Menongue – Detentora de vários recursos minerais, hídricos e florestais, a província do Cuando Cubango, segunda mais extensa de Angola, deixa, paulatinamente, o rotulo de "terras do fim do mundo".
Por Diogo Fernandes/Maurício Sequesseque/Adriano Chisselele, jornalistas da ANGOP
Entretanto, apesar dos sinais que se registam, principalmente, nos sectores social e económico, a região ainda corre contra o tempo para tornar real a sua nova designação, a de "terras do progresso".
A agricultura assume-se como uma das principais alavancas do crescimento dessa província, conhecida pelo seu passado de guerra, que condicionou o progresso durante várias décadas.
Actualmente, o Cuando Cubango aguarda por investimentos públicos e privados para florescer, particularmente, os campos agrícolas.
Com 199.049 quilómetros quadrados, a província dispõe de terras aráveis, estando, por exemplo, preparados 2.564 hectares de terra para a campanha agrícola 2022/2023.
Trata-se de um número considerado baixo, que resulta das limitações do número de camponeses, da ausência de investidores e da carência de insumos agrícolas, conforme o director provincial da Agricultura, Pecuária e Pescas, Rafael Samba.
De acordo com o interlocutor da ANGOP, a província carece de investimentos sérios no domínio da agricultura, que, neste momento, se limita à de subsistência, razão pela qual se espera pela intervenção do sector privado.
Neste sentido, o Governo provincial tem apelado aos empresários para a necessidade de investirem no campo, a fim de se impulsionar a produção e distribuição de produtos agrícolas.
Apesar de todos os constrangimentos, a produção global pode atingir 212 toneladas de produtos diversos, principalmente de batata, mandioca, milho, tomate e de arroz, este último a ser produzido maioritariamente pela Fazenda Agro-industrial do Longa, infra-estrutura que tenta reerguer-se, depois de três anos de paralisação.
À semelhança da Fazenda do Longa, o Cuando Cubango possui outro projecto de produção agrícola em grande escala, igualmente paralisado. Trata-se do Perímetro Irrigado do Missombo, criado nos anos 70, porém condenado à improdutividade.
Localizado a 16 quilómetros de Menongue, capital do Cuando Cubango, o Perímetro é, à semelhança da Fazenda Agro-industrial do Longa, um projecto de produção agrícola de grande escala. No entanto, encontra-se inactivo por questões até agora desconhecidas.
O Perímetro Irrigado foi, até aos anos 80, grande produtor de cereais, legumes e frutas, antes de ser abandonado, poucos anos depois, por cidadãos portugueses que lá viviam e trabalhavam.
Em 1999, o Governo angolano, diante do estado de abandono a que se encontrava, aplicou 12 milhões de dólares americanos, para modernizar o espaço e torná-lo produtivo.
O valor serviu para modernizar a barragem sobre o rio Cuebe, que passou de duas para 26 comportas, e construir um canal de irrigação de 6,5 quilómetros, além de uma bacia para a retenção das águas, a fim de garantir a produção anual de 80 mil toneladas de alimentos.
Apesar do investimento, a produção de alimentos em grande escala nunca chegou a concretizar-se, pela ausência de mais recursos para a aquisição, no exterior do país, de uma vasta gama de inputs agrícolas.
Segundo apurou a ANGOP, o Governo do Cuando Cubango recorreu, em 2011, à Sociedade de Desenvolvimento dos Perímetros Irrigados, para tirar o maior proveito do Perímetro Irrigado do Missombo.
Depois de feitas as primeiras culturas de milho, massango, massambala e feijão e, apesar de as colheitas terem sido razoáveis, o projecto voltou a não surtir os efeitos desejados.
Além dos 300 hectares reservados à cultura de milho, massango, massambala e feijão, a SOPIR tinha reservado 450 hectares para a criação de um pomar de laranjeiras, tangerineiras, limoeiros, mangueiras, pereiras e papaias.
O investimento global foi de cerca de 40 milhões de dólares americanos, que incluía ainda a construção de duas pocilgas, duas naves para a reprodução de aves, dois tanques banheiros, mangas de vacinação, aquisição de centenas de cabeças de gado bovino, caprino, ovino e de milhares de pintos pré-criados, bem como a instalação de dois pivôs centrais para a irrigação. A falta de mais financiamento inviabilizou, entretanto, o projecto.
Para alterar a cenário, o Governo local recorreu a um financiamento do Banco Keve, de cerca de 60 milhões de kwanzas, para um significativo número de beneficiários, a quem entregou dois hectares de terra, mas a estratégia voltou a não resultar e o perímetro irrigado ficou sem qualquer tipo de produção, situação que perdura até hoje.
Escoamento problemático
Dada a extensão da província, que possui uma das mais baixas taxas de habitantes do país, com cerca de 606.615 cidadãos, a ligação entre os municípios é percorrida em vários quilómetros, situação agravada pela ausência de um sistema de transporte devidamente orquestrado e a falta de estruturas rodoviárias organizadas entre o centro da cidade e o interior das comunidades, a principal produtora agrícola na província.
A este elemento junta-se a ausência de meios técnicos (tractores e alfaias), conforme conta o director municipal da Agricultura, Pecuária e Pesca do Cuito Cuanavale, Fernando Chamba.
"Temos dificuldades de vária ordem, principalmente falta de meios técnicos, como tractores e alfaias, bem como transporte para escoar os produtos do campo para o centro de venda", explicou.
A ANGOP deslocou-se ao município do Cuito Cuanavale, onde existem três potenciais áreas de produção agrícola, nomeadamente a sede municipal, o Longa e o Lupiri, este último considerado o principal produtor de milho da região.
Para se ter uma ideia, um camponês no Lupiri produz, anualmente, três toneladas e meia de milho, num universo de 7.875 camponeses, distribuídos por 16 cooperativas e 189 associações de camponeses.
Em termos de cereais, o Cuito Cuanavale tem investido na produção de milho, massango, massambala, feijão, macunde, feijão carioca e arroz.
Além dos cereais, o município produz hortícolas, principalmente cebola, repolho, alface e tomate, sendo que, em cada campanha agrícola, atinge perto de 50 toneladas de cebola.
Crédito agrícola precisa-se
Para aumentarem a produção, as cooperativas e associações de camponeses tentam, até onde podem, encontrar soluções de vária ordem, incluindo o crédito bancário.
No entanto, para aceder ao crédito bancário exige-se uma longa lista de documentos que envolve croquis de localização, declarações da administração local e título de concessão de terras, “pacote” que pode custar até um milhão e setecentos mil kwanzas, conforme Celestino Chimbelela, presidente da Cooperativa 4 de Fevereiro.
Segundo a fonte, melhorar o escoamento de produtos agrícolas exige apoio, principalmente dos bancos, que devem melhorar o processo de concessão de crédito. “Os agricultores têm dificuldades em reunir documentos necessários para aceder ao crédito bancário”, lamentou.
Além da questão do acesso ao crédito, outro problema está relacionado com as condições de acesso aos campos de produção, principalmente na comuna do Lupiri, Baixo Longa e algumas áreas da sede do Cuito.
A produção agrícola do Cuito Cuanavale tem como principal destino a província da Huíla, de onde segue, também, para a fronteira de Santa Clara, com a República da Namíbia, assim como o mercado de Menongue, o principal na venda de produtos agrícolas da região sul.
Os locais de acomodação dos produtos do campo não existem. Os agricultores são obrigados a guardar os produtos em locais sem as mínimas condições de preservação de produtos.
“Temos de ter silos para preservar os cereais, assim como armazéns para os produtos da horticultura. Muitas vezes, os produtos apanham chuva e estragam-se", lamentou Celestino Chimbelela.
Sendo assim, os agricultores foram obrigados a reduzir os níveis de produção, dadas as perdas, primeiro pelos constrangimentos com o escoamento dos produtos, depois pela falta de condições de acomodação dos mesmos.
Para facilitar o escoamento de produtos, o Governo provincial disponibilizou uma viatura de marca Kamaze, que serve de suporte a todos os agricultores do Cuito Cuanavale.
Fundada em 1986, a Cooperativa Martinho Cameia possui 22 agricultores, que enfrentam o dilema do escoamento da produção e a luta hercúlea no acesso a crédito bancário.
Além disso, a cooperativa é obrigada a pagar 150 mil kwanzas para transportar a produção, uma exigência que não compensa, em termos de lucros, e abre a possibilidade de os camponeses desistirem da actividade, dadas as perdas.
“Caso o Governo não interfira urgentemente, seremos obrigados a parar com a actividade, porquanto há muitas perdas”, alerta Martinho Cameia, o presidente da cooperativa.
Fazenda do Longa recupera campo de produção de arroz
Apesar das dificuldades, os agricultores do Cuando Cubango procuram investir na produção de diferentes produtos do campo, alguns deles pouco tradicionais por essas paragens.
A Fazenda do Longa, por exemplo, procura ressurgir o projecto de plantio, descasque e comercialização de arroz, paralisado há praticamente três anos.
Inaugurada em 2013, nas savanas da cidade do Cuito Cuanavale, a Fazenda Agro-industrial do Longa é um projecto agrícola de grande escala, que já tem níveis de produção de 14.800 toneladas, entre os primeiros meses de produção e o ano de 2017, ano que o mesmo paralisou.
A fazenda do Longa, criada com 100 por cento de capital do Estado, estende-se numa área de 1.500 hectares, tomados por ervas daninhas e insectos nos últimos anos.
Revestidos de poeira, tractores, charruas, silos, máquinas e maquinarias revelam, no primeiro olhar, a ausência da figura humana, num projecto que, há três anos, abria bons horizontes para a estratégia de diversificação da economia e de aumento da produção de arroz.
Ladeada por bairros, maioritariamente feitos de adobe, a Fazenda Agro-industrial do Longa está localizada na comuna com o mesmo nome, a 86 quilómetros da cidade de Menongue.
Para se chegar até lá, o percurso é de quase hora e meia (de carro). À primeira vista, os vestígios de abandono do projecto ainda são visíveis.
A nova era do arroz do Longa
Fruto de um concurso público para a alienação de várias empresas de direito angolano, a firma argentina ALCAAL-Goup assumiu, em 2017, a gestão da Fazenda Agro-industrial do Longa e tenta, há três meses, recolocar o projecto na rota da produção.
Para tal, o novo director desta estrutura agrícola, Tomás Barrosa, teve de reconfigurar o projecto, recuperar os solos e aplicar calcário e gesso, uma estratégia que visa o controlo das condições da terra de cultivo danificada durante a paralisação.
“O solo no Longa é muito arenoso, o que exige, à partida, o seu melhoramento, aplicando calcário e gesso. Esta estratégia permite melhorar o PH, a escala de medição da acidez e alcalinidade do solo. Esta acção vai permitir resultados satisfatórios”, explica.
A nova gestão da fazenda pretende medir a capacidade dos solos e das máquinas. Para tal, pouco mais de 500 toneladas de arroz, milho e feijão estão a ser cultivados.
Depois, será feita a colheita e secagem, estando reservada à terceira fase à secagem, embalagem e acomodação dos cereais em três silos de cinco mil toneladas cada.
Embora o projecto primário esteja relacionado, exclusivamente, à produção de arroz, a nova administração quer alargá-lo, para imprimir nova dinâmica de produção.
“Depois de uma avaliação profunda, notamos que a região é igualmente propensa à produção de hortícolas. Neste sentido, queremos também transformar o Longa num centro de produção e distribuição de hortícolas, nesta região e no centro do Cuito Cuanavale e Menongue”.
A nova era a que Tomás Barros se refere inclui, além do arroz, o cultivo de milho, feijão, repolho, tomate e batata-rena, um processo que implica cuidados permanentes de até 180 dias, altura oportuna para a colheita e acomodação dos produtos. Os produtos serão vendidos na cidade de Menongue e nas províncias de Luanda e da Huíla.
Para a presente campanha agrícola, a Fazenda Agro-industrial do Longa preparou oito hectares de feijão, 12 de milho e 400 de arroz, irrigados com um sistema de pivô composto por 18 máquinas de irrigação, capazes de bombear mais de 270 metros cúbicos por hora.
Dada a paralisação dos meios técnicos, durante os últimos 36 meses, a ALCAAL-Goup, a nova proprietária da Fazenda Agro-industrial do Longa, teve de investir mais de 50 milhões de kwanzas para recompor toda maquinaria, entre tractores, charruas e a máquina de processamento, secagem e empacotamento de arroz.
Força de trabalho reduzida
A fazenda do Longa, que acomodava mais de 300 trabalhadores, com níveis de produção estimados em 3.700 toneladas de arroz ao ano, tenta hoje reerguer-se com uma força de trabalho de pouco mais de 20 pessoas, entre operadores de máquinas, agrónomos, auxiliares de campo e pessoal administrativo.
A redução da mão-de-obra não terá reflexos sobre o fluxo de produção, que deve aumentar para 4.000 toneladas ao ano, segundo dados da nova administração do projecto.
Entre os novos 20 trabalhadores, a ANGOP falou com Fernando Makay, tractorista, de 28 anos, morador de Santa Cruz, um dos seis bairros da Comuna do Longa, que rasga os campos de cultivo há pouco menos de três meses, para ajuda a sustentar os seis filhos e a esposa.
O jovem trabalhador mostra-se satisfeito com os 60 mil kwanzas de salário mensal que recebe. À semelhança dele, 90 por cento da mão-de-obra da fazenda foi contratada localmente, para, segundo o director Tomás Barros, melhorar a condição social e económica do Longa.
“A nossa intenção é aumentar para 60 o número de funcionários. Assim, vamos contratar entre duas a cinco pessoas de cada uma das seis aldeias à volta do Longa”, promete.
Longe do objectivo original, a Fazenda Agro-industrial do Longa quer, nesta nova fase, alargar o modo operacional, incluindo no seu portfólio a criação de gado caprino, suíno e bovino.
A nova unidade de negócios a que a fazenda se propõe tem também na sua programação a implementação de um plano sanitário para avaliar os benefícios do negócio, numa região maioritariamente dedicada ao cultivo e à criação de animais em pequena escala.
O programa de Tomás Barros inclui a compra de sémen animal no mercado internacional, onde prevê encontrar e adquirir raças consideradas nobres para a devida inseminação na fazenda que dirige. Entre as raças eleitas por ele, constam a nelore, a brahman, a angus e a brangus, bem aceites entre a comunidade agro-pecuária.
Responsabilidade social
A comuna do Longa, a mesma que alberga a fazenda com o mesmo nome, está composta por seis bairros: Santa Cruz, Kakeke, Tchingondola, 4 de Fevereiro, Samu Sayo e Tchombo.
A falta de serviços sociais ainda é uma realidade. Embora estejam implantadas na localidade seis escolas do ensino de base, os serviços básicos de saúde são prestados somente na sede do município (Cuito Cuanavale), a 86 quilómetros de distância.
Em conversa com o aldeão Zeferino Cuchi, de 58 anos, ele expressa a grande necessidade e vontade de haver uma vida melhor naquela zona, para bem das comunidades, com destaque para as crianças, que representam as luzes do futuro.
“As perspectivas de futuro aqui, no Longa, são muito duvidosas. Falta-nos muita coisa, entre escolas, hospitais, centros de formação técnico-profissional, água canalizada, bibliotecas e centros de recreação. Precisamos de uma vida melhor”, argumenta.
Baseado neste défice, a nova administração da Fazenda Longa pretende ajudar a melhorar as condições sociais da comunidade, no âmbito da sua responsabilidade social, conforme o director da Fazenda Longa.
Embora não exista um plano concreto sobre o assunto, Tomás Barrosa disse que vai propor à administração da empresa a construção de estruturas para se melhorar a vida dos habitantes da localidade, uma promessa transformada em luz no fundo de um túnel.
A jornada vislumbra-se hercúlea, principalmente quando se analisa o longo caminho que a nova gestão da Fazenda do Longa deve percorrer para se recolocar na rota do desenvolvimento e da facturação.