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Luau - “Porta” do CFB para Índico e Atlântico celebra 68 anos

Estação do Luau
Estação do Luau
kinda kyungu - Angop

Luau – O município do Luau, província do Moxico, é uma importante região angolana que liga os oceanos Atlântico e Índico, por ser a “porta” de entrada desse “corredor” internacional transatlântico, ao albergar a última estação do CFB (Caminho-de-Ferro) de Benguela), de mil e 344 quilómetros de traçado.

Por Isalvina Upite, Jornalista da ANGOP

Construído a partir de 1902, o CFB se inicia na cidade do Lobito, província de Benguela, no extremo oriente ao ocidente de Angola, atravessando a região sul, centro ao leste do país, ligando-se à Sociedade Nacional do Caminho-de-Ferro do Congo (SNCC).

Do Luau, segunda maior economia do Moxico que ascendeu à categoria de vila (Teixeira de Sousa) a 28 de Agosto de 1956, pode se chegar à República Democrática do Congo (RDC), e, daí, à Zâmbia, Tanzânia, Moçambique (ligando ao oceano Índico) ou à África do Sul.  

Na sua emblemática estação ferroviária, arquitetonicamente ímpar e bem conseguida, se comparado com, pelo menos, as 66 construídas do Luena, capital provincial, ao Luau, já hospedou turistas americanos, brasileiros, sul-africanos, zambianos, zimbabweanos, alemães, que escalam a região, com frequência, pelo comboio Rovos Rail, tendo o mais recente ocorrido a 27 de Julho último.  

Como surgiu Luau?

Luau tem origem com a instalação nesta região do grupo étnico Tchokwe, do reino Lunda, oriundo do nordeste de Angola, sudoeste da República Democrática do Congo e noroeste da Zâmbia.

A instalação dos tchokwes foi em consequência da procura de melhores condições de vida, por volta dos séculos XVI e XVII, na altura, área livre para habitação dos povos primitivos que foram dando lugar aos semi-primitivos.

A abundância da madeira foi outra finalidade para a fixação dos tchokwes, que depois apareceram os Minungos (subgrupo étnico cokwe) e os Luvales.

Apesar das riquezas naturais, a fome persistia, razão que os levava ao Congo Belga (actual RDC), a trocar o cogumelo, peixe e carne de caça, por farinha do bombó e mangas.

Este povo bantu, oriundo de uma velha cultura de caçadores savânicos, é essencialmente de agricultores, com uma economia agrícola simples e familiar, além do regime comunitário, de onde se extraía o suficiente para o sustento e para satisfazer a obrigação social.

A região é banhada pelo rio Luau, cujo nome viria apelidar o município, após a independência nacional, proclamada a 11 de Novembro de 1975.

O rio desagua no distrito do Dílolo, município de Cassaje, província de Katanga, na RD Congo.

Com a chegada dos portugueses, houve um acordo com os belgas, que colonizaram os congoleses, para delimitar as fronteiras, daí que o rio Luau diste 12 quilómetros a leste da vila e passasse a ser a principal divisão fronteiriça entre Angola e a RDC.

Luau na voz de um autóctone

O soba Saifuca Tchicamaringa Caianda, de 84 anos de idade, contou, em exclusivo à ANGOP, há alguns anos, que os portugueses foram os principais unificadores da diversidade dos subgrupos étnicos cokwes (Copochi, Caita, Muambumba, Cawawa, Calombo, Cafumbata, Mixide, entre outros) que viviam espalhados em aldeias, com casas de pau-a-pique.

Antes de fazerem um pacto ou memorando para exploração desta que é considerada a segunda economia do Moxico, já que a população local possuía noções sobre saneamento básico e conhecimentos da tecnologia siderúrgica, os portugueses passaram a aglomerar os povos.

Após a organização administrativa e delimitação territorial, já nos finais do século XVIII e princípios do XIX, a região passou a chamar-se vila Teixeira de Sousa, em homenagem ao primeiro português que chegou à localidade, com propósito de descobrir caminhos para levar o Caminho-de-Ferro de Benguela a Lumbumbashi, capital económica de Katanga (RDC).

E os mitos?

Os povos tchokwe e luvale, os primeiros a habitar o Luau, sempre pugnaram pela diversidade cultural, mais evidenciada por exemplo ao contrair matrimónio, que era uma obrigação a ser feita entre os habitantes da mesma linguagem étnica.

Segundo o soba Saifuca Tchicamaringa Caianda, alfaiate de profissão na era colonial e natural da vila do Luau, o incumprimento destes pressupostos tradicionais, no que ao matrimónio diz respeito, podia causar em certos casos conflitos familiares até a morte de um dos membros das famílias.

Apesar de serem todos tchokwes, disse que as contradiçoes e rivalidades existentes no passado constituíam motivos de conflitos.

 "Os laços históricos deviam ser preservados e consolidados, mesmo sendo de diferentes subgrupos étnicos, poderiam se manter as relações sócio-culturais e interpessoais, sem avançar à constituição de nubentes", explicou.

Sublinhou que o regime matrimonial tchokwe é a monogamia que coexistia com a poligamia reservada aos chefes políticos e aos indivíduos com influência social.

Referiu que a extinção natural dos “mwananganas” (significa em português líder) e os dirigentes políticos que formavam uma classe aristocrática das ciências, da sabedoria e das tecnologias (ferreiros, ervanários, mágicos, caçadores, guerreiros, entre outros) aculturaram os hábitos tradicionais dos ancestrais pela "desobediência" e falta de seguimento dos herdeiros e sucessores.

A aglomeração da diversidade etnolinguística no Luau teve ênfase com o início da circulação do comboio até a vila, antes da independência do país, que transportava para esta região mais a leste de Angola o povo umbundo, kwanhama, entre outros, com intuito das trocas comerciais, confinadas em bananas e cereais.

Missolo – tradição aculturada

Reza a história que Luau possuía mitos e traços culturais características da região e do povo tchokwe, que reforçava o legítimo e autónomo poder tradicional, nomeadamente o sobrenatural ou divino para disciplinar e governar.

De acordo com o soba Caianda, que acompanhou a evolução da vila, o Missolo era a magia mais temível da época, implantada há séculos pelos ancestrais, que mantinham a cultura viva e a identidade dos tchokwes.

O Missolo confinava-se num lago, nos arredores da vila, e manifestava-se com a saída permanente do nevoeiro e, em simultâneo, ouvia-se um som de batuque, a partir do meio da tarde.

Para que se mantivesse viva a tradição e evitasse que a lagoa pudesse secar mesmo na época de cacimbo, o soba não podia se alimentar do funge ou pirão, conhecido em cokwe como “xima”, ao pôr do sol, nem tão pouco entrar com lenhas cumpridas na vila de regresso das lavras. E a mandioca, depois de transformada em bombó no rio, o processo de secagem acontecia fora das aldeias.

As mulheres no período menstrual não podiam dormir no interior das aldeias. Conta-se que deviam passar noites nas lavras e áreas muito distantes das aldeias, sob pena de pôr em risco a fertilidade.

A autoridade tradicional argumentou que houve uma "má passagem de testemunho" dos poderes tradicionais para os sucessores da geração seguinte (regedores e sobas), pois os actuais não deram seguimento aos traços culturais deste povo residente no Luau, aculturando os tchokwes e, provavelmente, de acordo com a fonte, tenha sido motivo de várias doenças.

 "Deixa-me triste e preocupado ao mesmo tempo com o futuro das novas gerações", observou.

Mahamba – A religião autóctone  

Segundo a história de Angola, antes dos portugueses chegarem ao Luau, o povo tchokwe adorava os seus antepassados, com evocação dos seus espíritos, práticas feitas até hoje, conhecida como “Mahamba”.

E possui uma elevada crença ao feitiço que considera dado da realidade material e espiritual, no qual, para este povo, todo mal ou doença e toda morte tem o feitiço como causa.

Por outro lado, o povo tchokwe, há anos, tinha a “mukanda”, circuncisão em português e a incisão feminina, como o lugar que assegurava a educação, tanto dos rapazes quanto das meninas, na fase da puberdade, o que permitia a inserção na sociedade.

Alguns conservadores de hábitos e costumes da cultura do povo tchokwe defendem a mukanda e a incisão como a melhor forma de treinamento e preparação do adolescente para encarar com responsabilidade a fase juvenil.

De Teixeira de Soua à Luau

Até antes da Independência Nacional, proclamada a 11 de Novembro de 1975, a região chama-se Vila Teixeira de Sousa, desde 29 de Agosto 1956, em homenagem ao primeiro português a atingir a localidade durante uma expedição científica que culminaria com a exploração de engenharia e topográfica para se estender o CFB.  

Com uma área de 3.839 quilómetros quadrados, o município do Luau limita-se ao Norte com a província da Lunda Sul, ao Sul e Oeste com o município de Luacano, e a Leste com a República Democrática do Congo (RDC).

Posiciona-se como um ponto estratégico de integração regional e internacional, carregando consigo uma rica herança cultural, onde a língua Cokwe predomina. 

Luau é composto atualmente por cinco setores, 17 bairros, 18 povoações e 33 aldeias, uma população estimada em 107 mil 24 segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), que vive em três mil 839 Km2. ISAU/YD/ADR





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