Menongue – A implementação da Lei nº 14/24, de 5 de Setembro, que aprova a nova Divisão Político-Administrativa (DPA), constituiu-se num marco histórico para o desenvolvimento multifacetado da região do Cuando, uma das mais fustigadas pelo conflito armado que durou 27 anos no país.
Por Maurício Sequesseque Mangala, Jornalista da ANGOP
A Lei propiciou o nascimento de uma nova unidade territorial, a província do Cuando, fruto do desmembramento da do Cuando Cubango, e que passa a contar com nove municípios, designadamente Mavinga (capital), Cuito Cuanavale, Dima, Luengue, Dirico, Mucusso, Rivungo, Xipundo e Luiana.
O Cuando torna-se na segunda maior província de Angola, depois do Moxico, com uma extensão territorial de 128 mil quilómetros quadrados e, paradoxalmente, a menos populosa.
A sua população está estimada em 116 mil 204 habitantes, de acordo com os dados do Censo Geral da População e Habitação de 2014, números que vão ser alterados depois da divulgação dos dados definitivos do Censo 2024.
Do ponto de vista do rácio espaço territorial/população (128.000/116.204), a província tem uma densidade populacional de uma pessoa por quilómetro quadrado com uma enorme dispersão, sendo comum percorrer enormes distâncias sem se encontrar aldeias ou pessoas.
Com a entrada em vigor da nova DPA e a consequente nomeação, pela primeira vez, de um governador para "comandar a máquina política e administrativa" da região, vislumbra-se no horizonte uma região com distâncias mais reduzidas, maior autonomia territorial e administrativa, com o foco na tomada de decisões e execução de projectos que concorram para o bem-estar das populações e abrem-se caminhos para o desenvolvimento.
Os desafios são sobejamente conhecidos e passam pela abertura de estradas tanto terraplenadas como asfaltadas, pois, actualmente as viagens são realizadas exclusivamente por viaturas todo-o-terreno ou camiões.
Por exemplo, do município do Cuito Cuanavale para Mavinga, num percurso de 200 quilómetros, a viagem é feita em 15 horas, ao passo que, caso fosse terraplenada, calcula-se que seria em cerca de cinco horas, e, se asfaltada, o percurso compreenderia apenas duas ou três horas.
Viajar pela província do Cuando a dentro ainda afigura-se como um verdadeiro acto de resiliência e muita experiência ao volante, pois, para além da falta de estradas, o terreno é extremamente quente e arenoso.
Até ao momento, o Cuando lidera as denominadas zonas de difícil acesso, portanto, recônditas.
Os serviços de comunicação em rede e em satélite não funcionam, tal como os sinais repetidores de rádio, televisão e outros meios modernos de comunicação.
Santuário da biodiversidade à espera de investimentos
A província do Cuando representa um verdadeiro santuário da biodiversidade angolana e tida como um “pulmão verde” da região leste, a julgar pela enorme extensão da flora acomodada nos Parques Nacionais Luengue/Luiana, que ocupam uma área de 22 mil 610 quilómetros quadrados.
Para lá da diversidade de plantas e animais, muitas das quais raras e em vias de extinção, na província confirma-se a presença dos cinco animais mais pesados do mundo, como são os casos de elefantes, rinocerontes, búfalos, hipopótamos e zebras.
No Cuando está representada toda a componente angolana do projecto da Área Transfronteiriça de Conservação do Okavango Zambeze (KAZA – sigla em inglês), maior projecto turístico transfronteiriço do mundo que, para além de Angola, inclui o Botswana, a Namíbia, a Zâmbia e o Zimbabwe.
O objectivo do projecto é gerir de forma sustentável o ecossistema do Kavango Zambeze, seus recursos patrimoniais e culturais, com base nos melhores modelos de conservação e turismo para o bem-estar socioeconómico das comunidades e outros intervenientes em volta da eco-região, através da harmonização de políticas, estratégias e práticas entre os Estados-membros.
Dentre os vários pontos turísticos catalogados, o destaque recai para a região do binório, no município do Luiana, bem como o ponto de confluência entre os rios Cubango e Cuito, no município do Dirico, um “hino” ao turismo pela rara beleza.
O rio Cuito, por exemplo, já foi palco de duas edições consecutivas do Concurso Internacional de Pesca Desportiva, em 2023 e 2024, nas quais grande parte dos concorrentes foram namibianos e sul-africanos. Angola teve apenas uma equipa.
Outra actividade turística e desportiva de grande impacto, nesta região, foi a primeira Edição do Raid Okavango 2024, que deixou provas claras da possibilidade do maior aproveitamento das potencialidades turísticas existentes.
Durante o evento, promovido pela Agência Nacional para o Investimento na Região Angolana do Okavango (ANAGERO), os participantes tiveram a oportunidade de passear de barco nos rios Cuito e Cubango, bem como observar e fotografar os animais da região.
Não existem dúvidas de que a região tem tudo para dar certo no concernente à transformação em riqueza e desenvolvimento de todas as potencialidades existentes. Para tal, todos os recursos em matéria de marketing, publicidade e sobretudo a abertura das vias de acesso devem estar na linha de prioridades para os diferentes actores da conhecida “indústria da paz”.
Mavinga – Potencialidades económicas e muitos desafios
O município de Mavinga, capital do Cuando, apesar de ser potencialmente rico em recursos naturais e minerais, tem pela frente uma multiplicidade de desafios que vão exigir dos seus munícipes determinação para a construção de uma vila ao nível das capitais contemporâneas.
Com uma extensão territorial de 44 mil 347 quilómetros quadrados e uma população de mais de 32 mil habitantes, segundo dados do Censo 2014, precisa de quase tudo, principalmente de infra-estruturas rodoviárias para a sua eficaz ligação e comunicação com os demais municípios e províncias do país.
De acordo com o relatório do município, a circunscrição está desprovido de infra-estruturas económicas capazes de gerar rendimento e emprego para a população, mesmo sendo considerado potencialmente rico em recursos minerais como o quartzo, ferro, diamantes, prata, mercúrio, ouro, cobre, urânio, borracha, entre outros.
De todos os recursos, segundo consta do documento, o diamante é o único que tem sido explorado, embora os seus resultados não tenham impactado na balança económica do município, pelo facto de muitos exploradores serem ilegais, vulgarmente denominados “garimpeiros”.
Relativamente ao sector primário, especificamente na área da agricultura, como atesta o relatório, o município possui terras aráveis para o cultivo de milho, mandioca, massango, batata-doce, feijão e hortaliças, cujo cultivo tem sido assegurado por associações e famílias camponesas, mas de forma muito rudimentar e dependente das chuvas.
Quanto aos recursos florestais, a municipalidade é rica em espécies como “pau-ferro”, mussivi, girassonde, mupanda e mumué, ao passo que na sua fauna são encontrados animais como a palanca real, palanca negra, elefante, hipopótamo, nguelengue, ngunga, leão, leopardo, hiena, onça, javali, crocodilo guará, porco-espinho, búfalo, canguro, nunce, mabeco, empala, avestruz, pacaça, entre outros.
Do ponto de vista do turismo, destacam-se no município, de acordo com a publicação, as quedas do rio Capembe, o parque do Tchitengue, as quedas do rio Lomba, o parque do Luengue, bem como a Missão Evangélica do Kunjamba-Dima.
Sobre o ordenamento do território e habitação, o município conta apenas com 35 habitações sociais, das quais 14 estão na sede do município, 10 no Licua e sete no Cunjamba.
Jovens aplaudem nova DPA
Sobre a implementação da nova Divisão Político-Administrativa (DPA), o académico Adriano Lucas considerou que servirá de âncora para o desenvolvimento sustentável das regiões visadas, bem como para o bem-estar das populações, pois permitirá a redução das distâncias e uma significativa aproximação dos serviços públicos.
O também secretário municipal executivo do Conselho Nacional da Juventude de Menongue, manifestou-se optimista quanto aos resultados previstos, tendo em conta os vários sectores em que vai incidir.
Salientou que, particularmente na esfera económica, a DPA vai gerar desenvolvimento nas localidades abrangidas, com maior ênfase na província do Cuando, com benefícios que vão desde a constituição da nova unidade orgânica governamental, com um orçamento a ser definido em função das preocupações, agregando capacidade não só nas famílias, como também nos agentes económicos.
No concernente à esfera social da nova DPA a jovem Margarida Calupassa opina que abre novas oportunidades de emprego para vários, num processo mais inclusivo, de forma a que todos os cidadãos se sintam parte do processo de desenvolvimento que se pretende.
No capítulo político administrativo, destacou a expansão e acção dos partidos políticos com assento no parlamento, a instalação e criação de organizações governamentais e não governamentais, quer de âmbito internacional quer local, que terão uma oportunidade de estender as suas actividades filantrópicas e não só.
Por seu turno, Mendes Lote pensa que as infra-estruturas também são um ponto de extrema importância e para maior afectação, já que para se criar uma nova província urge que se tenha as infra-estruturas primárias de apoio com os serviços sociais constituídos, como sejam estradas, edifícios de apoios ao governo e administrações municipais, escolas e universidades, para fazer-se face às assimetrias regionais.
O jovem augura pela materialização acentuada, rápida e pragmática da construção da estrada nacional que liga o município do Cuito Cuanavale à Mavinga, para diminuir as distâncias e reforçar a empregabilidade directa e indirecta, acrescentando que os indivíduos da sua geração estão expectantes e dispostas a contribuir para a materialização dos seus anseios.
Com todas as nuances apontadas, pode-se aferir que o Cuando tem tudo para começar de forma assertiva e eficaz, mediante diagnósticos adequados, auscultação detalhada dos seus munícipes, e a elaboração e implementação de planos directores. MSM/FF/ADR