto do Lobito, registou-se uma redução de 19 por cento, em navios, e um aumento de cinco por cento, em toneladas, em relação a 2021, ano em que foram movimentados 401 navios e transportadas um milhão, quatrocentos e oitenta e sete mil, seiscentos e seis toneladas.
Em relação à carga contentorizada, houve uma redução, comparativamente com 2021, na ordem de vinte por cento em TEUs. Movimentou-se 22 mil, 578 em 2022 contra os 28 mil, 233 em 2021.
O gestor daquela empresa portuária revelou que, no ano passado, foi possível arrecadar-se 14 mil milhões, setecentos e dois milhões, quinhentos e vinte mil e seiscentos e vinte e um kwanzas, resultantes da prestação de serviços portuários.
“Face ao período homólogo do ano anterior (2021), registou-se uma diminuição na facturação, na ordem dos 7,80 por cento, com a cifra de quinze mil milhões, novecentos e quarenta e quatro milhões, novecentos e cinquenta e dois mil e novecentos e noventa e oito kwanzas”, esclareceu.
O Estado angolano fez um importante investimento, de 2008 a 2012, para a modernização do Porto Comercial do Lobito, com destaque para a ampliação do cais, construção de novas infra-estruturas, como o Terminal Mineraleiro, o Porto Seco, edifícios para albergar escritórios e máquinas pesadas para o manuseamento de carga.
CFB vai lançar Unidades Múltiplas Diesel
O CFB projecta colocar em circulação, este ano, as suas Unidades Múltiplas Diesel, para o transporte de passageiros, no troço Lobito-Benguela e vice-versa.
São veículos modernos e adequados para o transporte urbano, com uma capacidade para transportar 700 passageiros por viagem, de acordo com o presidente do Conselho de Administração, António Cabral.
“Este investimento foi feito pelo Estado angolano, tendo por objectivo a melhoria da mobilidade urbana nos serviços de passageiros”, frisou.
Fazendo um balanço referente às actividades de 2022, António Cabral revelou que foram realizadas cerca de dois mil e 600 viagens ferroviárias, sendo transportados 965 mil, 331 passageiros, numero de que resultouum aumento de cerca de 30 por cento, comparativamente ao ano anterior.
Quanto ao transporte de mercadorias, foram transportadas 276 mil, 829 toneladas de produtos diversos, o que representou um aumento de cerca de 25 por cento, comparativamente ao ano passado.
Sabe-se já que foi celebrado o contrato de concessão dos serviços ferroviários e logística de suporte ao Corredor do Lobito, para um período de 30 anos e, no próximo, começam a ser efectuados os trabalhos paraa implementação do referido contrato.
“Neste âmbito, o CFB ficará somente com a responsabilidade de transportar passageiros e pequenos volumes, uma acção que vai exigir de todos mais esforços e muito empenho”, sublinhou o PCA.
O entrevistado falou, ainda, sobre alguns investimentos internos, como a reabilitação dos hospitais no Lobito, Huambo, e o posto médico do Luau, no Moxico, assim como a aquisição de vários tipos de máquinas de costura, tecidos e linhas para a produção interna de uniformes.
Segundo disse, foi igualmente lançado um concurso público para a aquisição de Equipamento de Protecção Individual (EPI), como botas, luvas, óculos e outros, não produzidos internamente, de modo a equiparsobretudo os trabalhadores das áreas técnicas.
O CFB foi contemplado com a modernização das suas infra-estruturas, desde a linha férrea de mil, 344 quilómetros, do Lobito (Benguela) ao Luau (Moxico), intercalada por 67 estações.
Conta com um centro de controle, localizado no Lobito, para interagir com os comboios, através da internet, seja em que ponto se encontrarem, oficinas no Huambo e no Lobito, bem como tem estado a importar várias locomotivas da General Motors, vindas dos Estados Unidos da América.
Corredor estratégico para o desenvolvimento
Com a gestão privatizada, por um período de 30 anos, através do consórcio “Lobito Atlantic Railway”, formado pelas empresas Vecturis, Trafigura e Mota Engil, o Corredor do Lobito integra o Porto do Lobito, o Terminal Mineiro, o Aeroporto da Catumbela e o CFB, cuja linha se estende por mil 344 quilómetros de extensão, até ao Luau, no Moxico.
Dado o papel estratégico para o desenvolvimento económico regional, foram investidos mais de dois mil milhões de dólares na reabilitação e modernização das infraestruturas e meios circulantes do Corredor do Lobito, tendo em vista dinamizar o transporte de mercadorias diversas, beneficiando os três países fronteiriços.
O Governo já tem em carteira a conclusão do estudo de viabilidade para a construção da linha de 259 quilómetros de extensão, que vai ligar Angola à Zâmbia, partindo do município do Ruacano (Moxico), até à região fronteiriça de Jimbe (Zâmbia), processo que aguarda, até ao momento, pelo lançamento de concurso público.
A recuperação das vias férreas na Zâmbia e na RDC é fundamental, para permitir a sua interligação ao CFB, na zona do Luau, na fronteira de Angola e, com isso, revitalizar o transporte de minério até ao Lobito.
Em relação as duas principais infra-estruturas do corredor, nomeadamente o Porto Comercial do Lobito e o CFB, prepararam-se para enfrentarem o desafio que se avizinha, com o aumento do movimento de carga na região.
Actualmente a esperança de crescimento para o Lobito está depositada no conjunto de investimentos públicos em duas infra-estruturas estratégicas, nomeadamente o Porto Comercial do Lobito e CFB, tidos como fazendo parte dos principais pilares de desenvolvimento de Angola.
Na era pós-crise e, dependendo das mudanças na economia global, o Lobito poderá rapidamente retomar o crescimento económico, aproveitando a capacidade das suas infra-estruturas logística e de transporte marítimo e ferroviário, modernizadas com tecnologia de última geração.
O Acordo de criação da Agência de Facilitação de Transporte de Trânsito do Corredor do Lobito vai acelerar o crescimento do comércio doméstico e transfronteiriço, através da implementação de instrumentos harmonizados de facilitação do comércio, fortalecendo a coordenação das actividades conjuntas de desenvolvimento do corredor e promovendo a participação efectiva de pequenas e médias empresas em cadeias de valor, defendem as autoridades.
O Corredor do Lobito apresenta uma rota estratégica alternativa para os mercados de exportação da Zâmbia e da RDC e oferece a rota mais curta que liga as principais regiões mineiras dos dois países encravados ao mar.
Em Angola, o Corredor liga 40 por cento da população do país e estão a decorrer vários investimentos de grande envergadura na agricultura e comércio nas províncias de Benguela, Huambo, Bié e Moxico, regiões atravessadas pelo CFB.
A assinatura do instrumento jurídico cria um quadro para os três Estados Membros da SADC desenvolverem conjuntamente leis, políticas, regulamentos e sistemas de corredores harmonizados, incluindo o desenvolvimento de infra-estruturas de forma coordenada e coerente alinhada com o Tratado da SADC, Protocolos e quadros de desenvolvimento tais como o Plano Indicativo de Desenvolvimento Estratégico Regional 2020-2030.
Histórico do Porto do Lobito e do CFB
O Porto Comercial do Lobito foi criado por força do Decreto de 28 de Novembro, de 1902, em que o então Estadista e Presidente do Conselho, Teixeira de Sousa, sendo ainda Rei de Portugal D. Carlos I, outorgava, em nome do Governo Português, ao cidadão inglês Robert Williams, o contrato da construção e exploração do Caminho-de-Ferro (CFB, com a duração de 99 anos.
Nos termos da concessão, o CFB ligaria o Lobito com o planalto de Benguela, seguindo para o Leste, para atingir a fronteira luso-belga, onde havia uma produção de minérios para a exportação.
Ao iniciar-se, em 1 de Março de 1903, o trabalho da construção da linha férrea, começava, também, a história do Porto do Lobito.
A primeira obra portuária construída no Lobito, que prestou relevantes serviços durante 30 anos, foi uma ponte-cais que, apesar da proximidade da terra, permitia atracação simultânea de três unidades de longo curso e duas de cabotagem ou pequeno calado, obra que honrou o CFB, seu construtor.
Entre 1906 e 1911, além de outros estudos anteriores, o capitão de engenharia, Sebastião Nunes Matos, e o engenheiro Carlos Roma Machado, procederam à elaboração de estudos ligados à obra portuária.
A construção impunha-se, tendo em atenção a importância do Lobito como porto de tráfego internacional, a que seria elevado, assim que o CFB atingisse a fronteira e fosse iniciado o serviço combinado, em ligação com as linhas férreas dos países vizinhos, após a união dos carris daquele aos da linha do Caminho-de-ferro de Katanga (RDC).
Várias foram as opiniões, de gente responsável, quanto à localização da obra portuária, até que, obedecendo ao estudo da planta de 1920, as obras foram adjudicadas, no ano seguinte, à firma inglesa Pauling & Company, iniciadas de imediato e terminadas em 31 de Janeiro de 1928.
Houve a necessidade de orientação diferente das obras por motivo da urgência na sua conclusão, em face da convenção luso-belga (Convenção Luso-Belga para o Estabelecimento de Comunicações entre Angola e o Congo, actual RDC, de 9 de Abril de 1918).
Hoje, a esperança de crescimento para o Lobito está depositada no conjunto de investimentos públicos em duas infra-estruturas estratégicas, nomeadamente o Porto Comercial do Lobito e CFB, tidos como um dos principais pilares de desenvolvimento de Angola.
A circulação ferroviária do Lobito (km 0) ao Luau (Moxico), numa extensão de 1.344 quilómetros, reiniciada em 2013, constitui o ponto alto da reabilitação e modernização do CFB, que havia arrancado em 2.006, sob responsabilidade dos chineses da CR-20.
Do lado da Zâmbia e Congo Democrático, há a necessidade de recuperação das respectivas vias-férreas, para o reinício do transporte de minério.
O Governo zambiano, por exemplo, precisa de construir 300 quilómetros de linha ferroviária que vai ligar à fronteira de Angola, no Luau, onde se conecta ao CFB.