Luanda - As relações entre Angola e a Coreia do Sul, apesar das inúmeras iniciativas comerciais no ramo da construção naval e comercialização de viaturas, necessitam de ser impulsionadas e diversificadas para outros domínios empresariais e económicos.
Por Victor Manuel, jornalista da ANGOP
A informação foi prestada à ANGOP pelo embaixador de Angola no país asiático, oficialmente República da Coreia, Edgar Gaspar Martins, durante uma entrevista exclusiva, a partir de Seul.
Entretanto, o diplomata acredita que depois da Cimeira Bilateral entre os Presidentes dos dois países, João Lourenço e Yoon Suk Yeol, em Abril último, a cooperação económica começou a ser relançada e aprofundada.
Para Edgar Martins, o encontro ao mais alto nível, criou condições para o estabelecimento de uma plataforma de mudança capaz de relançar a cooperação económica entre os dois estados.
"Temos como prova, aquando da realização da Cimeira Coreia-África 2024, paralelamente ao evento, ter sido possível assinar um Memorando de Entendimento para a melhoria da produção de Arroz em Angola – também denominado K-rice belt", explicou.
Citou, igualmente, o memorando com a seguradora oficial da Coreia do Sul, a Korea Trade Insurance Corporation (K-Sure), com vista a assegurar o financiamento de projectos, em Angola, no sector de energia, com realce para as renováveis.
Na entrevista de perfil à ANGOP, o embaixador abordou, entre outros, os níveis de cooperação existentes depois da visita de Estado do Presidente da República, João Lourenço, realizada a Seul, no passado mês de Abril, com vista ao reforço das relações em vários domínios.
Na capital sul-coreana, João Lourenço manteve um encontro privado com o seu homólogo coreano, Yoon Suk-Yeol, e encabeçou a delegação angolananas conversações oficiais entre os dois países.
Presenciou a assinatura de quatro memorandos de entendimento, ligados aos sectores do comércio, saúde, ordem pública e diplomática para o reforço da relação bilateral.
Eis a íntegra da Entrevista:
ANGOP - Esperamos que esteja de boa saúde e, desde já, agradecemos a disponibilidade em nos conceder esta entrevista de perfil. Queremos, com a mesma, saber mais e de "viva voz" da sua trajectória profissional e, por outro lado, do grau de cooperação entre Angola e a Coreia do Sul, tendo em conta a visita recente do Presidente da República a este gigante asiático.
Senhor embaixador, quem é Edgar Augusto Brandão Gaspar Martins?
Edgar Martins (EM) - Antes de mais, obrigado pelos votos de boa saúde que formula. Desejo-lhe igualmente votos recíprocos.
Pergunta-me quem eu sou? Por norma, não falo de mim na imprensa, mas, excepcionalmente, devo dizer-lhe que sou cidadão angolano, patriota, nascido em Luanda no ano de 1953, casado, desde 1983, tive dois filhos, um dos quais, lamentavelmente, já é falecido e tenho alguns netos. Sou o décimo de onze irmãos e, igualmente, oficial superior do Exército, na reforma.
Fiz os meus estudos primários, secundários e parte do técnico, ainda no período colonial, nas escolas 83, São João Crisóstomo e na Escola Industrial de Luanda, que passou depois a designar-se Instituto Karl Marx-Makarenko, actualmente Instituto Médio Industrial de Luanda (IMIL).
Também pratiquei desporto federado de que sou amante, tendo sido, especialmente, jogador de futebol na agremiação do Terra Nova. Todo esse percurso fi-lo até à altura em que se dá o 25 de Abril de 1974.
No entanto, em consequência da conjuntura em Angola, após o golpe de Estado em Portugal, em companhia de outros jovens patriotas angolanos, em Junho do mesmo ano integrei-me directamente no corpo de guerrilheiros do MPLA, em Ponta Negra, República do Congo. A evolução dos acontecimentos levaram à dissolução, durante o mês de Agosto de 1974, do corpo de guerrilheiros do MPLA, tendo eu, também, ingressado, após a sua proclamação, nas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), na 2ª Região Político-Militar, na província de Cabinda.
Depois de ter trabalhado na 2ª Região Militar no Comissáriado Político do Estado Maior da Região e de grande parte dos companheiros de jornada já terem sido transferidos para Luanda ou enviados à ex-União Soviética (URSS), para efeitos de formação, em 1979 fui transferido para o Regimento Presidencial em Luanda, com a função de Comissário Político do grupo reactivo de artilharia BM-21, na condição de aguardar para a minha ida à ex-União Soviética, também com o intuito de fazer a minha formação superior numa Academia Militar. Lamentavelmente, não tendo sido possível, por razões alheias à minha vontade, não houve alternativa senão solicitar a desvinculação do serviço activo militar das Forças Armadas e, em 1982, com muita pena passei para o quadro de oficiais na reserva. Consequentemente, não tendo sido possível prosseguir a formação superior militar, em 1983 frequentei um curso de Relações Exteriores, ministrado na Escola Nacional do Partido Dr. António Agostinho Neto, na altura, localizada no Bairro Alvalade.
Em resumo, e para concluir a minha resposta, não poderia deixar de realçar e enfatizar três acontecimentos que marcaram, e ainda hoje marcam, a minha vida como cidadão. O primeiro prende-se com a prisão, em 1959, do meu falecido pai, pela PIDE, num dos processos judiciais históricos que ficou conhecido como “O Processo dos 50”, tendo eu, na altura, apenas seis anos de idade.
O segundo, tendo já 15 anos e a frequentar o ensino técnico na Escola Industrial, em 1968, sucede a prisão da minha falecida mãe e de outras 15 companheiras das lides religiosas da Igreja Metodista, pela polícia fascista portuguesa, a PIDE. Neste mesmo ano, o meu pai é condicionalmente solto da cadeia, proveniente do Campo Prisional de Tarrafal, em Chão Bom, Cabo-Verde, e, ao chegar a Luanda, encontrou a mulher igualmente encarcerada na cadeia de São Paulo, actual Hospital Prisão de São Paulo.
O terceiro e último episódio, que me causou muita frustração, foi o facto de não ter podido fazer a minha formação superior militar na ex-União Soviética, como observância e respeito a uma decisão superior do Ministro da Defesa em exercício, na altura, e, se me tivesse sido permitido fazer a formação superior militar, teria contribuído mais para a defesa da nossa soberania, já que considero as Forças Armadas, também, um pilar importante da diplomacia angolana.
ANGOP - Sempre sonhou ser diplomata? Como e quando começou a sua carreira?
EM - Caro jornalista, na resposta anterior poderá encontrar parte desta pergunta que acaba de fazer-me. No entanto, gostaria de lhe dizer, taxativamente, que sempre sonhei em ser um bom oficial, não interessa se superior ou general, como tributo às cadeias sofridas pelos meus progenitores e as agruras passadas pelo povo angolano, na defesa da soberania do país. Portanto, este era o meu maior desiderato.
Quanto ao começo da minha carreira, devo dizer que, logo após ter frequentado, em 1983, a formação em Relações Exteriores na Escola Nacional do Partido possibilitou-me, em 1984, ingressar nos quadros da carreira diplomática do Ministério das Relações Exteriores (MIREX), onde me encontro até ao momento, como embaixador de carreira. Devo dizer que, também, não me arrependo porque encontro-me igualmente a defender o interesse nacional, a soberania de Angola e a representar a nação no exterior do país. Gostaria de abrir um parêntese para informar que, no decurso da minha carreira diplomática, de 1987 a 1992, beneficiei, de algo que pretendia fazer nas Forças Armadas, uma bolsa de estudos do MIREX que me possibilitou licenciar-me em Relações Políticas Internacionais no Instituto Superior de Relações Internacionais Raul Roa Garcia (ISRI), da Universidade de Havana, em Cuba.
Entretanto, ao longo da minha carreira, além de ter passado por todas as categorias diplomáticas existentes e exigidas, já fui director da Direcção dos Recursos Humanos do MIREX, embaixador extraordinário e plenipotenciário da República de Angola no Canadá, de 2015 até 2018, e transferido, em 2019, para a República da Coreia (Coreia do Sul), onde me encontro, até ao momento, em funções.
ANGOP -Se não fosse diplomata o que seria?
EM - Teria sido, com certeza, militar, como afirmei anteriormente, sem desprimor das outras carreiras ou profissões liberais existentes no país.
ANGOP - Chegou a Seul, como embaixador de Angola na Coreia do Sul em 2019. Cinco anos depois, o que mudou nas relações, a todos os níveis, entre os dois países?
EM - O que tem estado a mudar é que as relações de cooperação bilateral, embora não tenhamos ainda realizado a III Comissão Bilateral, têm estado a aprofundar-se e com tendência a, paulatinamente, melhorar. Agora, apraz-me dizer que entre Angola e a Coreia do Sul, apesar das inúmeras iniciativas comerciais no ramo da construção naval e comercialização de viaturas, necessitam de ser impulsionadas e diversificadas para outros domínios empresariais e económicos. Quero acreditar que depois da Cimeira Bilateral entre os Presidentes de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço, e Yoon Suk Yeol, da Coreia, em Abril último, a nossa cooperação económica começou a ser relançada e aprofundada, na medida em que, no actual contexto, a Coreia do Sul pretende reforçar a sua presença em África. Como dizia, o encontro mantido ao mais alto nível, criou condições para o estabelecimento de uma plataforma de mudança capaz de relançar a cooperação económica entre os nossos dois países. Temos como prova, aquando da realização da Cimeira Coreia-Africa 2024, paralelamente ao evento, ter sido possível assinar um Memorando de Entendimento para a melhoria da produção de Arroz em Angola – também denominado K-rice belt - assim como um memorando com a seguradora oficial da Coreia, a Korea Trade Insurance Corporation (K-Sure) com vista a assegurar o financiamento de projectos, em Angola, no sector de energia, com realce para as renováveis.
Não obstante, interessa relevar que a Sonangol E.P. e a DSME (Daewoo Shipbuilding & Marine Engineering) num passado não muito longíquo, desenvolveram vários projectos na área da construção naval e equipamentos para a indústria petrolífera. Desde o estabelecimento da parceria entre as duas empresas em 1995, vários contratos foram também assinados para a implementação de projectos, com particular destaque para a construção de 14 plataformas offshore, 14 petroleiros e 3 navios de GNL. Presentemente esta parceria tem sido levada a cabo com a empresa sul coreana Hyundai Samho Heavy Industries.
Não poderia concluir este segmento, sem me referir à alavanca que a futura Assinatura do Acordo de Promoção e Protecção Recíproca de Investimento (APPRI), uma plataforma jurídica com regras internacionalmente aceites, irá conferir no reforço da promoção do investimento entre Angola e a Coreia do Sul, na medida em que ajudará a reduzir os riscos que poderão existir e, consequentemente, transmitir uma maior confiança aos investidores estrangeiros. O referido acordo encontra-se presentemente em fase de finalização, faltando ajustar alguns pormenores.
ANGOP - Angola e a Coreia do Sul mantêm relações oficiais desde 1992. Podemos considerá-las excelentes? Porquê?
EM - Sendo transparente e objectivo, posso dizer que ainda não atingimos um quadro de excelência, mas os nossos entendimentos e concertações permanentes tendem para aí chegar. Neste domínio, interessa discorrer um pouco sobre o passado, presente e mesmo futuro do nosso relacionamento como parceiros de cooperação: As relações entre a Coreia e Angola foram formalizadas em 1993, com a assinatura do Acordo Geral de Cooperação Técnica e Científica. Desde este período até ao momento, as nossas relações têm registado um incremento significativo, caracterizado, sobretudo, pela assinatura de vários instrumentos jurídicos de cooperação e a troca constante de delegações entre os nossos países, reforçadas por momentos auspiciosos de fluente consulta regular sobre dossiers importantes da vida nacional mútua e internacional de interesse bilateral, a exemplo do que aconteceu nas eleições de ambos os países para membros não permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
À guisa de conclusão, aproveito ainda para destacar que as nossas relações bilaterais, desde a visita efectuada à Coreia, em 2001, pelo falecido Presidente José Eduardo dos Santos, agora reforçadas e relançadas com a recente visita oficial do Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, em Abril de 2024, isto é, estes dois marcos, permitem-me afirmar que a Coreia e Angola continuam a aprofundar os laços de amizade e de solidariedade, assim como de cooperação multifacetada em importantes domínios das nossas economias com vantagens recíprocas.
Partindo de um quadro mais abrangente, poderei destacar, com pertinência, a forma como a República da Coreia definiu e partilhou visões sobre a realidade do continente africano. Neste capítulo, interessa realçar e destacar a grande iniciativa, com reflexos profundos no estreitamento das relações estratégicas de cooperação económica com o continente africano, a materialização em Junho, do corrente ano, da realização da Cimeira Coreia África 2024, que se transformou num importante marco histórico, demonstrativo do compromisso da Coreia, ante os inúmeros desafios que os países africanos têm estado a enfrentar para fazer face à concretização dos seus programas de desenvolvimento até 2063.
ANGOP - O Chefe de Estado, João Lourenço, efectuou uma visita oficial à Coreia do Sul, em Abril último, os dois Estados assinaram vários acordos bilaterais e realizou-se um fórum económico comum, o que mudou de facto depois desses acontecimentos?
EM - Como deve saber, as mudanças têm timings, isto é levam algum tempo. Por exemplo, quanto à assinatura dos acordos, as chancelarias dos dois governos têm estado a criar condições para a implementação prática dos mesmos. Os resultados da visita já têm permitido capitalizar algumas janelas de oportunidades, como é o caso de uma maior abertura e diálogo entre o Korea Eximbank e as instituições angolanas afins, visando a maximização do acesso aos fundos de investimento da Coreia na base de linhas de crédito, não obstante outras acções que já têm sido levadas a cabo por diversos departamentos ministeriais do nosso Executivo.
No que tange ao Fórum Económico, além de ter sido uma oportunidade de discussão de mecanismos e forma de alargar o ambiente de cooperação empresarial entre os dois países, já tem estado a permitir estabelecer novas linhas orientadoras para o reforço da cooperação multifacetada. Como sabe, durante o fórum, foi assinado um Memorando de Entendimento (MOU) entre a Agência de Promoção do Investimento Comercial da Coreia do Sul (KOTRA) e a Agência de Investimento e Promoção do Exportações de Angola (AIPEX), sua congénere angolana, para facilitar parcerias e proporcionar o comércio e o investimento que, certamente, já estará a ser operacionalizado por ambas as instituições homólogas.
À guisa de conclusão, faço questão de ressaltar um marco que considero importante nos planos futuros de uma cooperação económica entre Angola e Coreia. A referência feita pelo Presidente Yoon, destacando o facto de Angola ser rica em recursos naturais e ter uma elevada proporção de população jovem e a Coreia ter excelentes capacidades tecnológicas e experiência de desenvolvimento económico, factores que servirão de "leitmotiv" para o aprofundamento da cooperação em vários sectores, em particular no sector das energias renováveis entre os dois países.
ANGOP - Durante a sua visita a Seul, o Presidente João Lourenço convidou o seu homólogo, Yoon Suk-Yeol, para participar das comemorações dos 50 anos da independência nacional. Tem alguma indicação da presença do Presidente sul-coreano?
EM - Sabe, senhor jornalista, que assuntos de tão alta relevância têm regras próprias de tratamento. Normalmente são tratados por canais diplomáticos adequados. A seu tempo você saberá.
ANGOP - Empresas como a Hyundai, Samsung e LG, só para citar estas, são oriundas da Coreia do Sul. Para quando teremos um desses gigantes a produzir em Angola?
EM - O mundo actual está cada vez mais tecnológico. Nas sociedades desenvolvidas, todos os sectores da economia e indústria fazem uso da tecnologia, de alguma maneira ou de outra, para aumentarem a sua produtividade. A Coreia do Sul não constitui excepção. Na verdade, dado o alto desenvolvimento tecnológico da Coreia do Sul, todas as grandes indústrias usam tecnologia de ponta. E um dos seus elementos essenciais, aliás que é vital para o desenvolvimento industrial, é a prossecução da eficiência. A relação entre eficiência e tecnologia de ponta induz as grandes corporações a favorecerem trabalhadores mais qualificados, uma vez os sectores que trabalham com tecnologia de automação industrial, como é o caso das empresas que citou, tenderem a procurar competências provocadas pelo progresso tecnológico. É assim que muitas empresas que a embaixada tem tentado compelir a montar as suas unidades fabrís em Angola colocam-nos a questão da exiguidade de quadros altamente qualificados, no nosso país, nos ramos técnicos para manejar os seus equipamentos que usam altas tecnologias.
Também é verdade que muitas destas grandes corporações têm privilegiado emigrar as suas empresas para as grandes e mais importantes economias ou para países pertencentes a blocos económicos mundiais, que nós conhecemos, para além da região da Ásia, por razões culturais, de proximidade, assim como pelo seu grande investimento na formação de quadros nos ramos técnicos.
ANGOP - Entre os vários investimentos sul-coreanos em Angola, destaque para o futuro Centro Industrial de Tecnologia Avançada. O senhor embaixador pode nos falar mais sobre este projecto?
EM - Este projecto foi concebido no quadro das diferentes modalidades de cooperação institucional, entre os nossos dois governos, ao abrigo do Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento Económico (EDCF) da Coreia do Sul e, através deste, financiado pelo Eximbank da Coreia do Sul. Os termos e as condições de financiamento propostos pelo banco foram bastante atractivas e vão ao encontro da estratégia de financiamento do governo angolano já que possuem taxas de juros mais reduzidas e períodos de maturidade mais alargados. Gostaria de abrir um parênteses para ressaltar que o Centro Industrial de Tecnologia Avançada não é o único projecto financiado pelo Korea Eximbank. No período que vai desde 1998-2021 foram executados nove projectos e outros continuam em curso e, após a visita presidencial à República da Coreia um novo pacote financeiro está em negociação, visando a implementação de outros novos projectos. Relativamente a este Centro Industrial, que está sob a superintendência do Ministério da Indústria e Comércio de Angola, está preconizada a sua conclusão e entrega do projecto ao dono da obra, isto é ao Governo angolano, brevemente. Recordo que o centro está a ser feito na modalidade conhecida como BOT-Build Operate and Transfer (Construir, Explorar e Transferir) no âmbito dos vários processos de cooperação entre Angola e a Coreia do Sul. Trata-se de um projecto que possibilitará a formação de quadros angolanos de nível técnico diversificado e de qualidade, sem dúvidas com valências que aconselham a sua replicação para outras províncias angolanas, na minha modesta opinião.
ANGOP - Quais são as perspectivas na cooperação entre os dois países?
EM - Como temos vindo a afirmar ao longo da entrevista, a recente visita oficial realizada à Coreia do Sul, por sua excelência o Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, fez disparar as perspectivas de cooperação entre Angola e a Coreia, bem como possibilitou que as mesmas se abrissem consideravelmente. Com esta aferição, atrevo-me a ir mais longe e dizer que a Coreia do Sul, hoje, tem tudo para gerar boas parcerias em Angola e as suas empresas e empresários constituírem-se como mais valia para os empresários angolanos, com adequadas condições de se estabelecerem, no nosso país. De referir que, atendendo o ambiente agora criado, além de alguns sectores, já tradicionalmente existentes no nosso mercado, ao abrigo de vários projectos de cooperação, abrem-se perspectivas de alargamento da cooperação no domínio militar, do sector das tecnologias de informação e comunicação, nomeadamente Inteligência Artificial (IA), gestão aduaneira, agricultura, indústria transformadora, saúde e no ramo automóvel. Portanto, as perspectivas e oportunidades de investimento entre os dois países são muitas e variadas. Apesar do petróleo e gás ser ainda o sector com maior peso na economia angolana e na nossa cooperação, penso que os investidores sul-coreanos devem ser capazes de identificar as melhores oportunidade em Angola, estruturar os seus investimentos em função dos objectivos de negócios e das exigências locais e adoptar as medidas necessárias a melhor salvaguarda dos seus investimentos.
ANGOP - Para quando a criação de uma Câmara de Comércio Angola/Coreia do Sul?
EM - Quanto a esta questão, deixa-me dizer, com alguma inconfidência, de que num passado recente existiram algumas manifestações ou intenções por parte de alguns grupos ou associações empresariais sul-coreanas em criar uma estrutura conjunta como tal, começando, naturalmente, pela criação de uma comissão instaladora com o intuito depois de evoluir para a Câmara de Comércio e Indústria Angola/Coreia. Diga-se, em abono da verdade, destas manifestações de intenção, algumas feitas por escrito não foram correspondidas, com a agilidade e motivação, por parte das nossas estruturas empresariais ou associações afins. Acho que não devemos encontrar culpados nem apontar defeitos, o que talvez devemos fazer é continuar a desenvolver acções concretas que visem estimular os empresários sul-coreanos a visitarem Angola e realizarem investimentos de natureza privada no nosso país, tendo em atenção estes desafios que são também cruciais para a materialização deste desiderato.
ANGOP - A Agência de Cooperação Internacional da Coreia (KOICA) é uma instituição que tem por objecto ajudar projectos de forma não reembolsável, Angola beneficia dessas ajudas?
EM - Sim, quanto aos programas de Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA) - como são os da Agência de Cooperação Internacional da Coreia (KOICA) - desde 1991 que Angola beneficia destes fundos, tendo usufruído, até ao ano de 2021, num valor total de USD 14.900.000 (Catorze milhões e novecentos mil dólares norte-americanos). Os projectos centraram-se, fundamentalmente, no apoio à capacitação institucional de organismos públicos angolanos, como é o caso do MIREX, a projectos de formação de professores, reforço da capacidade tecnológica para a criação de recursos pesqueiros em Angola, parcerias público-privadas direccionadas a actividades relativas à prevenção do HIV/SIDA da Save the Children, projectos de apoio à formação de consciencialização, apoio ao corpo de voluntários para combate às doenças sexualmente transmissíveis e ajudas humanitárias.
É também importante referir que o plano de assistência em 2022 teve um pacote financeiro de USD 470.000 (Quatrocentos e setenta mil dólares norte-americanos), destinado à capacitação de professores e um curso de mestrado em gestão de aviação.
No entanto, cabe referir que estas ajudas diminuíram consideravelmente nos últimos anos, talvez devido ao facto da nossa elevação a país de rendimento médio, situação que deve ser revista porquanto Angola solicitou uma moratória em relação a este pedido de elevação a esta categoria.
ANGOP - Quantos sul-coreanos visitaram Angola e quantos coreanos visitaram a Coreia do Sul, nos últimos cinco anos?
EM - Atendendo que Angola, de forma unilateral, eliminou a obrigatoriedade de apresentação de vistos de entrada para cidadãos de alguns países, dos quais se inclui a Coreia do Sul, os sul-coreanos deixaram de vir à embaixada para solicitação de vistos. Portanto, estes dados podem ser obtidos, mais fielmente, junto dos serviços migratórios de Angola, que fazem o controlo de entradas e saídas de passageiros e dos respectivos países. No entanto, os dados estatísticos compilados por esta embaixada indicam que de 2019 a 2022 um total de 90 representantes de empresas sul-coreanas deslocaram-se a Embaixada de Angola em Seul para solicitar vistos de entrada para Angola, com destaque para empresas como a LG Electronic, DSME e Daedong Industrial, com o fito de estabelecerem contactos e efectuar prospecção de mercado. Sabemos, no entanto, que a LG e a Hyundai têm representantes em Angola, mas apenas para comercializar os seus produtos, situação que temos procurado alterar, atendendo a nossa ainda fraca capacidade de empregabilidade no país.
ANGOP - Como os sul-coreanos enxergam Angola, do ponto de vista cultural, económico e turístico?
EM - Quanto a esta pergunta, vou cingir-me aos aspectos culturais e turísticos, uma vez que, ao discorrer a entrevista, fui abordando a questão económica e a forma como vêem e sentem Angola neste domínio. Assim sendo, do ponto de vista cultural e turístico, em jeito de introdução, começo por dizer que Angola é uma nação rica em diversas expressões culturais e criativas. Com uma população bastante jovem, Angola apresenta um enorme potencial para produção cultural e criativa. Existe um Acordo de Cooperação Cultural entre o Governo da República de Angola e o Governo da República da Coreia, com vista a promoção de intercâmbios culturais entre os dois países. Este acordo tem permitido à Embaixada da Coreia do Sul promover festivais de K-POP em Luanda, bem como competições de Taekwodo, em que participam muitos jovens angolanos. O mesmo acordo viabilizou igualmente a assinatura de um acordo específico entre a embaixada sul-coreana em Angola e a Televisão Pública de Angola (TPA), que tem permitido a divulgação de alguns conteúdos sul-coreanos nesta televisão angolana.
De nossa parte, a embaixada tem promovido e participado em diversas actividades de índole cultural e recreativas realizadas neste país, visando incrementar o intercâmbio cultural entre Angola e a Coreia do Sul. A Missão Diplomática de Angola tem igualmente, com o mesmo propósito, participado em diversos ciclos de cinemas realizados na Coreia que têm contribuído para mostrar a realidade cultural e histórica de Angola. Mais recentemente tivemos um grupo de dançarinos angolanos envolvidos no Festival de Cultura Africana, promovido, nos dias 10, 11 e 12, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Coreia, em parceria com as embaixadas africanas aqui acreditadas, em comemoração ao dia de África e em antecipação à Cimeira Coreia-África que decorreu, no passado mês de Junho. A realização destes eventos têm sido igualmente uma excelente oportunidade para a promoção da cultura angolana, divulgação da nossa música, dança e costumes.
ANGOP - Para terminar, gostaríamos de saber, quantos angolanos vivem na Coreia do Sul? O que fazem?
EM - Com excepção daqueles nomeados para trabalhar na embaixada e seus familiares, na Coreia do Sul vivem 63 angolanos que, maioritariamente, chegaram como estudantes, sendo 71% do sexo masculino e 29%, do feminino. Destes 63, temos 20 menores de idade, 21 trabalhares, 10 desempregados, 9 a frequentar o ensino universitário, enquanto 3 são recém-graduados. Devo esclarecer que muitos incluídos na lista de trabalhadores são estudantes que concluíram a sua formação e, por razões diversas, optaram por fixar residência neste país. Entre os estudantes, alguns beneficiaram de bolsas de estudo oferecidas por instituições locais e outros, num número bastante reduzido, devido ao elevado custo de vida neste país, encontram-se a estudar por conta própria, com apoio de familiares em Angola ou trabalhando.
Da nossa parte, e aproveitando os vários projectos de Angola na área de construção naval e equipamentos para a indústria petrolífera que têm sido materializados por empresas sul-coreanas, inicialmente pela DSME (Daewoo Shipbuilding & Marine Engineering) e actualmente pela Hyundai Samho Heavy Industries, que já construiu dois grandes navios tanques para a Sonangol, gostaríamos que estas empresas pudessem acolher no seu quadro de pessoal estudantes angolanos a residirem na Coreia do Sul e que já tenham terminado os seus estudos, por forma a dotá-los de conhecimentos técnico-profissionais na área e servirem de futuros quadros e especialistas do sector em Angola.
Na mesma linha, também, em tempos, propusemos a esta última empresa, a possibilidade de providenciar, no quadro da sua responsabilidade social, treinamento profissional a quadros angolanos do sector da Marinha Mercante, com cursos de especialização no domínio de máquinas, condução e isnstalação de máquinas dos navios, manuseio de equipamentos de convés, de navegação e de comunicação de bordo e formação no domínio marítimo e navegação.
A nosso ver, isso permitiria, no futuro, que a manutenção dos equipamentos que são aqui produzidos fossem assegurados por estes quadros angolanos aqui formados, assim como de outros, numa perspectiva de esta importante empresa sul-coreana não se limitar a construir somente os navios, mas também, pensar numa vertente de Parceria Público-Privada (PPP) ou investimento directo privado, optando por deslocalizar e montar fábrica em território angolano, com possibilidade de cobrir, com serviços do género, a África Austral, Central e o continente. VIC/ADR