Luanda – Apesar da sua apertada agenda interna e da pressão dos esforços de diplomacia económica, o Presidente João Lourenço manteve-se, ao longo do ano findo, atento aos conflitos político-militares que o continente africano e outras partes do globo enfrentam actualmente.
Por António Tavares, jornalista da ANGOP
Na região dos Grandes Lagos, por exemplo, o estadista angolano desdobrou-se incansavelmente em busca da paz no Leste da RDC, no quadro da implementação do chamado “Processo de Luanda”, e seguiu atentamente a crise no Sudão.
Esta postura fez de Angola um “player” válido e indispensável em matéria de resolução de conflitos na região, com maior destaque na cruzada pela normalização das relações político-diplomáticas entre a República Democrática do Congo (RDC) e o vizinho Rwanda.
O empenho do Chefe de Estado angolano não passou despercebido aos olhos da comunidade internacional que em várias ocasiões e por canais diversos manifestou publicamente o seu reconhecimento e encorajou-o a prosseguir nas suas diligências de pacificação no continente.
Muito recentemente, as Nações Unidas, através do seu Conselho de Segurança, renovaram o seu “apoio inabalável” à mediação de Angola na crise político-diplomática entre a RDC e o Rwanda, dois países da região dos Grandes Lagos.
Numa resolução adoptada em finais de Dezembro passado para prorrogar o mandato da Missão de Estabilização da ONU na RDC (MONUSCO), por mais um ano, o Conselho elogia “papel construtivo”de João Lourenço como mediador regional e convida as autoridades da RDC e do Rwanda a colaborar plenamente e respeitar o Processo de Luanda.
Mais concretamente, o Conselho de Segurança da ONU apelou para a remarcação da cimeira tripartida entre Angola, RDC e Rwanda, inicialmente agendada para 15 de Dezembro do ano passado, antes de ser adiada a pedido deste último.
João Lourenço foi designado Campeão para a Paz e Reconciliação em África pela UniãoAfricana (UA), desde 2022, e lidera as negociações para uma solução pacífica e duradoura no Leste da RDC, região afectada por décadas de conflito.
Neste caso específico, a sua intervenção é feita igualmente no quadro do mandato de mediação que lhe foi conferido também pela UA, uma tarefa que, todavia, se tem revelado desafiadora pela complexidade do conflito que envolve variados interesses endógenos e exógenos.
Vários factores contribuem para as dificuldades enfrentadas, mas o Presidente angolano, que se prepara para presidir à UA, este ano, tem insistido na promoção do diálogo entre a RDC e o Rwanda como a melhor via para se alcançar a paz.
A região dos Grandes Lagos tem uma longa história de conflitos, com tensões decorrentes de legados coloniais, divisões étnicas e reivindicações sobre recursos naturais, um cenário que deixou uma base frágil sobre a qual se tem construído as iniciativas de paz.
Entre as várias iniciativas encetadas pelo Presidente angolano, destacam-se os encontros que manteve, em Luanda, com os homólogos da RDC, Félix Tshisekedi, e do Rwanda, Paul Kagame, em Fevereiro e Março de 2024, respectivamente.
Os resultados dessas reuniões permitiram retomar, em Março, o Roteiro de Paz de Luanda acordado entre a RDC e o Rwanda, que incluiu o cessar das hostilidades, o desarmamento dos rebeldes do M23 e o estabelecimento da confiança para a restauração da paz no Leste congolês.
Estes esforços de mediação resultaram num marco importante do processo de pacificação do Leste da RDC, com a assinatura, em Luanda, de um acordo de cessar-fogo, a 30 de Julho, para entrar em vigor, a 4 de Agosto de 2024.
As Nações Unidas, a União Europeia, França, Bélgica, Portugal e Estados Unidos, entre outros actores internacionais, saudaram o anúncio do cessar-fogo entre a RDC e o Rwanda e felicitaram o Presidente da República pela “paciente” busca pelo diálogo para o alcance da paz.
Na sequência do acordo de cessar-fogo, João Lourenço manteve um novo encontro com Paul Kagame, para abordar o assunto, à margem da investidura deste último, para mais um mandato na liderança do Rwanda.
No seu discurso de posse, Paul Kagame elogiou o “magnífico trabalho reconciliador” do Presidente João Lourenço, que conduziu à assinatura do acordo de cessar-fogo sobre a RDC.
No dia seguinte, o Chefe de Estado angolano deslocou-se à RDC para, com o mesmo propósito, reunir-se com o Presidente Félix Tshisekedi.
Em ambas as ocasiões, João Lourenço apresentou às partes no conflito uma proposta concreta de acordo de paz definitiva que tem sido analisada nas sucessivas reuniões ministeriais que ocorrem em Luanda, que já vão na sua sétima sessão.
Segundo o ministro angolano das Relações Exteriores, Téte António, o projecto de acordo para o alcance da paz definitiva no Leste da RDC, apresentado por Angola, já foi negociado a 99%.
Após os contactos mantidos com os seus homólogos da RDC e do Rwanda, o Chefe de Estado angolano colocou sobre a mesa um projecto de acordo para as partes negociarem e tem havido entendimentos sobre questões-chave como o desengajamento das forças rwandesas e a neutralização das Forças Democráticas para a Libertação do Rwanda (FDLR), disse Téte António.
Acrescentou que a questão do grupo M23 tem sido objecto de divergências entre as partes (RDC e Rwanda).
A cimeira tripartida inicialmente agendada para 15 de Dezembro de 2024, em Luanda, devia selar a conclusão das negociações, sobre o projecto de acordo proposto por João Lourenço, na sua qualidade de facilitador do processo de paz.
Com o seu adiamento, o estadista angolano manteve, em Luanda, encontros de consultas com o Presidente Félix Tshisekedi e com o ex-Presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta, facilitador designado pela Comunidade dos Estados da África Oriental, para avaliar cenários capazes de fazer avançar oprocesso para a assinatura doAcordo de Paz Definitiva.
No dia 18 de Dezembro, em mais uma investida para a paz na região, enviou uma carta o Presidente Kagame, de que foi portador o ministro das Relações Exteriores, Téte António, que viajou até Kigali expressamente com este objectivo.
Sudão
Angola continua também bastante preocupada com o agravamento da crise humanitária no Sudão, decorrente da intensificação da guerra neste país, iniciada a 15 de Abril de 2022, registandoactualmente milhões de refugiados e deslocados que necessitam de assistência urgente.
Em Agosto de 2024, o Chefe de Estado, João Lourenço, recebeu, o presidente do Conselho Soberano de Transição do Sudão, Abdel Fattah Burhan, com quem abordou o reforço das relações a nível bilateral e multilateral.
Antes da deslocação Burhan a Luanda, os dois líderes já tinham mantido uma conversa telefónica, em Maio, em que abordaram a situação prevalecente naquele país da Região dos Grandes Lagos, que já fez milhares de vítimas mortais ea destruição em larga escala de infra-estruturas.
João Lourenço encorajou as partes desavindas a avançarem para um cessar-fogo, defendendo o diálogo como a única via para a resolução de conflitos.
Preocupado com a situação, o Campeão da Paz da UA já elegeu a situação sudanesa para o "topo das prioridades" da sua agenda quando assumir a presidência desta organização continental, em Fevereiro deste ano.
João Lourenço considera urgente "pôr fim aos combates, alcançar-se um cessar-fogo e negociar-se uma paz que seja definitiva”, permitindo o "regresso do grande número de sudaneses que, neste momento, estão na condição de refugiados nos países vizinhos”.
No quadro deste conflito, o Chefe de Estado angolano foi designadopela UA, em Junho do ano passado, membro do Comité Presidencial Ad-Hoc para a República do Sudão, em representação da África Austral.
A missão principal do Comité, criado pela UA, no dia 21 de Junho de 2024, durante uma reunião do Conselho de Paz e Segurança da UA, a nível de chefes de Estado e de Governo, é a procura de soluções para o conflito no Sudão.
É integrado igualmente pelos chefes de Estado do Egipto (Região Norte), do Uganda (Leste), da Guiné Equatorial (Centro) e da Nigéria (Ocidental).
Conflitos pelo mundo
Durante o ano transacto, o Presidente da República vincou, nos seus discursos, a posição de Angola em relação aos conflitos russo-ucraniano, israelo-palestino e na Síria.
Invariavelmente, João Lourenço afirmou que o mundo não pode ficar indiferente à situação explosiva que se regista no Médio Oriente, onde os acontecimentos de Gaza e os que mais recentemente ocorreram na Síria colocam à comunidade internacional preocupações muito sérias.
Manifestou a sua inquietação com a imprevisibilidade do que poderá ocorrer nos próximos tempos na região que, sendo já de si explosiva e conturbada, poderá desencadear uma instabilidade sem precedentes à escala global.
Por isso, reafirmou ser fundamental que nenhum dos grandes actores presentes na Síria e nos países vizinhos procure obter vantagens políticas, militares e outras da tragédia que afecta o povo sírio.
No discurso proferido na 79.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, o estadista disse que a guerra da Rússia contra a Ucrânia tem abalado de forma séria e profunda a estabilidade e a segurança na Europa, com fortes reflexos no resto do mundo no que se refere à estabilidade económica e à segurança alimentar e energética.
“Temos assistido a um contínuo recrudescimento deste conflito que vem escalando de forma inquietante, com efeitos devastadores sobre a situação interna dos países contendores, pela utilização de armamento cada vez mais letal, sem que isto prenuncie uma perspectiva de solução para este intrincado problema”, afirmou.
Disse que, apesar de estarem a ser empregues meios militares e outros cada vez mais sofisticados no teatro das operações, não se vislumbra nenhuma vitória militar nessa guerra com tendência de se alastrar para o resto da Europa se não se encontrar uma solução negociada.
Para o estadista angolano a solução deve assentar-se na observância dos princípios das Nações Unidas, que salvaguardem a soberania dos Estados, a indivisibilidade e a integridade territorial dos países.ART/IZ