Luanda – Nadir Tati, a diva da moda em Angola, manifesta, em entrevista à ANGOP, os seus receios de um “futuro comprometido e não muito fácil” para ofício, no país
.Por António Tavares, Jornalista da ANGOP
A estilista diz acreditar que, independentemente dos avanços tecnológicos, deve ter-se um foco crescente na sustentabilidade, sendo, para isso, necessários fortes investimentos na indústria têxtil.
Para o efeito, defende a implementação de políticas de incentivo financeiro, subsídios ou créditos com taxas de juros favoráveis, programas de capacitação e assistência técnica e com acesso cada vez maior à tecnologia.
Só assim, entende a diva, os designers angolanos terão a oportunidade de alcançar um público global e experimentar novas formas de criação e produção.
Para Nadir, a integração desses elementos pode impulsionar a indústria da moda angolana para novos rumos numa combinação perfeita entre a tradição, a inovação e a responsabilidade.
Numa conversa descontraída, a experiente estilista fala sobre a sua intimidade com a moda e traz alguns detalhes sobre a sua carreira, para além de passar a sua experiência para as aspirantes a esta arte conseguirem trilhar este caminho e estabelecer-se no mercado.
Com créditos firmados no mercado da moda, a entrevistada aponta este como um dos caminhos para as jovens mulheres se afirmarem e vencerem o preconceito da luta pela valorização do género.
ANGOP – O que a inspirou a tornar-se estilista?
Nadir Tati – Eu tornei-me numa estilista por causa da minha paixão pela moda e design. Sempre me interessei por explorar diferentes estilos, tendências e criar combinações únicas. A capacidade de criar e experimentar sem limitações é incrivelmente estimulante para quem acredita em desafios.
Desde tenra idade que fui programada para valorizar e apreciar a diversidade cultural e a riqueza da moda africana, que é uma fonte infinita de inspiração para muitos estilistas ao redor do mundo.
A criatividade, as cores vibrantes, os padrões únicos e a história por trás das tradições africanas são elementos que me inspiram a explorar e celebrar a estética africana nas minhas criações. A força da mulher angolana serve de base para todos os meus trabalhos.
ANGOP – Como é o seu processo criativo? De onde costuma tirar inspiração para suas criações?
NT – O meu processo criativo é alimentado por uma variedade de fontes, incluindo as tendências actuais da moda, da arte, da cultura, da musica, da natureza e até mesmo do estilo pessoal das pessoas que encontro no meu dia a dia.
Eu analiso e sintetizo essas influências para criar peças que sejam relevantes, expressivas e únicas. Além disso, estou constantemente a aprender e vou-me encaixando na situação actual sócio-política do continente com mensagens muito claras sobre identidade, paz e valorização da cultura nacional, o que me permite refinar e expandir meu repertório criativo continuamente. São várias colecções, são países diferentes mas a finalidade é a mesma.
ANGOP – Quais foram os maiores desafios que enfrentou na sua carreira e como os superou?
NT – Um dos maiores desafios que enfrentei foi a necessidade de me adaptar rapidamente às mudanças nas tendências da moda e nas preferências das pessoas. A baixa capacitação da mão-de-obra ou especialistas neste sector, infra-estruturas limitadas, a falta de tecnologia específica para as fábricas, a matéria prima de que precisamos, a concorrência de produtos importados que chegam à mão do criador com um custo elevado etc, etc..
Além disso, colaboro com designers e especialistas da indústria para garantir que minhas criações permaneçam relevantes e inovadoras. Adaptabilidade e aprendizado contínuo têm sido fundamentais para superar os desafios ao longo da minha carreira como estilista.
ANGOP – Existe uma diferença entre o seu estilo pessoal e as peças que você cria profissionalmente?
NT – Geralmente, há uma diferença entre o estilo pessoal de um designer e as peças que ele cria profissionalmente. O estilo pessoal de um designer refere-se às suas preferências individuais de moda, influências culturais e estéticas pessoais.
Isso pode incluir as suas escolhas de roupas, cores favoritas, texturas preferidas e assim por diante.
Por outro lado, o estilo profissional de um designer refere-se ao estilo das peças que ele cria para a sua marca ou para os clientes. Enquanto o estilo pessoal pode influenciar o trabalho de um designer, muitas vezes ele precisa de adaptar a sua criatividade e visão pessoal para atender às demandas do mercado, às tendências actuais da moda e às preferências dos clientes.
O estilo profissional muitas vezes exige uma maior consideração para a comercialidade, usabilidade e apelo geral das peças, enquanto o estilo pessoal pode ser mais voltado para a expressão individual e experimentação criativa. A combinação ou o equilíbrio entre os dois é sempre o ideal.
ANGOP – Como se mantém actualizada com as últimas tendências da moda? E até que ponto as tendências influenciam o seu trabalho?
NT – As tendências da moda em geral influenciam sempre o trabalho dos criadores. O nosso trabalho é criar, mas estamos ao mesmo tempo ligados a tudo o que acontece na indústria, desde os desfiles, as pessoas, o que pensam, o que consomem, pois é importante compreender as preferências do público-alvo.
No entanto, eu também acredito na importância de manter a minha voz criativa e autenticidade. O desafio é sempre incorporar elementos das tendências que ressoam com a minha estética e visão pessoal, adaptando-as para criar algo único e relevante para minha marca ou cliente.
As tendências em países como o Senegal ou o Gana não podem ser as mesmas que o Egipto ou Marrocos. Para a marca Nadir Tati ou outra marca africana acabam sempre por vir de uma variedade de fontes.
ANGOP – É uma mulher que se impõe bem naquilo que faz, que conselhos para aspirantes a estilistas?
NT – Esteja preparada para trabalhar duro. A carreira de estilista exige dedicação, trabalho árduo e perseverança. Esteja disposto a enfrentar desafios e a superar obstáculos ao longo do caminho.
Tente estudar! Vá buscar conhecimento e aprimoramento constante. Faça cursos de moda, participe de workshops, leia livros e mantenha-se actualizada com as tendências da indústria.
Desenvolva a sua voz criativa. Explore a sua própria estética e estilo pessoal. Não tenha medo de experimentar e se arriscar para criar algo único e autêntico.
Seja paciente e persistente. O sucesso na indústria da moda muitas vezes não acontece da noite para o dia. Seja paciente, mantenha-se focado nos seus objectivos e não desista diante das dificuldades.
Esteja aberto a receber críticas construtivas e use-as para crescer e melhorar como estilista. Aprenda com os erros e esteja sempre em busca de aprimoramento.
Mantenha-se fiel a si mesmo: Não comprometa sua integridade ou visão criativa para agradar os outros. Mantenha-se fiel a seus valores e ao que torna o seu trabalho único.
ANGOP – Como definiu a identidade e os valores da sua marca? Como comunica isso ao seu público?
NT – Para definir a identidade e os valores da minha marca, comecei por reflectir sobre a minha própria visão, missão e valores pessoais, assim como sobre o que eu gostaria que minha marca representasse. Levei em consideração a história e a cultura africana, buscando inspiração nas tradições, artesanato, cores vibrantes e diversidade do continente.
Com base nesses elementos, elaborei uma declaração de missão e valores que reflectisse meu compromisso com a qualidade, autenticidade, sustentabilidade e inclusão.
Esses valores fundamentais são incorporados em cada aspecto do meu trabalho, desde o design das peças até a selecção de materiais e o processo de produção. Existem sempre histórias significativas por trás de cada colecção, destacando a inspiração africana e o impacto positivo que a minha marca quer alcançar.
Para comunicar a identidade, uso os desfiles, os canais de comunicação como os mídias, as colaborações, etc.
ANGOP – Existe alguma peça que tenha criado que seja especialmente significativa para si Por quê?
NT – Cada criação que desenvolvo é importante para mim porque representa a aplicação bem-sucedida das minhas habilidades e o potencial para inspirar outros criadores. Cada peça é uma expressão do meu processo criativo o que torna cada uma delas significativa em seu próprio direito.
ANGOP – Quais foram os momentos mais altos da sua carreira?
NT – Os momentos mais altos na minha carreira foram a conquista da Medalha de Bravura e do Mérito Cívico e Social; a primeira classe que me foi entregue pelo Presidente de Angola, João Lourenço, Prémio Diva da Moda de Angola; Melhor Designer de Angola, Diploma de Mérito pelo Ministério da Cultura; Prémio da lusofonia e outros prémios que agradeço a todo o povo angolano.
ANGOP - Você é uma artista reconhecida. Vestiu os atletas angolanos durante os Jogos Olímpicos de Tóquio. Como foi essa experiência?
NT – Trabalhar em moda exige muita disciplina. Tenho trabalhado com o objectivo de elevar o nome de Angola além-fronteiras. Internacionalmente, temos conquistado bons resultados e conseguimos despertar a atenção do mundo. Os Jogos Olímpicos foram um palco de uma verdadeira exposição a nível mundial. Tivemos outras como Londres, Óscares em Holywood com Rachel do Congo para a nomeção de melhor filme estrangeiro; Berlim, Macau, Itália e outros pauses que conhecem e aplaudiram a nossa representação.
Aos novos talentos o meu conselho é nunca desistam dos vossos sonhos. Disciplina e foco. É possível trabalhar e atingirmos a excelência, mas primeiro temos que acreditar em nós!
ANGOP - Quais são as peças essenciais que toda a mulher deve ter em seu guarda-roupa?
NT – A famosa Camisa branca que pode ser usada num look formal ou casual. O famoso Blazer seja para trabalho no dia-a-dia ou para sair à noite. Um vestido preto simples e elegante, eu particularmente uso muita roupa africana no meu dia-a-dia, desde as calças que podem ser combinadas com qualquer camisa aos acessórios e sapatos.
A T-shirt básica, a saia lápis que é uma peça clássica que pode ser usada no escritório ou em eventos mais formais, e pode ser facilmente combinada com várias partes de cima.
A minha identidade é um factor importante na forma como me apresento no meu dia-a-dia. E a minha comunicação com o resto do mundo!
ANGOP – Nadir lida com a pressão de criar algo novo e inovador a cada temporada. Conte-nos como é vencer sempre esses desafios?
NT – Lido com a pressão de criar algo todos os dias. Esta é a minha tarefa! Eu crio todos os dias sete dias da semana. Para resultar num trabalho internacional a responsabilidade é muito grande. Estou constantemente atenta a sinais de inovação e sugestões para logo de seguida criar o conceito que pretendo.
ANGOP – Quais são as habilidades mais importantes para um estilista ter sucesso na indústria da moda?
NT – Para ter sucesso na indústria da moda, um estilista deve possuir uma variedade de habilidades que o tornam diferente um do outro.
Criatividade, conhecimento técnico, comunicação, adaptabilidade, atenta a pequenos detalhes, conhecimento de negócios, gestão do tempo. E um mercado muito competitivo em qualquer parte do mundo.
ANGOP – Quais são os erros mais comuns que as pessoas cometem ao vestir-se?
NT – Os Angolanos são por natureza muito vaidosos. Muito atentos às combinações e às escolhas. Alguns dos erros mais comuns que as pessoas cometem e penso que o principal é não conhecer o próprio corpo. Vestir-se de acordo com o tipo de corpo é fundamental para garantir um visual que valorize as características individuais. Outro ponto é as combinações de cores
Às vezes, menos e mais. Misturar muitas cores ou estampas pode resultar em um visual desordenado.
Não considerar o contexto. Nos casos específicos de um funeral, uma festa ou simplesmente para um passeio. Vestir-se de forma apropriada para a ocasião é essencial.
Não prestar atenção aos detalhes como o ajuste das roupas, acessórios e cuidados com a aparência podem fazer uma grande diferença no visual geral.
ANGOP – Como vê o futuro da moda, em Angola, especialmente considerando os avanços tecnológicos e as crescentes preocupações com a sustentabilidade?
NT – Vejo um futuro comprometido e não muito fácil para a moda, em Angola. Independentemente dos avanços tecnológicos e um foco crescente na sustentabilidade serão necessários investimentos na indústria têxtil com a implementação de políticas de incentivo financeiro, subsídios ou créditos com taxas de juros favoráveis, programas de capacitação e assistência técnica e com o acesso cada vez maior à tecnologia.
Com estas condições, os designers angolanos terão a oportunidade de alcançar um público global e experimentar novas formas de criação e produção. Além disso, a consciencialização sobre sustentabilidade está conscientemente a ser praticada por alguns designers africanos principalmente os que vivem na Europa.
Existe uma demanda por práticas mais éticas e ambientalmente responsáveis na indústria da moda, o que pode resultar em uma abordagem mais consciente e colaborativa para o design e a produção de moda em Angola.
A integração desses elementos pode impulsionar a indústria da moda angolana para novas alturas numa combinação perfeita entre a tradição, a inovação e a responsabilidade.
ANGOP – Na sua opinião, qual é o papel da moda na sociedade actual?
NT – A moda é uma arte! A moda desempenha vários papéis importantes. Além de ser uma forma de expressão pessoal, a moda pode ser vista como uma ferramenta para promover a inclusão, a diversidade e a auto-expressão.
Ela desempenha um papel importantíssimo na economia do nosso país. Impulsiona indústrias, cria empregos e influência tendências culturais. Além disso, a moda pode ser uma plataforma para abordar questões sociais, como sustentabilidade e igualdade de género, à medida que mais marcas e consumidores procuram opções éticas e conscientes.
A moda no nosso país acaba também por servir de facilitador nas relações entre países especialmente entre os países africanos.
ANGOP – Quem são seus ícones de moda ou designers favoritos? Eles influenciam o seu trabalho?
NT – Admiro profundamente designers africanos como Laduma Ngxokolo (África do Sul ), Benchellal (Marrocos ). Eles são mestres em capturar a rica diversidade cultural do continente africano em suas criações, utilizando padrões vibrantes, tecidos tradicionais e silhuetas contemporâneas.
Em Angola, estou atenta aos novos talentos da moda. Temos crianças de 12/14 anos com muita vontade de crescer no design e está a ser interessante o trabalho com estes que serão o futuros designers do continente.
Perfil
Nadir Lusiane Casimiro Tati nasceu, aos 2 de Setembro de 1974, na cidade de Luanda, e é mãe de dois filhos.
Desenha moda africana para África e para o mundo inteiro. Angolana, cosmopolita, fala várias línguas e já viveu um pouco por todo o mundo.
Começou a sua história no mundo da moda, dando os primeiros passos como modelo – enquanto residente na Africa- do Sul – e depois como estilista.
Desde pequena que gostava de desenhar e assinar o seu nome em tudo quanto era papel em casa. Tudo começou muito cedo por influência da sua mãe, também costureira.
É a principal referência quando se fala de moda contemporânea, em Angola. Formada em Criminologia, Consultora de Imagem, Desenho de Moda, já trabalhou vários anos como manequim, uma profissão que lhe despertou a paixão pelas artes e pelo mundo da moda.
Ganhou o Prémio de Melhor Criadora de Angola durante quatro anos quase seguidos: 2010, 2011,2012 e 2014. Foi nomeada a Diva da Moda de Angola, em 2011 e 2012. Diva do Momento, em 2012, ano em que arrecadou dois troféus no mesmo evento.
Em 2013, o prestigiado Prémio Sirius – atribuído às personalidades com destaque em Angola – foi atribuído a Nadir Tati pela sua excelência no ramo empresarial e por ter elevado o nome de Angola nas passerelles do Mundo, sendo já considerada pelos jornais estrangeiros como uma das pessoas mais importantes na história da moda africana pelo seu talento, determinação e persistência.
É ainda a primeira estilista angolana e africana a vestir uma actriz de cinema para os Óscares em Hollywood, com Rachel Mwanza, da República do Congo, nomeada para o melhor filme estrangeiro 2013.
Como defensora acérrima das tradições e costumes africanos, Nadir Tati luta diariamente com o objectivo de elevar a moda angolana ao mesmo nível dos outros países como Estados Unidos da América, Alemanha, Coreia, México, Bélgica, Macau, Espanha, Portugal, África do Sul, Moçambique, Quénia, Togo, Tanzânia e outros países que aplaudiram as criações de Nadir Tati.
A criadora que vê nas horas livres o ténis e natação como a sua “terapia”, para além de outras, ganhou, em 2017, o Prémio da Lusofonia, atribuído a personalidades de destaque nos países de expressão portuguesa.
Os trabalhos da estilista angolana são produzidos com base em bordados, transparências, rendas e tecidos africanos. E para a estilista angolana, a roupa é sinónimo de identidade pessoal e autoconfiança. ART/IZ