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Zimbabwe promete apoio total à presidência de Angola na União Africana

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  • Luanda • Domingo, 09 Fevereiro de 2025 | 19h14
Embaixador da República do Zimbábwe em Angola, Thando Madzvamuse
Embaixador da República do Zimbábwe em Angola, Thando Madzvamuse
Domingos Cardoso-ANGOP

Luanda - O embaixador do Zimbabwe acreditado em Angola, Thando Madzvamuse, afirmou, em Luanda, que o Governo do seu país dará total apoio ao Presidente João Lourenço na presidência rotativa da União Africana (2025-2026).

Por Mpaulu Aguiar, jornalista da ANGOP

Em entrevista exclusiva à ANGOP, a propósito da assumpção por Angola da presidência rotativa do órgão continental, a partir deste mês, o diplomata zimbabweano clarificou que o  apoio à liderança de João Lourenço será em todos os domínios.    

“Apoiaremos Sua Excelência, o Presidente João Lourenço, em qualquer área”, disse, lembrando que Angola e Zimbabwe têm excelentes relações bilaterais, através das quais os dois países estão na mesma trincheira, seja na luta pela emancipação, seja pela libertação.

Thando Madzvamuse afirmou ainda que o seu país trabalhará para cumprir integralmente com as contribuições anuais para não criar obstáculos à liderança angolana no órgão continental.

“O Zimbabwe continuará a prestar as suas contribuições sem falhas, para que o Presidente João Lourenço não tenha dor de cabeça, por não conseguir obter os recursos financeiros para continuar com os programas que usará para liderar o continente”, avançou o embaixador.

Disse igualmente que o Zimbabwe vai ajudar Angola na resolução dos conflitos existentes no continente.

“Vamos dar-lhe todo o apoio à medida que avançar na tentativa de pôr fim aos conflitos no continente africano, porque sem paz não se vai a lado nenhum”, lembrou.

Eis a íntegra da entrevista

ANGOP: Angola vai assumir este mês, Fevereiro, a presidência rotativa da União Africana (UA). Senhor embaixador, o que é que o seu país espera do desempenho de Angola em prol do continente?

Thando Madzvamuse (TM): Em primeiro lugar, começo por felicitar o Governo e o povo de Angola pela eleição de sua excelência o Presidente João Lourenço à liderança rotativa da União Africana (UA). Este é um voto de confiança de África ao Presidente João Lourenço, bem como ao povo angolano, substituindo o seu homólogo da Mauritânia, Mohamed Ould Ghazouani.

O Zimbabwe está ansioso pela liderança do Presidente João Lourenço, pois sente realmente que ele (João Lourenço) é capaz de unir os países africanos para que brilhem como continente. Nós, nesta nota, gostaríamos de declarar que será um bom ano para Angola.

Angola, além de assumir a presidência da União Africana, vai comemorar 50 anos de independência e também acolherá a XVII cimeira EUA-África, em Junho deste ano.

Então, todas estas questões unidas fazem com que o ano de 2025 seja um grande ano para Angola. Assim sendo, o povo angolano pode contar com o apoio do Zimbabwe. E, dito isto, saiba que o espírito do Zimbabwe é fundado no Pan-africanismo.

Assim, o Zimbabwe aguarda com expectativa a nova liderança da União Africana, de modo a reunir os irmãos e irmãs africanos em nome do Pan-africanismo, para avançarmos juntos como uma entidade no desenvolvimento do continente.

Estamos bastante confiantes de que Sua Excelência o Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço tem capacidade de fazer exactamente isso e pode contar com o apoio do Zimbabwe. Apoiaremos Sua Excelência o Presidente João Lourenço em qualquer área. Conte com o apoio do Zimbabwe.

ANGOP: Angola tem-se assumido como um país preocupado com a paz e a segurança internacionais, inclusive com um forte envolvimento na busca de soluções pacíficas de conflitos pela via negocial. Consegue ver Angola na posição de mediador de outros conflitos em África como os das regiões do Sahel e do Corno de África, para além do da Região dos Grandes Lagos?

TM: Vimos Angola como país legítimo para assumir este papel, a liderança da União Africana. É um reconhecimento dos esforços do Presidente João Lourenço como campeão da paz designado pela União Africana e também pelo facto de estar a mediar o conflito na República Centro-Africana e no Leste da República Democrática do Congo.

Portanto, não há melhor líder possível que possa fazer o trabalho de mediação no continente, uma vez que ele (João Lourenço) já domina a complexidade dos problemas existentes.

Nesse sentido, sentimos que Angola tem capacidade de mediar noutros locais, como a região do Sahel, cujos problemas provavelmente provém de fora do continente e, desta forma, acreditamos que o Presidente Lourenço, com a sua capacidade, poderá envolver também os nossos parceiros fora do continente para uma boa mediação noutras partes da região.

ANGOP: Quais são as estratégias do seu Governo para enfrentar esses desafios e promover a paz duradoura?

TM: A paz é muito ilusória e exige que todas as partes estejam comprometidas, que todas as partes se unam, e, acima de tudo, requer uma boa liderança. Nós, Zimbabwe, estamos convencidos de que não é possível ter-se uma paz duradoura no continente sem uma mediação capaz. Precisamos de paz e tranquilidade para o continente desenvolver-se económica e socialmente.

Falando em estratégias, há muitos problemas prováveis que precisamos considerar: alguns dos que enfrentamos actualmente no continente não são de nossa autoria. Eles têm um contexto histórico que depende do colonialismo.

Por exemplo, as fronteiras foram impostas arbitrariamente pelos colonizadores logo após a conferência de Berlim, quando tentaram dividir a África entre si.

Diante de tudo isto, a primeira solução (estratégia) é o diálogo. Deveríamos ser capazes de conversar entre nós. Não há desafio sem solução. Vamos ao fundo dos desafios. Poderia ser no Leste da RDC. Poderia ser no Sudão. Poderia ser em Moçambique. Poderia ser no Zimbabwe. A verdade é que a solução dos problemas passa apenas por diálogo, diálogo, diálogo. Conversando entre nós e concordando em enfrentar os problemas que temos. Pode haver algumas boas soluções.

Devemos identificar as queixas internas. Não vamos nos focar no exterior. Vamos verificar as reclamações internas e procurar saber por que razão as pessoas estão a brigar? Ou por que razão as pessoas estão a reclamar? Se não nos aprofundarmos e encontrarmos as reclamações internas, então vamos concentrarmo-nos nos sintomas.

Sugerimos também que empreendamos aquilo que o ex-Presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, chamou de diplomacia silenciosa. Não vamos recorrer à diplomacia do megafone para agradar ao mundo internacional ou a quem quer que seja. Vamos fazer uma diplomacia silenciosa, enfrentarmo-nos.

Entretanto, o ex-secretário de Estado americano, Henry Kissinger, costumava chamar isso de diplomacia de transporte, ou seja, encontrar alguém que seja influente para mediar as partes protagonistas, usando uma diplomacia silenciosa.

Também sugeria a necessidade da valorização da inclusão, isto é, não vamos deixar ninguém de fora, seja um grupo minoritário ou não. E, por último, vamos também compreender que os nossos problemas africanos podem ser exclusivos para nós. Vamos dar soluções africanas.

Portanto, não vamos correr à busca de estranhos. Essas pessoas podem não ser capazes de valorizar as nossas culturas, nem exactamente o que nos motiva. Ora, não quero dizer que devemos esquecer os nossos parceiros, pois eles podem ajudar, mas não devem ditar as soluções.

ANGOP: Crê que a presidência de Angola possa trabalhar no sentido de, pelo menos, reduzir as tensões nessas regiões?

TM: Sim. A paz não vem de forma fácil, ela tem um preço. Tendo em conta a experiência do Presidente João Lourenço é, de facto, possível. Provavelmente, começando a investigar para onde vão as nossas finanças, bem como repriorizando as questões que importam.

Assim, é possível reduzir despesas e cortar custos com itens não essenciais, e, acima de tudo, tentar fazer com que os próprios países africanos tenham uma unidade de propósitos e percebam também a importância de contribuírem para as nossas próprias necessidades, através das subscrições anuais à União Africana.

Podemos também contar com os nossos parceiros, mas devemos ser os primeiros a fazer as nossas próprias contribuições.

Portanto, precisamos de começar a olhar para os projectos, priorizá-los e olhar para o PIB (Produto Interno Bruto) de cada país e identificar o que cada país é capaz de contribuir.

ANGOP: A União Africana tem sido uma plataforma importante para resolver crises regionais. Quais os principais avanços e obstáculos em relação ao fortalecimento dessa instituição?

TM: A União Africana é fundamental que exista como instituição. Diz-se que há força nos números. Temos outra maneira de nos movermos agora, através de blocos. Olhemos como exemplo a América do Norte, eles têm o seu próprio. A Europa tem a sua União Europeia. Nós temos a nossa União Africana.

A União Africana nos dá força e unidade de propósito. Portanto, é fundamental que façamos tudo o que for necessário para fortalecer este bloco a nível do continente para que possamos falar uma só voz. E é desta forma que sentimos que o Presidente Lourenço tem capacidade de unir os africanos para que tenham força necessária para avançar.

Os nossos problemas manifestam-se de várias formas, basta irmos ao fundo para os resolver. Sem uma unidade de propósito, nunca poderemos ir a lugar nenhum, como já referi antes.

Há algumas pessoas que ficam felizes em nos ver desunidos, porque os seus interesses estão sendo atendidos. Eles estão a beneficiar da nossa falta de unidade. Mas nós, de facto, podemos trabalhar juntos e encontrar uma possibilidade de enfrentarmos os desafios que existem.

As nossas economias não são muito fortes. Portanto, precisamos de trabalhar juntos para avançarmos e conseguirmos o que queremos.

Deixemos os doadores virem, mas não devem trazer a maior parte da doação. Eles devem contribuir para colmatar algumas lacunas, mas não para serem os responsáveis pelo orçamento da União Africana.

ANGOP: Pode pelo menos mencionar três coisas que podem ser adoptadas para fortalecer a União Africana?

TM: É um ponto de discussão muito, muito pertinente. Número 1, os nossos recursos naturais. Não há continente que tenha o que África tem. Os minerais que são necessários para o fabrico de telefones, como cobalto, urânio, etc, estão actualmente disponíveis em África.

A nossa cultura. Somos muito disciplinados como africanos. Vamos também aproveitar isso para avançarmos como africanos. Acreditar em nós mesmos e no que podemos fazer. Há alguns desafios. A nossa economia ainda é incipiente e, por isso, precisamos de parcerias fortes para avançarmos juntos. Também precisamos de nos proteger contra a divisão para melhor reinar.

ANGOP: Quais são as prioridades que África deve ter em conta em termos de diplomacia, especialmente com as potências globais, como a China, a União Europeia e os Estados Unidos?

TM: Precisamos de nos unirmos como africanos. Precisamos também de valorizar as reformas, principalmente políticas, nas quais temos actualmente debilidades, para que o continente africano se levante pelos seus dois pés e ocupe o seu lugar de direito globalmente.

A diplomacia é também importante para fortalecer a União Africana e as nossas relações. Em primeiro lugar, nós como africanos e depois com outros países ou parceiros, especialmente com potências globais.

Em relação às potências como a China, a União Europeia e os Estados Unidos da América, nós, como continente, não poderemos vencer se não tivermos a força necessária para falar como uma só voz.

E, de facto, a diplomacia é o caminho a seguir. Mas o que é necessário para que possamos avançar como uma entidade, no sentido de alavancar a nossa diplomacia, é a unidade. Precisamos de nos unificarmos como um continente, porque se continuarmos divididos não chegaremos a lugar nenhum.

ANGOP: Na óptica do Sr. Embaixador, como é que o continente africano deve fortalecer a sua posição no cenário global?

TM: Precisamos de ter auto-respeito em nome do Pan-Africanismo, unirmo-nos em torno desse objectivo e falarmos uma só voz diplomática forte que faça com que os outros observem que existe respeito próprio.

Se alguém não tem respeito próprio, não há razão para que os outros o respeitem. Então, partimos desse melhor ponto: união e respeito próprio. E, nesse sentido, precisamos bater o pé.

Uma vez valorizada a parceria, facilmente somos entendidos como entidade respeitada no mundo.

Permita-me citar Frederick Douglass, um escritor americano, que disse: “é melhor morrer livre do que viver como escravo”. Por isso, precisamos de nos unirmos em torno desse continente que queremos afirmar para que caminhemos numa direcção que acreditamos ser de interesse da população africana.

Portanto, unidade é uma das estratégias que precisamos investir para termos uma boa diplomacia em África. Então, antes de tudo, devemos estar juntos para depois olharmos para fora e envolvermos outras pessoas.

ANGOP: África é um continente rico em recursos naturais, culturais e humanos. Tendo em conta essas potencialidades, o que se deve fazer para tornar o continente substancialmente sustentável em termos de desenvolvimento económico e social?

TM: Um assunto muito pertinente para discussão que demonstra a força do povo africano e do continente em geral. Ora, o continente tem aquilo a que chamamos “Cultura Ubuntu”, que quer dizer “Eu sou porque nós somos”. A cultura africana exige que caminhemos juntos.

Isso significa que precisamos de brilhar, progredir e vencer juntos em oposição à cultura ocidental que acredita no individualismo. Precisamos de aproveitar essa cultura de união para avançarmos juntos.

Por exemplo, actualmente no Zimbabwe temos dito “não deixar ninguém e nada para trás”. Falando em recursos naturais, já conseguimos o que queremos.

Vamos aproveitar esses recursos naturais. Tais recursos são necessários e devem agregar valor, não só para os nossos povos, mas também como uma força que podemos aproveitar para outros propósitos.

E quando falo de recursos não são apenas os materiais, mas também os humanos, que representam uma grandeza para o continente.

ANGOP: Ainda em relação aos recursos humanos, o Senhor Embaixador disse: vamos trazê-los de volta para casa. O que quer dizer com tal pronunciamento, uma vez que alguns deles estão a sair de África porque consideram não haver boas condições para se viver?

TM: Sim, claro. O que pode ser feito para que eles voltem para casa? Estamos num mundo globalizado e não podemos impedir a emigração para qualquer parte do mundo.

Indirectamente, eles também nos trazem divisas, mas precisamos da maior parte destes recursos humanos em casa para poderem participar no desenvolvimento económico dos seus países.

Os governos precisam de incluir aqueles cidadãos que estão na diáspora no planeamento do desenvolvimento económico dos seus próprios países.

Com as economias desenvolvidas pode ser possível pagar-lhes melhores salários. Assim, eles encontrariam motivo para não sair do país. Só deixam os seus países porque eles não encontram satisfação das suas necessidades económicas.

Não há ninguém que gosta de viver num país estrangeiro, deixando, por exemplo, de desfrutar das belezas de Luanda, da cidade de Harare, etc.

Podemos atrair o nosso povo de volta através da criação de condições básicas e respeito de todas as minorias, das contribuições e das ideias dos concidadãos.

Portanto, estou feliz por ver África a evoluir gradualmente para esse sentido. Podemos fazer muito mais para trazê-los de volta para casa.

ANGOP: A Zona de Comércio LivrebContinental Africana (ZCLCA), criada em 2018, representa uma enorme oportunidade para os países africanos retirarem da pobreza extrema 30 milhões de pessoas e para aumentarem os rendimentos de outros 68 milhões que vivem com menos de 5,50 dólares por dia. Qual tem sido o impacto desse organismo nos Estados-membros?

TM: A criação da Zona de Comércio Livre Continental Africana, do ponto de vista económico, é uma das melhores instituições da União Africana.

África tem mais de 1,3 bilião de habitantes e um Produto Interno Bruto avaliado em mais de 3,1 triliões de dólares americanos. Isso significa que há uma grande procura dos nossos bens e serviços em todo o continente.

Numa economia próspera, isso significa que não precisamos de procurar mercados mais distantes. Há força nesses grandes números provenientes do comércio interno.

A ZCLCA deve ser vista como uma alavanca para o desenvolvimento do continente. Podemos ajudar mais pessoas e, de facto, eliminar a pobreza. A ZCLCA será capaz de ajudar no desenvolvimento do continente.

Está, por exemplo, a reduzir e a remover tarifas no continente e espera remover mais de 90% das tarifas e barreiras tarifárias no comércio. E, tudo isto significa que há um melhor fluxo de bens e serviços entre os países africanos.

E, dito isto, enquanto houver um melhor fluxo de bens e serviços no continente africano, significa que também estamos a atrair mais investimento, uma vez que as nossas economias estão agora a florescer.

Significa também que temos mais pessoas ao nível do agregado familiar capazes de cuidarem de si próprias e, deste modo, aliviar a pobreza.

A remoção e eliminação de todas estas tarifas e barreiras, no final das contas, significa que há um melhor acesso ao mercado para os diferentes países. Estamos a eliminar um problema com os países pequenos como Lesoto ou a Eswatini.

Significa também que à medida que as suas economias melhoram, eles têm maior acesso ao grande mercado angolano que tem mais de 33 milhões de pessoas com capacidade e vontade para comprar.

Alguns dos muitos benefícios da Zona de Comércio Livre Continental Africana são, por exemplo, a existência de um mercado cada vez maior, a redução das taxas de desemprego, a melhoria da economia, bem como a redução da pobreza e da desigualdade.

ANGOP: Como o Sr. Embaixador vê a questão da integração regional no continente africano.

TM: A integração regional é uma área crítica na qual devemos concentrar-nos como uma entidade única. Existem blocos regionais em torno da União Africana, como a SADC, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a Comunidade da África Oriental (EAC) e O Magrebe, na região noroeste de África.

Primeiro, permite-nos obter economias de escala, negociar com o outro e reduzir custos, por que dizemos sempre, por exemplo, o que Angola quer, o Zimbabwe tem e o que o Zimbabwe quer, Angola tem.

É diferente como levar carne do Zimbabwe para o Brasil ou para os Estados Unidos da América, mas se trouxer dentro do continente a distância é menor, pois temos preferências similares e assim tornamos a vida mais fácil e (isso) impulsiona os nossos interesses.

Esta relação entre os países vizinhos como bloco elimina o conflito, bem como evita guerras. Somos irmãos e irmãs interligados por interesses comuns. Nesta conformidade, estes blocos regionais precisam de unir-se ao bloco africano (União Africana) para falarmos a mesma língua a exemplo da União Europeia.

Portanto, é fundamental que nos movamos como um bloco. Como já disse antes, há força na união e nós temos essa capacidade. Como povo africano, os nossos interesses são exactamente os mesmos e isso é alcançável. E tenho certeza de que podemos vencer nesse aspecto.

ANGOP: África tem um grande potencial agrícola, mas enfrenta desafios em termos de infra-estrutura e financiamento. O que está a ser feito a nível do continente para transformar esse sector e aumentar a segurança alimentar?

TM: Permita-me começar por reconhecer o facto de África ser o continente com a maior terra arável. Mais de 60% é arável. Podemos plantar e fazer o que quisermos não apenas para alimentar o continente, mas o mundo inteiro.

Além disso, África tem diferentes condições climáticas em diferentes partes. O que significa que podemos plantar tudo o que quisermos ou de que necessitarmos.

Há um desafio relacionado à infra-estrutura e finanças, por isso precisamos de avaliar o que devemos fazer. Precisamos de sentar à mesma mesa e perceber que há alguns países que se moveram melhor do que outros nesse aspecto.

Vamos envolver os nossos parceiros para que possamos desenvolver as infra-estruturas relacionadas à agricultura, em que precisamos de equipamentos modernos de irrigação, da construção de barragens e dos chamados pivôs centrais de irrigação.

Igualmente precisamos de aproveitar a água para não permitir que ela simplesmente flua para o mar e comecemos a chorar na estação seca. Portanto, estes são os tipos de áreas em que deveríamos canalizar os nossos recursos financeiros. Precisamos de criar parcerias, ou seja, envolver o sector privado.

Com as parcerias entre o sector privado e o governo, ou público-privadas, há ganhos para ambos, basta o governo deixar o sector privado liderar o processo.

O governo identifica as necessidades e o sector privado investiga-as e elabora projectos de benefícios comuns. A agricultura é um ponto forte do continente, não só para alimentar África, mas também para outros continentes. Um exemplo é o Zimbabwe.

Nós tínhamos um programa de reforma agrária que nos permitiu crescer de forma gradual. Neste momento, o Zimbabwe consegue produzir muitos produtos que os colonizadores brancos nunca conseguiram produzir.

ANGOP: Acabou de mencionar o que pode ser feito para que esses desafios de infra-estrutura e financiamento sejam resolvidos. Então, até agora, o que já foi feito?

TM: África, como estou dizendo, tem crescido gradualmente, principalmente pedindo ajuda de pessoas de fora. Todos os projectos de desenvolvimento são, na sua maioria, resultado de ajuda externa.

A ajuda é corrosiva, mata as nossas mentes e nos torna dependentes. Temos todos os recursos em África. Como dependemos de ajuda, precisamos primeiro de reorientar as nossas mentes. Em vez de confiarmos na ajuda, vamos confiar na parceria e reconhecer que podemos fazer isso juntos.

A maioria da população africana encontra-se nas zonas rurais e não nas zonas urbanas, devido à força que tem a agricultura. Precisamos evitar a migração rural-urbana.

O Zimbabwe criou o que chamou “Unidades Estratégicas de Negócios nas Zonas Rurais”, que consistem na apresentação de projectos em todas as zonas rurais, através dos quais são identificadas várias áreas de investimento.

Por exemplo, na agricultura, na pecuária, etc, o Governo dá apoio e as comunidades locais também contribuem com as suas acções. Uma medida que tem estado a providenciar bons frutos.

ANGOP: Como é que o senhor avalia o papel de África nas cadeias globais de suprimento e qual é a importância da integração económica regional para o futuro do continente?

TM: Na verdade, é um ponto de discussão muito crítico. África é uma entidade muito importante na cadeia de abastecimento global. Durante todo o tempo, abasteceu e continua a fornecer as matérias-primas à cadeia de abastecimento global.

Mas, agora África acordou e canta em uníssono uma canção de que as nossas matérias-primas precisam de ser beneficiadas. A gente pega nas frutas que produzimos, transformámo-las e enlatámo-las para os diversos mercados.

Por exemplo, Angola é o centro diamantífero de África. Não queremos que esses diamantes sejam levados por outras pessoas. Estou grato pelo facto de os nossos chefes de Estado estarem a falar essa linguagem neste momento.

Portanto, nós agora queremos ser elevados na cadeia de valor global e estou muito feliz por estar-se a caminhar nessa direcção.

Estamos de facto na fase de abordar todos esses assuntos em termos de integração regional e continental para podermos avançar melhor à medida que nos ajudamos uns aos outros, à medida que negociamos para ter melhor força como entidade, à medida que também expandimos os nossos mercados.

Portanto, a nossa posição, como continente na cadeia de valor global, é cada vez mais aceite, não como fornecedor de matérias-primas, mas como actor que também pode trocar os seus bens e serviços. Eles trazem os deles e damos-lhes os nossos por um valor justo.

ANGOP: Que comentários lhe oferece fazer acerca da evolução da democracia e da governação em África? Quais são os maiores desafios que os líderes africanos enfrentam neste capítulo?

TM: Essa é uma pergunta muito contagiante. Você sabe por que estou rindo. Tenho um problema com o termo democracia, por ser um termo usado pelo mundo ocidental para falar de um determinado estilo de governação, que é o deles.

A cultura ocidental não é a nossa cultura. Quando falam de democracia, darei um exemplo típico. Eles falam de um homem se casar com outro homem. Você aceitaria casar com o seu irmão?

Para eles, isso faz parte da democracia, mas não para nós, em geral, os africanos. Então, gostaria lembrar o ex-Presidente americano, Abraham Lincoln, que considerava a democracia como um governo do povo, pelo povo e para o povo.

Necessitamos de falar grosseiramente sobre democracia nessas áreas, mas sem entrar nas preferências do mundo ocidental.

Relativamente à governação em África, nós temos uma jovem e incipiente democracia. Estamos melhorando aos poucos. A parte lamentável é que a chamada democracia não foi plenamente desenvolvida no continente africano, também temos tido pessoas de fora que têm detectado o que deveria ser feito e o que não deveria ser feito.

Quando dizem que querem a democracia, a liberdade do povo, estão a apoiar os ditadores que nem sequer dão ao seu próprio povo a liberdade de se expressar. Líderes que acabaram sendo afastados violentamente pelo povo.

É por isso que eu queria começar a partir daí, a partir da nossa democracia incipiente, mas aos poucos, estou feliz pelo continente africano. Estamos avançando aos poucos. Estamos a falar entre nós, como povo africano, para que onde quer que haja um problema, os líderes africanos reúnem-se, quer seja ao nível da SADC ou a qualquer outro nível, para falar entre si.

Estou feliz por a liderança africana estar a falar a esse respeito, sobre a necessidade de tolerância entre nós. Precisam de permitir que a população tenha voz na governação. Há uma necessidade de respeitar os grupos minoritários para que também sejam reconhecidos. Na verdade, estamos em um mundo globalizado e não podemos fugir disso.

Existem alguns desafios, mas antes mesmo de falar dos desafios, recordo que no continente existe o mecanismo africano de avaliação pelos pares que significa que os próprios chefes de Estado africanos têm estado a manter conversas entre pares, no sentido de se criticarem e apontar o que cada líder está a fazer. 

Aos poucos vamos chegar lá, pois os desafios incluem o interesse do mundo.

Então, esses são os tipos de questões que precisamos para nos proteger contra as influências estrangeiras e avançarmos com a nossa democracia.

Não vamos permitir que eles nos imponham as suas próprias culturas, mas devemos negociar. Também devemos evitar a chamada relação cliente-patrono, até porque eles são nossos parceiros.

Podemos não ser suficientemente fortes economicamente, mas temos o que eles não têm. Portanto, que eles também devem vir como parceiros.

Temos a tendência de entrar em conflito com as instituições do Estado e com os partidos no poder. Na verdade, as políticas de qualquer partido no poder devem estar orientadas para o povo. O MPLA, por exemplo, governa o país e implementa as suas políticas porque obteve o mandato do povo para governar.

A fusão das instituições com o Governo deve ser evitada, ou seja, o poder judicial deve funcionar de forma independente. Todas as outras instituições governamentais não devem ser confundidas com o partido no poder.

Também precisamos de trabalhar, melhorando a nossa democracia, investindo na tolerância. Precisamos de nos tolerarmos um ao outro, deixar a minoria ter uma palavra a dizer. Não desejamos que o conflito tribal do Rwanda aconteça novamente.

Há que haver tolerância, seja em questões religiosas, tribais ou qualquer outra coisa, por ser um factor importante. Como se diz “há força nas diferenças”. Para finalizar, um dos grandes problemas que temos, caro jornalista, é a corrupção. Ela está a nos matar. E precisamos dizer não à corrupção.

Estou muito feliz por termos observado o Presidente João Lourenço determinar combate cerrado à corrupção desde que assumiu a presidência de Angola.

Todos nós caminhamos nessa direcção. Precisamos dos nossos recursos, para que sejam reinvestidos no desenvolvimento dos países. Não deveria haver um único indivíduo que fosse permitido roubar impunemente o povo.

ANGOP: E, ainda no que diz respeito à questão sobre a democracia, como está a governação em África? Em que nível percentual de 1 a 100 está a governação em África? Estamos bem ou mal?

TM: Essa é uma pergunta difícil. Não estamos tão mal. Eu diria que estamos em torno de 60 e 70%. Ainda há muito por fazermos. A primeira coisa que se precisa fazer é a introspecção para verificar o que estamos a fazer de errado. Ao admitirmos que estamos a fazer algo errado em algum lugar, então encontramos o ponto de partida para corrigir.

Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas não somos tão ruins quanto somos considerados. Deixemos que os nossos líderes falem entre si e corrijam essas coisas para que o continente se mova como um bloco.

ANGOP: Sr. Embaixador, quais são as acções que considera como prioridades para o fortalecimento das instituições democráticas e combate à corrupção em África?

TM: A primeira questão seria a criação de um clube de líderes, onde os líderes se reuniriam em fóruns diferentes. Poderia ser a nível regional, a nível da SADC ou a nível da liderança da União Africana para conversarem entre si e criticarem-se à porta fechada. Terem a capacidade de livremente apontarem os erros do seu homólogo e dizer “Acho que meu irmão, você não está correcto nisso”.

É por isso que chamei de clube de líderes, sem a presença de estranhos, sem que essa discussão fosse levada ao consumo de estranhos. É para nós como uma família africana.

Vamos aperfeiçoar o mecanismo africano de avaliação pelos pares para que os líderes também possam discutir em conjunto e avaliar o desempenho de cada um. Continuo dizendo à porta fechada e discutindo abertamente onde podem melhorar para o sucesso do continente.

Movemo-nos como um continente para podermos competir e cooperar com todos os outros continentes. Conversando como uma só pessoa, não há nada que seja impossível. É a nossa convicção.

Igualmente precisa-se valorizar mais a força da nossa cultura, respeito um pelo outro, principalmente aos nossos adultos, o que é diferente do mundo ocidental.

ANGOP: Como o senhor vê o papel da juventude africana no futuro político do continente?

TM: Mais de 60% da população africana é jovem, com faixa etária entre 25 e 30 anos de idade. Isso é uma vantagem muito grande para o continente.

Vamos investir na nossa população jovem, porque se ela ficar ociosa ou desempregada constitui um perigo. Vamos investir no desenvolvimento das suas competências e descobrir o que eles querem.

Devemos chegar a um estágio em que dizemos fomos nós que os educamos. Eles não estão a ser educados para serem colarinhos brancos, usarem paletó e gravata como eu, mas devem ser educados no sentido de tornarem-se empregadores.

Podemos usar, por exemplo, aquilo que o Zimbabwe chama de educação 5.0. Antes era a educação 3.0, um sistema educativo baseado no ensino, na investigação e no serviço comunitário, que geralmente é a educação noutras partes do mundo. A educação 5.0, além dos 3 elementos mencionados, acrescenta a inovação e a industrialização.

O Presidente Emmerson Mnangagwa havia convocado os líderes do SADC para visitarem vários centros de inovação. Quer com isso dizer que somos capazes de inovar com recursos próprios, utilizando a população jovem para nos desenvolvermos.

A força está na população jovem e nesse aspecto é nela que devemos investir para desenvolver a indústria e, deste modo, ocupa-los.

Devemos investir nos jovens, começando mesmo a integrá-los nas estruturas de governação. Já está sendo feito, por exemplo, pelos países africanos, incluindo Angola.

Tenho visto ministros das finanças muito jovens. Estou vendo jovens ministros em diferentes países. Eles aprendem o básico quando trabalham com adultos. Estou feliz que a África já esteja avançando nesta direcção.

ANGOP: E qual deveria ser o papel desta juventude no futuro político do continente?

TM: Estou dizendo, permitir que esses jovens assumam um papel de liderança na governação e na política.

Eles têm as suas próprias organizações juvenis, mas não vamos deixá-los apenas nessas organizações juvenis. O seu papel também deve ser aproveitado na governação como ministros e directores executivos de vários sectores, o que os fará crescer aos poucos.

Ainda bem que a maioria dos países africanos já está a caminhar nessa direcção. Isso significa que à medida que gradualmente entregamos o poder, eles não começam do zero. Eles já possuem a experiência necessária.

ANGOP: As mulheres constituem metade da população de África, e como uma expressão dos seus direitos humanos, têm o direito a oportunidades iguais que lhes permitam participar plenamente na tomada de decisões e na implementação de políticas, leis, e iniciativas no continente. Como é que o Sr. embaixador vê o contributo delas no desenvolvimento do continente?

TM: Tal como os jovens, elas foram marginalizadas no chamado mundo dos homens. É um mundo paternal que dá aos homens a palavra sobre o que deve ser feito. Tal como temos tentado melhorar a juventude, estou feliz que o continente africano tenha reconhecido também o papel das mulheres na política, na indústria, para que gradualmente também elas participem e usem a sua força.

Elas são nossas mães. Foram elas que nos deram a vida para vir a esta terra. Elas têm essa destreza em si mesma. As características naturais de guardar um filho dentro dela durante nove meses, torna-as pacientes e resilientes em fazerem as coisas da maneira certa. Estou muito feliz que a maioria dos nossos governos está a seguir Angola como um exemplo típico.

Tenho observado a quantidade de mulheres nos diferentes partidos políticos no Governo de Angola e do Rwanda, mais de 50%, quer seja no parlamento, nas estruturas governamentais ou na indústria. Precisamos ir mais longe, aplicando o que se chama de discriminação positiva, que vários países já estão a fazer.

Deveria haver um mínimo de tantas mulheres no parlamento. Acredito que vários países estão a fazer isso. Penso que estamos relativamente bem como continente. Precisamos de formalizá-lo, através das constituições de cada país, para que não esteja à altura dos caprichos do actual líder no poder. Deve ser apoiado por lei e por legislação.

Estou feliz, o continente africano está a fazer exactamente isso neste momento.

ANGOP: Senhor Embaixador, obrigado por nos receber durante todo esse tempo. Foi um prazer enquanto agência focada nas ocorrências do momento sejam a nível continental ou global.

TM: Mais uma vez, é um prazer e sou eu que lhe agradeço por ter vindo conversar connosco sobre estas questões tão importantes, que continuo a dizer, que devem fazer brilhar o continente africano à medida que apoiamo-nos. Sinta-se à vontade para vir em qualquer outro momento. Muito obrigado por ter vindo. MRA/JM/IZ

 





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