Luanda – Cerca de 50 anos depois da sua Independência Nacional, alcançada a 11 de Novembro de 1975, Angola assume, pela primeira vez, a presidência da União Africana (UA), um feito que eleva o seu prestígio internacional e reflecte a competência da sua diplomacia.
Por Santos Rosa, jornalista da ANGOP
A assunção da presidência rotativa da UA ocorreu durante a 38.ª Cimeira Ordianária dos Chefes de Estado e de Governo da organização, realizada de 15 a 16 deste mês, em Addis Abeba, capital da Etiópia, em que o Presidente da República, João Lourenço, substituiu o seu homólogo da Mauritânia, Mohamed Ould Ghazouani.
A liderança da UA obedece ao princípio da rotatividade pelas regiões africanas, sendo que Angola ocupou o posto pela região austral do continente, enquanto a Mauritânia representou a África do Norte.
África Oriental, África Ocidental e África Central são os outros três espaços geopolíticos que completam o mapa das cinco regiões da União Africana.
Durante a presidência pro-tempore da UA, Angola, em cujo desempenho os africanos passaram a depositar grandes esperanças e expectativas, vai enfrentar desafios enormes, principalmente os relacionados com a paz e a segurança no continente.
O realce vai para os conflitos entre a RDC e o vizinho Rwanda, no Sudão e na região do Sahel, como um todo, para além das catástrofes naturais.
Obviamente que, independemente de centrar a atenção nos problemas de África, João Lourenço procurará conciliar as suas responsabilidades continentais com o acompanhamento da situação noutros horizontes, particulamente no Médio Oriente, onde o conflito entre Israel e a Palestina continua a matar e desalojar milhões de palestinos, incluindo mulheres, crianças e idosos, bem como a guerra russo-ucraniana.
Aliás, no seu discurso de aceitação, o novo presidente da UA definiu como prioridades a paz, a segurança, a transição energética, a boa governação, a construção de infra-estruturas e a captação de recursos financeiros junto dos grandes parceiros internacionais.
João Lourenço assegurou que o seu país vai olhar com atenção especial para os principais problemas de África e colocar ao serviço da organização a sua experiência, na busca de soluções para as questões relativas à paz e à segurança em África.
Paz e segurança é um assunto que urge solucionar, por constituir “um factor de bloqueio a todas as iniciativas e acções que procuramos levar a cabo em benefício do desenvolvimento das nossas nações“, como afirmou João Lourenço no seu discurso.
Agenda 2063
O binómio paz e segurança constitui o principal pressuposto para a materialização das aspirações da Agenda 2063 da UA, especialmente o programa que estabelece o “Silenciar das Armas até 2030”.
Este projecto visa transformar África numa região pacífica, segura e confiante num futuro promissor e de prosperidade para todos os africanos, decididos a colocar o continente na rota do desenvolvimento.
A estratégia da presidência de Angola está alinhada, em termos gerais, com as acções prioritárias definidas a nível continental, no âmbito da aceleração do Segundo Plano Decenal de Implementação da Agenda 2063, correspondente ao período de 2024 a 2033.
Trata-se de acções centradas nas infra-estruturas de Transporte e Conectividade, Energia e Recursos Naturais, Paz e Segurança, Agricultura e Economia Azul, Integração Continental e Zona de Comércio Livre, Educação e Capacitação e Parcerias Estratégicas.
Com efeito, a Agenda 2063 é a manifestação concreta de como o continente pretende alcançar a Visão Pan-Africana de uma África integrada, próspera e pacífica, impulsionada pelos seus próprios cidadãos, representando uma força dinâmica na arena internacional num período de 50 anos, de 2013 a 2063.
Não só engloba as aspirações de África para o duturo, como também identifica os principais programas emblemáticos que podem impulsionar o crescimento económico e o desenvolvimento de África e conduzir à rápida transformação do continente.
A operacionalização de um modo prático da questão relativa à “Justiça para os Africanos e os Afrodescendentes por meio de Reparações”, que constitui o lema escolhido para este ano, e também o que Angola elegeu para a sua presidência, centrado na “importância do investimento nas infra-estruturas, como factor de desenvolvimento de África”, serão também no centros das prioridades.
Como disse João Lourenço, a conjugação destes dois aspectos pode levar o continente a construir um canal de comunicação e de diálogo com os seus parceiros internacionais, fazendo “compreender a importância e a vantagem de cooperar com uma África desenvolvida, industrializada, com capacidade para superar a fome, a pobreza, a miséria e o desemprego, reduzindo assima probabilidade de conflitos armados e de emigrantes ilegais junto das suas fronteiras”.
Coordenação
Não menos importante será o trabalho da presidência angolana, em coordenação com a Comissão da União Africana, para a mobilização de maiores recursos financeiros por via do reforço da quotização de cada Estado-membro, visando angariar as receitas necessários para a realização de projectos e programas a nível continental, reduzindo assim a dependência relativamente ao financiamento externo.
No plano da integração do continente, Angola poderá prestar um valioso contributo ao desenvolvimento de África, colocando ao dispor o excedente energético que tem, para a mitigação das necessidades de vários países neste domínio, conforme garantiu o Presidente da República, perante os 55 Estados-membros da UA presentes na cimeira de Addis Abeba.
Deste modo, pela relevância e importância estratégica que assume no quadro da transportação de produtos diversos e também no do comércio intra-africano e no de África com o resto do mundo, o Corredor do Lobito (porto e ferrovia) e os Caminhos de Ferro da Tanzânia (TAZARA) poderão desempenhar um papel-chave na interconexão entre os países africanos e na promoção do comércio, no âmbito da operacionalização da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA).
A missão de Angola e do seu Presidente na liderança da União Africana não se afigura nada fácil, mas o objectivo e as metas traçados para esta presidência poderão, seguramente, ser alcançados, desde que haja esforços conjugados e, acima de tudo, seriedade e comprometimento de todos os Estados-membros da organização continental.
Um dado adquirido é que no domínio da paz e segurança, Angola pode capitalizar a sua experiência em matéria de resolução pacífica de conflitos, usando o seu próprio caso, em que solucionou um conflito armado interno de mais de 27 anos.
Este conflito terminou, em 2002, com um acordo de paz que permitiu a reconliação nacional, um desfecho que está a viabilizar a consolidação da democracia e o desenvolvimento económico, político, social e cultural.
Cronologia dos acontecimentos
A 38ª Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana, decorrida de 15 a 16 do corrente mês, foi antecedida da 46.ª Sessão do Conselho Executivo (12 a 13), que preparou a documentção para o magno evento. Angola participou com uma delegação chefiada ministro das Relações Exteriores, Téte António.
A reunião do Conselho Executivo analisou e aprovou os documentos saídos da 49ª Sessão Ordinária do Comité de Representantes Permanentes (COREP), que foram submetidos à consideração da cimeira.
O encontro contou com a participação do representa permanente de Angola junto da UA e da Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA), embaixador Miguel Bembe.
Na véspera da cimeira, relizou-se uma reunião do Conselho de Paz e Segurança (CPS) da União Africana, que analisou a situação na RDC e no Sudão, sob orientação do Chefe de Estado da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, na qualidade de presidente do CPS para o mês de Fevereiro.
Ausência notável do Presidente da RDC, Félix Tshisekedi, que também não participou na cimeira, e entrada tardia e saída antecipada da sala do Chefe de Estado do Rwanda, Paul Kagame, que, à margem da reunião, teve um encontro com o seu homólogo angolano, João Lourenço, cujo teor não foi dado a conhecer à imprensa.
No encontro, que contou com a participação do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, o Rwanda RDC foram srepresentad pelos respectivos chefes das diplomacias, nomeadamente, Olivier Nduhungirehe e Thérèse Kayikwamba Wagnerelações.
Na capital etíope, João Lourenço manteve encontros com várias entidades, dentre elas os Presidentes de Moçambique, Daniel Chapo; do Congo, Denis Sassou Nguesso; e do Senegal, Bassirou Diomaye Faye; o primeiro-ministro do Egipto, Mostafa Kamal Madbouly; o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, e o presidente cessante da Comissão da UA, Moussa Kama.
Em resumo, pelos aplausos das delegações diplomáticas e de entidades e instituições internacionais (principalmente bancárias) presentes na sala do Plenário “Nelson Mandela” no momento histórico em que o Presidente da Mauritânia passou o testemunho a João Lourenço, com a entrega do martelo da presidência, bem como os comentários favoráveis dentro e fora das instalações do edifício da organização, conclui-se que o “barco está em boas maõs”.
Historial das presidências da UA
A União Africana (UA), hoje composta por 55 membros, foi criada a nove de Julho de 2002, em Durban, África do Sul, em substituição da Organização de Unidade Africana (OUA), fundada no dia 25 de Maio de 1963, em Addis Abeba, Etiópia.
João Lourenço é o 23º presidente da União Africana desde a criação da Organização antes de:
Mohamed Ould Cheikh AI-Ghazouani, Mauritânia (Fevereiro de 2024 a Fevereiro de 2025)
Azali Assoumani, União das Comores (Fevereiro de 2023 a Fevereiro de 2024)
Macky Sall, Senegal (Fevereiro de 2022 a Fevereiro de 2023)
Felix Antoine Tshisekedi, RDC (Fevereiro de 2021 a Fevereiro de 2022)
Cyril Ramaphosa, África do Sul (Fevereiro de 2020 a Fevereiro de 2021)
Abdel Fattah el-Sisi, Egipto (Fevereiro de 2019 a Fevereiro de 2020)
Paul Kagame, Rwanda (Janeiro de 2018 a Fevereiro de 2019)
Alpha Conde, Guiné (Janeiro de 2017 a Janeiro de 2018)
Idriss Déby, Tchad (Janeiro de 2016 a Janeiro de 2017)
Robert Mugabe, Zimbabwe (Janeiro de 2015 a Janeiro de 2016)
Mohamed Ould Abdel Aziz, Mauritânia (Janeiro de 2014 a Janeiro de 2015)
Hailemariam Dessalegn, Etiópia (Janeiro de 2013 a Janeiro de 2014)
Thomas Yayi Boni, Benin (Janeiro de 2012 a Janeiro de 2013)
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, Guiné Equatorial (Janeiro de 2011 a Janeiro de 2012)
Bingu wa Mutharika, Malawi (Janeiro de 2010 a Janeiro de 2011)
Muamar Kadafi, Líbia (Fevereiro de 2009 a Janeiro de 2010)
Jakaya Mrisho Kikwete, Tanzânia (Janeiro de 2008 a Janeiro de 2009)
John Kufuor, Ghana (Janeiro de 2007 a Janeiro de 2008)
Dénis Sassou N’Guesso, Congo (Janeiro de 2006 a Janeiro de 2007)
Olusegun Obasanjo, Nigéria (Julho de 2004 a Dezembro de 2005)
Joaquim Alberto Chissano, Moçambique (Julho de 2003 a Julho de 2004) -
Thabo Mbeki, África do Sul.(Julho de 2002 a Julho de 2003).SR/IZ