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Plano Estratégico em Saúde da CPLP deve ser promovido – Filomeno Fortes

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  • Luanda • Sábado, 31 Julho de 2021 | 21h51
Filomeno Fortes, director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT)
Filomeno Fortes, director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT)
Pedro Parente

Lisboa – O angolano Filomeno Fortes, director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT), aponta que uma das soluções para a saúde na CPLP está ligada aos cuidados primários nas componentes das doenças endémicas e na luta contra as negligenciadas.

Filomeno Fortes falou à Angop da importância do Plano Estratégico em Saúde da CPLP, os planos de cooperação com os PALOP e o desgaste físico e mental do pessoal do IHMT, causados pelas nuances da Covid-19.

Defende, no entanto, a revisão desse mesmo Plano Estratégico da CPLP, na base da implementação dos cuidados de saúde primários, da adequação dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (Agenda 20-30), mas principalmente da actualização da situação sanitária actual dos países da CPLP face à pandemia da Covid-19.

Numa entrevista à jornalista Elizabeth Matias da Angop, a partir de Portugal, único estrangeiro a dirigir o IHMT, o doutor em Ciências Biomédica pela Universidade Agostinho reportou que a sua instituição tem participado e promovido cursos de manejo integrado de malária com Angola e outros integrantes dos PALOP.

Por Elizabeth Matias

Angop – DR Filomeno Fortes, cerca de dois anos à frente dos destinos do IHMT, como caracteriza o seu estado?

Filomeno Fortes (FF) - Actualmente, tenho domínio, com maior clareza e profundidade, do grande potencial e os pontos fracos do Instituto. Priorizo o reforço da sua missão como Instituição de referência na Saúde Global nas áreas das doenças tropicais, da biomedicina e da saúde internacional. É uma unidade orgânica da Universidade Nova de Lisboa com características especiais, de projecção nacional e internacional, a começar pelos seus mais de 100 anos de existência. Tem uma estrutura organizativa e funcional complexa, mas está preparada para os desafios dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, dos fenómenos da globalização e da pandemia Covid-19.

Angop - Como avalia os programas de saúde a nível da CPLP?

FF - Os programas de saúde a nível dos países da CPLP têm características diferentes de enquadramento, organização e implementação. Dependem da sua posição regional, das características geomorfológicas e políticas dos países (Europa, África, América do Sul, Ásia) e do nível de desenvolvimento dos determinantes de saúde (políticos, económicos, sociais e culturais).

Em África, à excepção de Cabo Verde, o perfil sanitário é dominado pelas doenças transmissíveis, com fracas coberturas sanitárias, carência de recursos humanos e técnicos, baixo investimento do OGE na área da saúde, pouca investigação, malnutrição, problemas de higiene e saneamento do meio, entre outros.

Estes factores fazem com que os programas tenham muitas debilidades, que as taxas de morbilidade e de mortalidade sejam elevadas e a esperança de vida seja baixa. Considero que apesar de todos os esforços feitos pelo Secretariado da CPLP, a resposta e o engajamento dos países na implementação do Plano Estratégico da CPLP (PECS) para atenuar esta situação tem sido muito lenta, a capacidade de financiamento insignificante para os desafios e objectivos esperados, assim como a articulação entre os países bastante frágil. Nesta abordagem, tem de se ter em conta as assimetrias referenciadas e a importância do papel da diplomacia na saúde global.

Angop - Que inovações foram introduzidas desde que assumiu o cargo até à presente data?

FF- A “primeira inovação” foi de procurar manter e valorizar a resposta dinâmica institucional que encontrei, criada ao longo de décadas. A segunda foi de adaptar a funcionalidade do Instituto às dificuldades criadas pela pandemia Covid-19 na biossegurança, na adequação do sistema de ensino e no reforço da investigação em curso. A terceira inovação foi a implementação de acções de apoio ao controlo da pandemia em Portugal e nos países de língua oficial portuguesa. Igualmente, foi assinado um protocolo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal, no sentido do IHMT-NOVA assumir o desafio de ser anfitrião do Projecto da UNESCO Ciência-LP.

Trata-se de uma iniciativa em língua portuguesa que envolve consórcios de atribuição de bolsas de estudo para formação nas áreas da engenharia, ciências agrárias, ciências naturais e biodiversidade, saúde pública e ciências da vida. Mais recentemente, o Instituto inaugurou um insectário de alta segurança com características internacionais (para estudos com vectores de doenças como o mosquito, mosca tsé-tsé, etc.) e lançou uma plataforma digital sobre imunização e vacinação designada “Plataforma Imune.pt”.

Esta plataforma, em língua portuguesa, tem como objectivo contribuir para a informação das dinâmicas da vacinação com informação cientificamente comprovada e em linguagem simplificada, combatendo as “fake news” e melhorando a literacia das comunidades em relação a esta matéria.

Angop - Aquando do seu empossamento (Setembro de 2019), o director voltou a defender o reforço do prestígio Nacional e Internacional do instituto, bem como as parcerias com os PALOP, como acha que isto deve ser feito?

FF - Considero importante a valorização dos recursos humanos a nível da docência, do ensino e da prestação dos serviços à comunidade, através da sua participação em acções de âmbito nacional e internacional, da promoção das carreiras e de investigação e da implementação de projectos inovadores, como por exemplo o desenvolvimento da epidemiologia molecular ou o trabalho com comunidades emigrantes ou deslocadas.

A melhoria constante da qualidade de ensino do nível pós-graduado (mestrados e doutoramentos), o incremento de formações de curta duração nas áreas da saúde internacional, biomedicina e da medicina tropical e da prestação de serviços à comunidade, incluindo a medicina do viajante e a consulta de medicina tropical, são igualmente contributos fundamentais. A consolidação e incremento de parcerias a nível nacional e internacional, entre as quais a OMS, o desenvolvimento de protocolos com Universidades e hospitais de referência serão uma mais-valia.

A divulgação e a promoção do acervo museológico do Instituto são essenciais. O IHMT-NOVA possui material científico e cultural histórico sobre doenças tropicais que merece ser partilhado. Os Anais da Medicina Tropical, uma revista científica do Instituto, representa uma ferramenta de publicação de trabalhos científicos sobre a medicina tropical, como constitui igualmente um manancial científico retrospectivo de grande interesse para a comunidade científica da CPLP.

Angop - A nível de quadros, como o IHMT está servido e o que representa isso para o DR?

FF - O IHMT-NOVA tem uma plêiade de quadros multidisciplinares de grande valor técnico-científico e pedagógico, com 60% de professores/investigadores, 27% de técnicos superiores e 13% de assistentes operacionais. A presença do género feminino é muito forte, representando 64%.

A pressão do trabalho e os desafios exigem um incremento do número actual de quadros e a média das faixas etárias determinam a necessidade de um investimento em pessoal mais jovem (apenas 19% tem menos de 40 anos). Uma forma de valorizar esta componente é sem dúvida o engajamento de profissionais experientes dos PALOP nos grupos de investigação e de ensino do IHMT-NOVA.

Angop – O senhor é especialista em Malária e doenças tropicais. Que contributo Angola e outros países da CPLP, que enfrentam esse tipo de problemas, pode esperar de si?

FF - Uma das prioridades neste momento é dirigida à promoção da importância do Plano Estratégico em Saúde da CPLP, com destaque para os cuidados de saúde primários nas componentes das doenças endémicas (malária, tuberculose e VIH/SIDA-Doenças Sexualmente Transmissíveis), na luta contra as doenças negligenciadas, sobretudo na oncocercose (cegueira dos rios), doença do sono, filarioses e schistosomose (bilharzíose). Outra prioridade é o diagnóstico diferencial das doenças febris que incluem a malária, dengue, Chicungunya e leptospirose. O IHMT-NOVA tem capacidade técnico-laboratorial para formação e investigação destas matérias.

A nível da malária, o Instituto acabou de ter aprovado um mestrado em entomologia (especialidade da biologia que estuda os insetos sob todos os seus aspectos e relações com o homem, as plantas, os animais e o meio-ambiente) e controlo de vectores que vai ser implementado a partir de 2022 nos países da CPLP. A formação em doenças parasitárias é outra prioridade, estando a ser preparadas as condições para implementação de um mestrado em parasitologia médica com a Universidade Katyavala Bwila, em Benguela, a partir deste ano.

Ainda sobre malária, o IHMT já tem participado e promovido cursos de manejo integrado sobre esta doença com Angola e outros países dos PALOP. Tradicionalmente, o IHMT implementa cursos de especialização e de mestrado em saúde pública. Estes cursos devem ser extensivos a todos os PALOP (neste momento temos um a decorrer em Cabo-Verde). O IHMT-NOVA é parceiro da Universidade Agostinho Neto na implementação do primeiro doutoramento em ciências biomédicas com um grande foco para as doenças tropicais.

Preconizamos a constituição de uma Rede Virtual de Medicina Tropical em Português (ReDTroP), cujo objectivo será de estabelecer e manter um "site" e um sistema de telemedicina que permita uma interacção eficaz entre profissionais de saúde que lidam com os problemas ligados às Doenças Tropicais, Medicina das Viagens e Saúde dos Migrantes, em Portugal e no espaço lusófono.

Angop - Face à pandemia que o mundo, em particular Portugal, enfrenta, como tem sido o desempenho das vossas actividades?

FF - A pandemia da Covid-19 tem representado um importante desafio à capacidade do IHMT-NOVA nos domínios organizativo (biossegurança), implementação de projectos de investigação com países da CPLP, formação à distância (através de webinares), mobilização de equipamento tecnológico para diagnóstico de PCR e de material de biossegurança para apoio a países da CPLP. O desempenho tem sido muito bom, o espírito de equipa e de sacrifício tem prevalecido, sendo no entanto de referir, que a sobrecarga que caiu sobre os nossos especialistas tem provocado um certo desgaste físico e mental.

 Angop- Quantos projectos o instituto tinha planeado e, face à Covid-19, a sua execução ficou comprometida?

FF- A Covid-19 teve um efeito estimulante no IHMT-NOVA. Em 2020, o Instituto ultrapassou os resultados de 2019. Por exemplo, para além de 54 projectos de investigação de auto financiamento em curso, foram acrescidos mais 20 e obtidas cinco (5) patentes. Em termos de publicações, houve um aumento de 12% (202 publicações) com 28% classificadas no TOP com um nível de impacto de 1.30. Todos os ciclos de formação foram e estão a ser cumpridos. Foram adicionadas formações como a biossegurança e resposta a situações de emergência. O processo do Centro Ciência LP continua em desenvolvimento e aguarda-se que em 2021 e 2022 Portugal receba algumas dezenas de bolseiros nas áreas identificadas neste projecto. O Instituto está a apoiar a Guiné-Bissau com um projecto de reforço do sistema de saúde financiado pela União Europeia que pode ser replicado com outros países da CPLP, enquadrando a Revisão do Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário, o Plano de Desenvolvimento de Recursos Humanos, Especialização em Saúde Pública, entre outros. Recentemente, o IHMT-NOVA apoiou a Universidade Privada de Angola na realização do seu primeiro Congresso Internacional de Medicina, que foi um êxito absoluto.

Angop- Os programas de saúde, a nível da CPLP, foram revistos devido à pandemia ou mantêm-se?  

FF - Infelizmente a nível do Plano Estratégico da CPLP não se verificou grande movimentação dos países, por causa da pandemia, aguardando-se que, com a recente mudança da presidência para Angola e a melhoria da situação epidemiológica da pandemia, se possa retomar o Plano aprovado em Dezembro de 2019. A nossa sugestão é que Angola assuma ainda no corrente ano a realização do seminário sobre cuidados de saúde primários. O IHMT-NOVA, a Escola Nacional de Saúde Pública de Portugal e a Fiocruz do Brasil poderão dar um grande contributo para o sucesso desta iniciativa.

Angop - Qual é o novo desenho de tais programas, caso tenham sido revistos, para adequá-los à actual conjuntura?

FF - É nossa opinião que o Plano Estratégico da CPLP seja revisto na base da implementação dos cuidados de saúde primários, da adequação dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (Agenda 20-30), mas principalmente da actualização da situação sanitária actual dos países da CPLP face à pandemia. Não tenhamos dúvidas que as metas estabelecidas na Agenda 20-30 neste momento são irrealistas e que devem ser alvo de adequação. Deve ser passado em revista a situação dos recursos humanos, das doenças transmissíveis, das doenças crónicas não transmissíveis (cancro, diabetes, doenças cardiovasculares) e de outros problemas de saúde que se têm agudizado como a malnutrição. As redes estruturantes da CPLP devem ser reanalisadas e reforçadas em termos de capacitação de recursos humanos, reforço tecnológico e trabalho de equipas multidisciplinares e multicêntricas. Deve-se ter em conta o cansaço dos profissionais de saúde (burnout) e a necessidade de uma maior atenção a estes quadros. Os programas de saúde materno-infantil devem ser reforçados e a mobilização de fundos para a implementação dos Programas deverá ser uma prioridade. Os sistemas de vigilância epidemiológica e resposta a emergências devem estar na agenda dos dirigentes e responsáveis dos países da CPLP.

Angop - Quantas vítimas mortais a "guerra da pandemia" da Covid-19 terá causado entre os quadros da instituição?

FF - Com o início da pandemia, o IHMT criou de imediato uma Comissão de Biosegurança, desenvolveu e implementou um Plano de Contingência sempre em sintonia com as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde), do Governo português e da Universidade Nova de Lisboa, não tendo a lamentar até a presente data nenhum caso de transmissão interna nem de vítima mortal.

 Angop – Agradecia que se pronunciasse sobre tudo o que considera relevante e não foi levantado nessa entrevista.

FF- Gostaria de lançar um apelo à solidariedade internacional para apoio aos países de média-baixa renda, dirigir uma palavra de resiliência para as nossas comunidades sofredoras e uma mensagem de reconhecimento e de conforto indiscutível a todos os profissionais da saúde.        

Perfil

Filomeno Fortes é mestre em Saúde Pública e doutorado em Ciências Biomédicas. Em Angola foi diretor nacional de Controlo de Endemias, chefe do departamento de controlo de doenças da Direção Nacional de Saúde Pública e diretor do programa de controlo da malária.

Desempenhou funções como coordenador do Doutoramento de Ciências Biomédicas na Universidade Agostinho Neto, em Luanda, criado em parceria com o IHMT, e da Unidade de Higiene do curso de Medicina da Faculdade de Medicina em Angola. A nível internacional foi nomeado, em 2012, secretário-geral da Federação Internacional das Doenças Tropicais.

 





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