Menongue – O projecto da Área Transfronteiriça de Conservação do Okavango Zambeze (KAZA), que cruza quatro Estados africanos, incluindo Angola, tem tudo para se tornar, a médio prazo, num dos maiores do mundo, em termos de potencial turístico.
Por Maurício Sequesseque/Diogo Fernandes/Adriano Chisselele, jornalistas da ANGOP
Trata-se de um espaço que congrega objectivos estratégicos relacionados com a conservação da biodiversidade e da vida selvagem de Angola, do Botswana, Zimbabwe, da Namíbia e Zâmbia, cujas infra-estruturas de suporte se encontram em fase de construção.
No caso de Angola, será implementado na província do Cuando Cubango, especificamente nos municípios de Dirico, Rivungo, Cuito Cuanavale, Mavinga e Nankova, onde ainda se registam constrangimentos, com destaque para a falta de acessos ou vias de ligação.
A KAZA, com uma área de 90 mil quilómetros quadrados, desenvolve acções no âmbito do ecoturismo, visando propiciar o desenvolvimento do turismo regional, pelo que exige uma série de infra-estruturas integradas, como, por exemplo, estradas.
O projecto carece ainda de instalação de infra-estruturas hoteleiras, como é o caso de Lodges, parques de campismos e estruturas de fornecimento logístico, como rede de abastecimento de combustíveis e lubrificantes, saúde, banca, seguro e transportes.
De acordo com especialistas, só com isso haverá um desenvolvimento fluído do turismo.
Segundo o director-geral do Pólo de Desenvolvimento Turístico da Bacia do Okavango, João Baptista Gime, neste momento, a falta de acessos constitui uma das principais barreiras para a dinamização de programas turísticos do lado de Angola.
Conforme o gestor, necessita-se de quase tudo, desde a abertura das vias de acessos aos pontos de travessia, para que os investidores e intervenientes venham legalizar-se no país.
Outra preocupação, de acordo com a fonte, tem a ver com as questões migratórias e fronteiriças, sendo que, quer os investidores, quer os turistas que viajam de países vizinhos, não podem entrar, por falta de situação migratória formalizada.
Enquanto não houver autoridades migratórias no terreno, a fronteira continuará fechada, pelo que João Baptista Gime sugere a reestruturação dos postos fronteiriços oficiais.
Esse trabalho, propôs, deve ser feito com base nos levantamentos já realizados para colocar em pleno funcionamento a Administração Geral Tributária (AGT), Serviço de Migração e Estrangeiro (SMS), Polícia de Guarda Fronteira (PGS), Polícia Fiscal e Ordem Pública.
Os referidos pontos fronteiriços, precisou, são o bico de Angola (região fronteiriça com a República da Zâmbia), Bwabwata, Mucusso e Dirico (região fronteiriça com a Namíbia).
Estes são os pontos de travessia oficial para que, do ponto de vista estatístico e migratório, os turistas possam ser contabilizados e receber os vistos, além de terem os passaportes carimbados pelas autoridades migratórias e as viaturas legalizadas.
Segundo João Gime, caso a situação se resolva, haverá avalanche de turistas. “A fronteira no bico de Angola com o Bwabwata e Mucusso dá entrada à área do KAZA. A entrada para o Dirico dá logo à sede do Polo de Desenvolvimento Turístico da Bacia do Okavango. É nesta perspectiva que todos os interessados querem saber como entrar legalmente”, afirma.
Na sua previsão, tão logo as fronteiras funcionem regularmente, Angola poderá receber visitas de mais de 500 turistas ao ano, no âmbito do projecto KAZA.
Da parte da Namíbia, Botswana, Zâmbia e Zimbabwe, a situação turística funciona normalmente e tem servido de fonte de receitas para os seus orçamentos.
Apesar das dificuldades ainda registadas, o director-geral do Pólo de Desenvolvimento Turístico da Bacia do Okavango apontou o ano de 2023 como ponto de viragem na implementação de infra-estruturas que vão assegurar o desenvolvimento do projecto.
“Em 2023 é possível e estamos a contar com o apoio do Presidente da República, que já anunciou a todos que o turismo está aberto em Angola. Podemos trabalhar para que as condições sejam criadas, a fim de recebermos os turistas que vêm de outras regiões”, diz.
Com vista a materializar o propósito do Chefe de Estado, uma equipa da Casa Militar da Presidência da República trabalha na melhoria da estrada que liga Menongue, capital do Cuando Cubango, à componente angolana do KAZA, mormente no Licua/Mavinga e Rivungo, para facilitar a mobilidade e fazer fluir o turismo.
Quanto ao Pólo Turístico da Bacia do Okavango, adjacente ao projecto, João Baptista Gime lembrou que já foram feitos os estudos necessários para facilitar a indicação aos potenciais investidores dos locais apropriados para a alocação e instalação dos seus empreendimentos.
Segundo a fonte, a via que liga Menongue ao Cuito Cuanavale/Cuito Cuanavale /Mavinga e Mavinga/Rivungo, uma vez concluída, terá impacto de extrema importância.
Antevé que isso venha a permitir a chegada de muitos visitantes ao Memorial à Batalha do Cuito Cuanavale, um empreendimento de grande relevância histórica e cultural.
A estrada melhorada vai permitir fluidez no acesso aos parques nacionais do Luengue/Luiana/Mavinga e facilitar a chegada às regiões de Mucusso, Bwabwata e Bico de Angola, pontos essenciais para receber turistas provenientes de países vizinhos.
Potencial do KAZA
O espaço do KAZA, em Angola, tem um clima invejável, rios limpos e navegáveis, fauna e flora em condições, sendo que a mão humana ainda não mexeu em praticamente nada.
“Temos tudo e o turista fica encantado com as condições naturais da região, que apresenta condições invejáveis, porque tudo está no seu estado natural”, sublinhou João Gime.
Questionado sobre a existência de quantidade suficiente de fauna e de flora para atrair os turistas, disse existir em abundância e em condições de ser utilizada para o turismo.
Nos parques nacionais, precisou, estão a ser criadas as condições para a protecção da fauna, delimitando corredores próprios para o turismo. De acordo com o entrevistado, existe uma diversidade de animais, como a palanca real e a castanha, o elefante, o leão, o búfalo, a girafa e a zebra.
Acrescentou que os rinocerontes e as avestruzes podem ser observados em toda a trajetória da região. Na área da flora, destacou a existência de vários tipos de plantas, como o mussivi, girassonde, mucussi e outras.
O responsável reafirma que a província do Cuando Cubango está aberta a receber todos os investidores que estejam interessados a trabalhar, havendo já um considerável avanço na disponibilização das telecomunicações para facilitar a comunicação na zona do KAZA.
Sobre os tipos de turismo a serem desenvolvidos na região, destacou o ecoturismo, campismo, observação de animais e viagem fluvial, fruto dos grandes rios como o cuando, cubango e o cuito, em cujas águas se pode fazer cruzeiros e negócios que geram receitas.
Para o responsável, a arrecadação de receitas será muito alta e poderá contribuir significativamente para o processo de diversificação da economia angolana, sendo, para tal, necessário instalarem-se naquelas localidades bancos comerciais, para trabalharem com divisas.
Neste momento, na região da KAZA só têm bancos namibianos, sendo que, do lado de Angola, somente tem a Agência do Banco de Poupança e Crédito, no município do Calai.
João Gime defende que a referida agência não é suficiente e não tem capacidade para corresponder às expectativas, já que, quando se trabalha com divisas, deve haver casas de câmbio oficiais, ainda que instaladas em unidades móveis.
Projecto pode gerar mais de mil e 500 empregos directos
De acordo com o director-geral do Pólo de Desenvolvimento Turístico da Bacia do Okavango, João Baptista Gime, uma vez concluído o projecto, poderão ser gerados mil e 500 empregos directos e três mil indirectos.
Quanto aos guias turísticos, diz estarem a trabalhar para o efeito, com a previsão de, numa primeira fase, serem formados 100 jovens, distribuídos por diferentes áreas, como Dirico, Luengue, Luiana e Mucusso.
“Sem estes profissionais, estaremos parados. Estamos a garantir que os empregos estarão à disposição, tão logo o processo arranque seriamente. Logo que as fronteiras estejam a funcionar formalmente, teremos as estruturas para a recepção de empreendedores e investidores que vão admitir os empregados e ajudar a combater a pobreza”, sublinhou.
Conforme a fonte, o turismo cria empregos do mais baixo ao mais alto, desde serviços de lavagem de viaturas, limpeza e restauração, e exige mão-de-obra, como empregados de mesa, gestores hoteleiros, carpinteiros, electricistas, ferreiros, torneiros e todos outros segmentos necessários para ser garantida a estabilidade e o funcionamento das unidades hoteleiras.
A Associação de Conservação do Ambiente e Desenvolvimento Integrado Rural (ACADIR), parceira do KAZA na componente angolana, realizou, recentemente, um censo de vida selvagem, que culminou com a identificação e contagem de elefantes e outras espécies de grande porte no Parque Nacional Luengue/Luiana.
Eduardo Ferreira, gestor de programas e projectos da ACADIR, faz saber que em Angola o parque Luengue/Lwiana é o primeiro em que já foram realizados cinco censos, contando com o de 2022, com os quais se identificou 28 espécies por meio de observação directa.
Disse que os números sofrem variações permanentes, embora tenha havido, em 2022, um crescimento na ordem dos 70 por cento da população de elefantes e impalas.
Indica que, em 2018, não se localizou nenhum elefante, mas, em 2022, foram vistos directamente 644 elefantes, que, calculando com a dimensão do parque e com ajuda de um drone, chegou-se à conclusão da existências de mais de sete mil elefantes.
Pela primeira vez, desde a realização do censo, foram localizados 25 leões, 630 macacos, 47 girafas, seis mil zebras, quatro mil e 200 nuces e 12 leopardos.
Dezassete hienas e 17 mil e 450 búfalos foram divisados, muito mais do que os três mil búfalos vistos em 2018, os dois mil e 448 (2019), mil e 104 (2020) e cinco mil e 710 (2021). No processo do censo, foram igualmente identificadosoutros animais, entre eles o porco do mato, bambi comum, bem como as palancas pretas e castanhas.
Questionado sobre a estratégia para a identificação, disse que existe uma zona chamada “o coração do parque”, onde, em 2019, houve um projecto de abertura de rotas no seu interior.
As cinco rotas abertas facilitam o processo de contagem, que obedece a determinados métodos, como o aéreo (com drones), terrestre (viaturas), apeando e através dos pontos de observação, bem como observadores guiados por um motorista treinado e com um aparelho de GPS.
Com esses meios, os técnicos realizam a contagem e identificam os animais. Geralmente, o processo de contagem decorre das 5H00 às 9H00 da manhã e, à tarde, das 14H00 às 17H00.
Para o êxito do censo, há o envolvimento de 70 pessoas, das quais 15 técnicos da ACADIR. O recente censo envolveu os municípios do Dirico, Mavinga e Rivungo.
Comunidades instruídas sobre conservação da vida selvagem
Outro projecto está ligado ao combate aos crimes contra a vida selvagem, com o envolvimento das comunidades, que ajudam no trabalho de fiscalização e gestão dos recursos naturais.
O projecto permitiu maior envolvimento de comunidades, dando-lhes imputes e instruções da gestão dos recursos, bem como a consciencialização de que no parque existem limitações diversas, como as de abertura de novas lavras e circulação de pessoas e bens.
Foram realizados fóruns comunitários com a abordagem de questões relacionadas com a gestão da vida selvagem, diminuição de crimes da vida selvagem, o benefício de ter os animais e o resultado alcançado em outros países.
“Não se aconselha a utilização de cores branca e vermelha nos parques, porque, por exemplo, o cão do mato não gosta de roupa brilhante. A cor amarela também não é aconselhável, porque o olho do Leopardo e da Leoa não reagem bem a cores muito notórias”, explica, tendo esclarecido que “a utilização de roupas e outros adereços com as cores azul, verde e cinzento, por serem mortas, são as mais recomendáveis, porque não despertam a ira dos animais”.
A par deste projecto, tem desenvolvido outros voltados para a agricultura e conservação da vida animal, com o envolvimento de mais de 350 famílias.
Importância ambiental e turística do KAZA
Entre os aspectos mais importantes relacionados ao impacto ambiental, destaca-se o facto de a KAZA ligar 36 áreas de conservação a nível dos países membros.
Este espaço turístico tem um dos maiores recursos de água doce a nível mundial e grande parte dos seus rios são navegáveis, além de oferecerem uma diversidade única e abundante de espécies aquáticas.
A mesma alberga a maior população de elefantes a nível mundial, estimada em 250 mil e reserva várias espécies raras em vias de extinção.
O turismo representa, hoje, uma alternativa mais viável para o desenvolvimento da região, tendo em conta as receitas fiscais e tributárias, bem como o número de empregos directos e indirectos para a população, que poderá resultar da efectivação do referido projecto.
Por outro lado, o KAZA é detentor de uma série de atracções turísticas conhecidas mundialmente, com destaque para as Quedas de Victoria Falls, no Zimbabwe, O Delta do Okavango, no Botswana, o Parque de Bwabwata, na Namíbia, o parque de Kafue, na Zâmbia, assim como o Parque de Luengue-Lwiana, em Angola, na província do Cuando Cubango.
A relação de proximidade entre o KAZA e a SADC é patente, pelo facto de pertencerem, de forma natural, à mesma área geográfica, ou seja, à região austral do continente africano.
Por outra, os cinco países membros do KAZA são signatários dos instrumentos legais da SADC e partilham as suas fronteiras geográficas, ricas em recursos hídricos, vegetais, animais e turísticos.
Os estados da SADC entendem que a integração económica, através da gestão partilhada dos enormes recursos transfronteiriços, pode-se tornar no baluarte da independência económica e desenvolvimento sustentável.
Daí, o surgimento do KAZA no bloco regional da SADC, justamente para dar realce a esta imaginação, que pode, contando com a vontade e participação política dos Estados envolvidos no projecto, passar da utopia à realidade e granjear, nessa região, a tão almejada autonomia económica.
A ser concretizado por completo, o KAZA poderá ter igualmente um impacto directo, tanto no Produto Interno Bruto (PIB) de cada um dos Estados-Membros, como no Produto Nacional Bruto (PNB) deles.