Luanda – O artista plástico angolano Guilherme Mampuya defende que as autoridades angolanas devem fazer maior investimento nas artes, de forma a impulsionar a divulgação, a preservação, a valorização e a perpetuação da história de Angola.
Por:Venceslau Mateus
Em entrevista à ANGOP, Mampuya afirma que o Estado e os actores privados têm de ter uma visão futurista para o mundo das artes em Angola, no sentido de as próximas gerações poderem, também, “beber” dos feitos do passado.
O criador, que há 15 anos abandonou o conforto de um escritório de advocacia para se dedicar por inteiro às artes plásticas, aponta para a necessidade da criação de galerias e oficinas para os artistas plásticos.
Formado em Direito Comercial, Guilherme Mampuya passa em revista, nesta entrevista, o seu dia-a-dia, bem como o estado actual do país e do mundo das artes, em particular.
Eis a íntegra:
ANGOP: O mundo atravessa, há mais de um ano, uma crise sanitária, económica e social sem precedentes, com repercussões graves em quase todos os sectores. Diante desse contexto, como tem conseguido fazer cultura e arte?
Guilherme Mampuya (GM) - O ano 2020 foi, realmente, muito difícil para todos os angolanos. Muito sinceramente, fiquei tão assustado no princípio. Tal como nos demais segmentos, o mundo das artes, em geral, foi profundamente abalado com as limitações impostas para se fazer face à Covid-19, mas, felizmente, depois do susto inicial, consegui dar volta, visto que foi neste período que mais trabalho tive. Recebi inúmeros pedidos para a produção de obras exclusivas e deu para aguentar ao longo do último ano. De forma geral, foi um ano para esquecer. Pesou para todos, sem distinção. Agora podemos enquadrar-nos no actual momento e saber viver mesmo dentro das limitações e restrições impostas pelo Governo.
ANGOP - Qual tem sido o impacto da Covid-19 na sua agenda?
GM - A grande dificuldade foi a aquisição de material. O encerramento das fronteiras impactou, e muito, no processo de importação da matéria-prima. Tive alta demanda ao longo de 2020, e isso aumentou o uso de material, levando a que fosse obrigado a recorrer a pessoas amigas que estão no exterior, no sentido de comprarem o material. Noutras situações, há colegas dentro do país a pedirem material emprestado, só para poderem responder à demanda que tive. Angola não produz o material que usamos, e a solução é mandar vir de fora. Felizmente, consegui manter-me o mercado.
ANGOP- Diante de tantas contrariedades, é possível falar em futuro promissor da cultura angolana, em geral, e das artes plásticas, em particular?
GM - É possível, desde que se faça uma aposta muito forte. Temos de trabalhar muito. Precisamos de mais ousadia, empenho e abnegação de todos os criadores. Não adianta olharmos para o mercado de forma individual, devemos ter uma visão holística e pensar juntos para o rumo de que necessitamos. As actuais condições tornam o processo ainda mais difícil, mas, com força de vontade, podemos levar adiante o projecto cultural. A cultura angolana é muito rica e diversificada e com forte presença. Só temos de saber direccionar a nossa acção, para a concretização dos projectos traçados.
ANGOP - Que alternativas tem tido para continuar a fazer da arte fonte de renda?
GM - Desde que entrei no mundo das artes, não me tenho limitado a pintar telas em acrílico ou sobre óleo. Faço pintura, trabalho de porcelana, pintura mural e trabalho sobre tecido. Tentamos investir em várias outras áreas e criar várias fontes de receitas.
ANGOP – Antes de aprofundarmos mais sobre a sua vida artística, permita-nos solicitar-lhe uma análise frontal sobre o estado das artes plásticas em Angola.
GM – Felizmente, já temos um Instituto Superior de Belas Artes. Com mais investimento do Estado ou do privado, vamos conseguir levar a bom porto as artes plásticas angolanas. A principal aposta deve passar pela abertura de galerias e oficinas, para que os criadores angolanos possam mostrar o resultado do trabalho feito ao longo dos anos, como forma de incentivo, valorização e incutir nos angolanos o gosto pelas artes plásticas.
ANGOP – Fale-nos, detalhadamente, sobre si. Quem é, afinal, Guilherme Mampuya, enquanto cidadão comum?
GM - Guilherme Mampuya é um homem comum como qualquer outro angolano. Começo a trabalhar às 04h00 da manhã, por ser o melhor momento de inspiração para pintar. Procuro estar sempre nos momentos mais importantes da família. Sou um chefe de família e um artista comprometido com a Nação, um artista que procura, com o seu trabalho, contribuir para o engrandecimento de Angola.
ANGOP - Quando e como começou a sua caminhada pelo mundo das artes?
GM - A minha caminhada pelo mundo das artes começou em 2006. Estamos a falar de 15 anos desde que decidi entrar no mundo das artes. Sou formado em Direito Comercial, mas o chamamento pelas artes foi mais forte. Deixei tudo quanto fazia e abracei a carreira artística. E muito sinceramente, não estou arrependido pelo caminho seguido. Sou feliz com o que faço e é daí que tiro o ganha-pão.
ANGOP - O que fez com a sua primeira obra?
GM - Já não me lembro do que fiz com o dinheiro adquirido, mas lembro-me de que, depois de pintar um conjunto de quadros, os levei para a Praça do Artesanato, a fim de os vender. Para o meu espanto, todos os quadros voaram num abrir e fechar de olhos, motivando a minha forte aposta nas artes plásticas.
ANGOP- Em média, quanto tempo leva para pintar um quadro?
GM - A questão não é o tempo para pintar, mas, sim, o tempo para conceber uma obra. Pintar uma obra leva dois dias, mas concebê-la é mais complicado. Levo cerca de 10 dias para concebê-la, pensar e materializar o que pretendo em cada obra.
ANGOP - Qual tem sido a fonte de inspiração para o seu trabalho?
GM - As vivências diárias, o sentimento de desespero, alegria, amor, paixão pelas pessoas. Há muitas fontes de inspiração, mas Deus tem sido a grande inspiração.
ANGOP - O que representam, para si, as artes plásticas?
GM - As artes plásticas são a minha vida, o meu modo de expressão, de pensar, a minha respiração. Não consigo falar, cantar ou ser um político, mas a arte de pintar permite expressar o que sinto.
ANGOP - Entre a realidade e o imaginário, o que mais lhe dá prazer de pintar?
GM - Como artista, tento moldar o imaginário, pinto o que vejo no imaginário. Vivemos num mundo onde as duas expressões se complementam. Não tem como desassociar. Vivo no imaginário, porque tento converter a dor das pessoas em alegria. Vejo o mundo como um local colorido, onde há dor, mas curável com a intervenção de um médico. A minha arte permite consolar as pessoas.
ANGOP - O mercado angolano não possui matéria-prima para o trabalho que desenvolve. Como consegue ter em dia o seu stock de trabalho?
GM - O material usado vem de Portugal. Tenho fornecedores em Lisboa, com uma relação de mais de 10 anos.
ANGOP – Certamente, muita gente deve estar curiosa para saber quanto custa uma obra de Guilherme Mampuya. Quer matar essa curiosidade agora?
GM - Os preços variam muito de obra para obra, mas uma colecção limitada custa à volta de três milhões de kwanzas. O preço varia muito pelo tamanho do quadro, visto que, quanto maior for, mais produtos se gasta na produção, encarecendo, também, o seu preço.
ANGOP - Que projectos tem preparados a curto e médio prazos?
GM - Estou a criar uma colecção num museu. Tenho muitas obras acumuladas que devem estar expostas para o público, mas a ideia é também publicar/expor trabalhos de outros criadores. A longo-prazo, tenho em mente a criação de um panteão em Catete.
Perfil
Artista plástico com obras espalhadas pelo mundo, Guilherme Mampuya é licenciado em Direito pela Universidade de Kinshasa (República Democrática do Congo) e tem formação em Pintura básica pelo Ateliê de Avelino Kenga.
Aderiu à União dos Artistas Plásticos Angolanos (UNAP) em 2005, com exposições regulares. Guilherme Mampuya, como é conhecido nas lides das artes plásticas, nasceu na província do Uíge, a 4 de Novembro de 1974.
O percurso de Mampuya é marcado por várias exposições individuais e colectivas dentro e fora de Angola, com passagem por Lisboa e Bruxelas (Bélgica), na Galeria “Lumieres d’Afrique”.