Malanje – Passados 64 anos desde o Massacre da Baixa de Cassanje, sobreviventes e descendentes dos mártires deste acto de repressão colonial querem ver priorizado, este ano, o velho projecto de construção da aldeia e do memorial das vítimas, na localidade de Teka-Dia-Kinda, município do Quela, província de Malanje.
Por Pedro Calombe, Jornalista da ANGOP
O projecto em causa visa homenagear os mártires da repressão colonial, e a população continua expectante no arranque das obras do memorial e da aldeia piloto, cuja primeira pedra foi lançada, em 1979, pelo primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto.
O lançamento da primeira pedra ocorreu, na localidade de Teka-Dia-Kinda, local que acolhe o cemitério dos heróis da Baixa de Cassanje.
Mais de seis mil camponeses foram assassinados, no dia 4 de Janeiro de 1961, pela tropa colonial portuguesa, na Baixa de Cassanje, em Malanje, quando protestavam contra os preços baixos praticados pelo grupo comercial luso-belga Companhia Geral de Algodões de Angola (COTONANG) e contra os maus tratos impostos pelo regime colonialista português.
A COTONANG controlava a terra e a mão-de-obra local, implantando a coerção e castigos físicos sobre as reclamações e resistências da população local.
Esta situação foi amplamente denunciada na comunidade internacional como sendo similar à escravatura mas sob disfarce de contrato de trabalho.
Por isso, o soba grande do município do Quela, Manuel Kituxe, considera muito importante que o Executivo angolano cumpra a promessa deixada pelo Presidente Neto, uma vez que os sobreviventes e demais interessados continuam a clamar por mais dignidade e outros apoios das autoridades.
“É necessário que o Governo preste mais atenção a esse segmento, porque esse povo deu a sua vida para que Angola fosse um país livre”, disse, acrescentando que a população está desapontada e espera ver a região desenvolvida, à semelhança de outras localidades do país.
Manuel Kituxe, que na altura dos acontecimentos tinha sete anos de idade, lembrou que o projecto contemplava, para além do monumento e da aldeia piloto, um campo de futebol onze, uma biblioteca, um hospital e escolas.
Em entrevista à ANGOP por ocasião da efeméride que se assinala este sábado, e em nome dos descendentes das vítimas, Kituxe reiterou igualmente o apelo ao Governo para para que o dia 4 de Janeiro volte a ser feriado nacional.
No seu entender, tal gesto seria uma das formas mais eficazes de honrar a memória das pessoas que verteram o seu sangue de forma bárbara pela libertação de Angola.
Para o sociólogo Kongolo Miguel, não se deve recordar os heróis da repressão colonial apenas na data de celebração, mas é necessário que se fale com frequência sobre o papel que esses camponeses jogaram, nas escolas e nas comunidades, por forma a elucidar a nova geração.
Por outro lado, disse sentir-se entristecido pelo facto de, até ao momento, nada ter sido feito para homenagear aquele povo, mesmo quando se sabe a construção do memorial prometido iria também alavancar o turismo e país sairia a ganhar com a atracção de turistas de vários pontos do mundo.
Por seu turno, o administrador municipal do Quela, Aguiar Kitumba, fez saber, sem avançar mais detalhes, que, em 2024, o Ministério da Cultura enviou para a localidade de Teka-Dia- Kinda uma empresa chinesa que ficou encarregada da construção do monumento aos heróis da Baixa de Cassanje.
Tranquilizou que a população do Quela “não está esquecida”, tendo em conta que o município vai beneficiar, este ano, de obras diversas em áreas como educação, saúde, energia e águas e a agricultura, bem como asfaltagem da estrada principal e da vila, no âmbito dos 400 quilómetros de estradas aprovados pelo Executivo, para a província de Malanje.
Já o delegado provincial dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, Ananias Gomes, sublinhou estar em curso um trabalho de identificação de mais sobreviventes do massacre, para que estes possam dar o seu testemunho e ajudar a contar a história daquele acto hediondo.
Frisou que o massacre do 4 Janeiro teve um forte impacto na vida dos angolanos, pois a então colónia portuguesa passou a viver de forma diferente na relação entre colonizados e colonizadores, e a região da Baixa de Cassanje sofreu um enorme decréscimo da sua população.
Acto central acontece em Malanje
O município de Kiwaba Nzoji, 85 quilómetros a nordeste da cidade de Malanje, que integra a Baixa de Cassanje, acolhe este sábado o acto central alusivo à celebração do 4 de Janeiro, Dia dos Heróis da Repressão Colonial.
A data marcou o ponto de viragem da história de Angola, rumo à Independência Nacional de 11 de Novembro de 1975 e à paz efectiva alcançada a 4 de Abril de 2002, abrindo um novo capítulo de esperanças para o povo angolano.
Foi um acto que desencadeou o rastilho que conduziu os angolanos até à conquista da liberdade, sendo que os bravos homens lutaram com coragem e determinação, para que Angola hoje se tornasse independente das garras do colono português.
A revolta foi um laboratório em que se construíram as fórmulas que estiveram na base da expulsão do colonialismo do solo pátrio e, por isso mesmo, a juventude angolana, sem descriminação política partidária, religiosa, racial e ou de sexo, é chamada a seguir orgulhosamente o exemplo dos heróis, para juntos trilharem o caminho do desenvolvimento.
A decorrer sob o lema "Angola 50 anos: Preservar e valorizar as conquistas alcançadas, construindo um futuro melhor", o acto será presidido pelo secretário de Estado para os Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, Domingos André Tchicanha.
Produção de algodão na Baixa de Cassanje
Na década de 70, Angola era o quarto maior produtor de algodão do mundo, com uma cifra de 86 mil toneladas/ano.
A produção do algodão era feita na região da Baixa de Cassanje, que congrega os municípios de Marimba, Cunda-dya-Baze, Quela, Cahombo e Kiwaba Nzoji, dispondo de uma área reservada de 250 mil hectares para o cultivo do ouro branco.
Em 2022, após várias décadas de interrupção, o município de Cunda-dya-Baze voltou a produzir os primeiros 50 hectares de algodão.
O arranque do cultivo dessa matéria-prima na região enquadra-se na estratégia do Executivo angolano de relançamento das três indústrias têxteis de grandes capacidades do país, localizadas nas províncias de Luanda Cuanza-Norte e Benguela, e reduzir a sua importação.
A empresa privada Investimentos e Participações (IEP), proprietária da indústria Textang II e responsável pela produção do algodão na região, assumiu a compra de toda a colheita.
Na altura do relançamento da produção, alguns produtores ouvidos pela ANGOP foram unânimes em afirmar que vão “com todas as forças” voltar a aceitar a aposta e, com essa iniciativa do Governo, honrar a memória dos heróis da Baixa de Cassanje que se bateram pela melhoria das condições de vida da população.
De túmulo dos heróis a ponto histórico-cultural O Governo Provincial de Malanje manifestou a intenção de transformar o cemitério dos heróis da Baixa de Cassanje num verdadeiro ponto histórico-cultural e de atração turística para atrair turistas nacionais e estrangeiros, com vista ao desenvolvimento integral.
A concretização desse desiderato passa inicialmente pela construção de estradas de acesso ao local e pela extensão da rede eléctrica de modo a conferir melhor qualidade de vida aos cidadãos da Baixa de Cassanje, que compreende seis municípios.
“Precisamos de dar um valor acrescentado ao cemitério, por ser um sítio onde estão sepultados muitos daqueles que deram lugar ao 4 de Fevereiro até à Independência Nacional”, disse o governador provincial, Marcos Nhunga, durante uma visita ao local.
Frisou que o 4 de Janeiro constitui um marco incontornável da história do país, pois impulsionou a luta pela Independência Nacional, daí a necessidade do engajamento comum em prol da sua valorização e preservação.
No cemitério situado na localidade de Teka-dia-Kinda, município do Quela, jazem milhares de camponeses massacrados por militares portugueses, por exigirem a abolição do trabalho forçado e remuneração justa pela compra do algodão. PBC/IZ