Nituecheni Africano – um orgulho da literatura angolana

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  • Huambo • Domingo, 25 Agosto de 2024 | 15h17
Escritor Nituecheni Africano
Escritor Nituecheni Africano
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Huambo – Distinguido recentemente na 25ª gala de premiação “Fox USA 2024”, em Nova Iorque, Estados Unidos da América, o escritor Nituecheni Africano, de 33 anos de idade, é, actualmente, um dos maiores orgulhos da literatura angolana.

Por Aurélio Janeiro, jornalista da ANGOP

O homem de letras foi o representante de Angola e do continente africano no maior concurso de literatura dos Estados Unidos da América, com a obra literária “O recluso, o princípio e o fim de uma injustiça”, merecedora de duas distinções, a de melhor livro de género romance policial e a de melhor autor jovem contemporâneo de África.

O autor conta, em entrevista à ANGOP, que o livro despertou o interesse dos dez jurados norte-americanos, que classificaram o romance como vencedor, com 3 mil 567 pontos.

Nituecheni Africano, pseudónimo literário de Eugénio Afonso Gaspar, diz ter sido uma bênção para si, para a sua família, para Angola e para o continente “berço da humanidade” por ser o primeiro angolano e africano a conquistar o prestigiado prémio, encaixando 16 mil dólares e um patrocínio para editar 200 exemplares do livro, que serão publicados e vendidos na sede da Fox.

Lembrou que a obra, com 218 páginas e dividida em 12 capítulos, está traduzida na língua inglesa pela editora brasileira Rocco.

O enredo, cujos direitos autorais cifraram-se em 165 mil dólares, agora sob pertença da FOX Premiun, que beneficia de 30 por cento, narra a história de um jovem advogado que parte para defesa de um caso muito mediático e não “tremeu” com o tratamento misterioso do caso pela justiça.

Daí que, em pleno julgamento, o profissional usa a sua sapiência para defender e conseguir a absolvição do réu e por ter sido um caso muito difícil, torna-se no herói da comunidade e conhecido como defensor dos direitos humanos.

Eis a entrevista na íntegra:

ANGOP – Antes de mais, gostaríamos de saudá-lo e felicitá-lo pela conquista do Prémio Fox, dos Estados Unidos da América. Como é que se sentiu quando soube que era o grande vencedor?

NA – Agradeço em primeira instância pela felicitação, por ter conquistado a 25ª edição do Prémio Fox USA 2024, onde África esteve bem representada por mim e pelo escritor “Obiame da Nigéria, que ficou na segunda posição.

Na verdade, tenho a dizer que me senti muito feliz. Primeiramente, não estava a acreditar que era eu, fiquei uma hora sem saber o que falar. De seguida, liguei para o director executivo da editora brasileira Rocco, Adalberto Cavalcante, e daí fiquei realmente feliz, quando ele me confirmou que era o vencedor deste prestigiado prémio.

ANGOP – Como foi a reacção da esposa, familiares, amigos e colegas da literatura?

NA – A reacção da esposa foi boa porque desde sempre acreditou em mim. Ela é a primeira pessoa optimista e de facto ela já sabia que poderíamos erguer o troféu.

Quanto aos familiares, tenho a dizer que para alguns foi surpresa, pois desde o início que sabíamos que na corrida deste concurso havia um escritor de renome na literatura africana, falo do nigeriano Obiame.

Dizer ainda que para os familiares e amigos tem sido uma bênção estar sempre ao mais alto nível, a cada ano eu me tenho inscrito em vários prémios internacionais, tanto naqueles remuneráveis como naqueles não remuneráveis, pois o mais importante para mim é participar.

Considero os prémios como os maiores incentivadores de uma carreira, tanto profissional, como pessoal, pelo facto de aos angolanos receberem, de forma positiva e com muita alegria, apesar de alguma inveja, por parte de alguns escritores nacionais. Para ser franco estou no mais alto escalão da literatura africana. Não é fácil chegar onde cheguei, muitos gostariam de estar no meu lugar, em vez de criticarem deviam todos se alegrar, porque, afinal, quem sai a ganhar são os angolanos de Cabinda ao Cunene.

ANGOP – Conte-nos como entrou para o mundo literário?

NA – Comecei a escrever aos meus 13 anos, ainda, como contador de estórias. Foi aí onde nasceu o gosto pela leitura e escrita. Contava estórias curtas nos recreios e no meu bairro, na altura Nelito Soares -Rangel-Luanda. Depois, concretamente, em casa, começou o despertar de um talento natural da forma como narrava a história de Angola pós-independência.

ANGOP – Quais são as razões que o levaram a se tornar num escritor e em que se inspira?

NA – As razões que levaram a tornar-me num escritor foram o tempo que estava a viver, já que naquela altura queria despertar de situações vividas em épocas menos boas.

Eu estava consciente de que mesmo que falasse nunca poderiam me ouvir, daí ter achado melhor escrever tudo em um caderno, depois traduzir em livro, embora, à época, a tendência fosse de ser cantor Rapper. Na altura fazia parte de um grupo musical que actuava nas escolas e festas de aniversário.

Confesso que a inspiração veio quando comecei a ler os livros do escritor norte-americano Dan-Bronw, autor do livro Código Davinci, um grande romancista da história da literatura mundial, com quem tive o privilégio de cruzar e, também, privar por alguns instantes, na última gala do prémio FOX, em Nova Iorque, Estados Unidos da América.

ANGOP – Como foi a infância de Nituecheni Africano?

NA – Tive uma infância muito triste, pois em tenra idade fiquei sob tutela da minha avó. A minha mãe foi morar em Lisboa e deixou-nos simplesmente pelo facto de, na altura, o país estar mergulhado num conflito armado.

Ter ficado com a avó em momentos difíceis não foi bom para um garoto que tinha sonhos e objectivos, mas com o tempo consegui me adaptar à ideia de crescer e viver sem a presença da mãe. E, apesar das inúmeras dificuldades da avó, foi bastante prestativa na minha vida e só depois de vários anos consegui ter e estar com a minha mãe, isto já em tempo de paz, alcançada a 4 de Abril de 2002.

Então, ficou a experiência de que em dificuldades tornei-me no homem que sou, daí a minha eterna gratidão.

ANGOP – Como lida com as críticas negativas às suas obras e com os prémios que ganha?

NA – Como tudo nesta vida, quem trabalha é criticado, o sucesso incomoda a todos que vivem no escuro. Se não trabalhasse não teria sucesso e nunca seria criticado. Mas as críticas são bem-vindas desde que sejam construtivas. As pessoas passam o tempo a julgar os outros sem saber que antes desse sucesso que muito se fala tive quedas e insucessos. O meu primeiro livro “O vendedor de pães asmos” foi queda livre como inexperiente que era e não fez sucesso algum.

Naquela altura, apenas os meus familiares e alguns poucos amigos compraram o livro. Então para mim, antes de criticarem vejam a trajectória e o percurso da pessoa.

Quanto aos prémios, posso dizer que têm doído a muitos escritores da nova geração em Angola, sobretudo, aos imediatistas que não escrevem absolutamente nada e falam mal dos outros. Em literatura é normal. Eu ganho os prémios porque sou pessoa de sorte e escrevo com sapiência e idoneidade, sem perder a minha identidade naquilo que é a minha escrita que varia muito, entre o tempo e o momento. Por isso, tendo sido surdo quanto às críticas negativas, prefiro mostrar com o trabalho, porque justificar, só na Procuradora-Geral da República (risos).

ANGOP – Quantos prémios nacionais e internacionais já conquistou, até ao momento?

NA – Já estou com cinco prémios literários, quatro internacionais e um nacional que é o prémio Dipanda, na categoria de melhor escritor do ano pelo Conselho Nacional da Juventude, em 2023.

ANGOP – O que têm a dizer sobre o papel da Comunicação Social angolana na promoção da literatura?

NA- O papel dos órgãos de comunicação social na promoção da literatura tem sido fundamental para a carreira de um escritor ou autor. Os órgãos servem como uma muleta fundamental para a expansão e promoção do escritor. Acredito que sem os jornalistas não haveria escritor, por isso, devo respeitá-los sempre.

ANGOP – O que diria a um autor que queira publicar o seu primeiro livro?

NA – Aqueles que queiram publicar o seu primeiro livro devem ser muito cautelosos, pois são como filhos. Ao colocá-los no mundo deve-se sustentá-los para crescerem em comunhão com a sociedade. As obras literárias são, acima de tudo, das ferramentas mais importantes para mudar o mundo. É importante dizer que para se ter um mundo sólido deve ser com os livros.

Por isso, deixo um apelo a todos os aspirantes ao mundo literário que para serem bem sucedidos na literatura, é importante estudar para que se tenha um auto-conhecimento integral sobre os conceitos literários. A literatura, nos últimos anos, está com muita competitividade e só vence quem gosta de aprender e não os escritores imediatistas.

É importante que se escreva para deixar conhecimento, legado e internacionalizar a carreira e a literatura angolana, em geral.

ANGOP – Quantos livros já escreveu até agora, e destes qual é o mais favorito?

NA – Ao todo já escrevi 16 livros, dos quais seis publicados fisicamente no mercado nacional e 10 ainda estão no digital. Estou à procura de patrocínio para torná-los públicos.

Os meus melhores livros até agora e digo, em abono da verdade, são três, nomeadamente, “O emigrante da web e suas tolices”, “O recluso, o princípio e o fim de uma injustiça” e a “Bíblia Sagrada o regresso dos anjos” que é a minha mais nova aposta literária no mercado internacional.

ANGOP – Do total de obras por si publicadas, tem uma que considera ter sido a mais difícil?

NA – Sim, o livro mais difícil que já escrevi é “O recluso, o princípio e o fim de uma injustiça”. Foi difícil porque visitei perto de 20 estabelecimentos prisionais nas 18 províncias do país, onde conversei com vários reclusos condenados e detidos. Tive aulas magistrais de Direito Penal Angolano antes de escrever, por isso, digo que foi uma obra muito difícil. Também cheguei a assistir cinco sessões de julgamento nos tribunais Dona Ana Joaquina (Luanda) e da Comarca do Huambo.

ANGOP – Que livro lhe pareceu o mais desafiador e com qual deles mais se divertiu?

NA – O meu livro mais desafiador, tal como disse, foi o Recluso..., enquanto o mais divertido foi “O emigrante da web e suas tolices” narrado na primeira pessoa, um facto real.

Na verdade, os leitores não sabem que o livro “O emigrante da web e suas tolices” foi vivido por mim, numa altura em que usava as redes sociais, de forma ilegal e sem conhecimento. Foi numa altura em que parti para o Brasil a convite da minha amada que acabava de conhecer na internet.

ANGOP – Pode dizer-nos qual será o seu próximo livro?

NA – Já está tudo preparado para, brevemente, colocar no mercado mais um rebento literário, falo concretamente do livro “A Bíblia Sagrada o Regresso dos Anjos”, um romance com 150 páginas, com abordagem sobre as falsas doutrinas que estão a surgir nos últimos tempos em África e em Angola, em particular, onde milhares de fiéis estão a ser enganados por pessoas que alegam ser apóstolos que só querem retirar a miséria do povo.

ANGOP – Para terminar, gostaríamos que fizesse uma avaliação do estado actual da literatura angolana.

NA – Em duas vertentes: a primeira começo pela forma que os líderes africanos encaram o contexto literário. Enquanto não houver verbas alocadas para o livro, nunca se vai ter uma sociedade educativa, pois, actualmente, por nada, todo mundo quer escrever uma obra, sem conhecimento do conceito de que é a literatura. Sem formação alguma quer se meter um livro no mercado. Isso é chamado um crime literário.

Essa é a minha opinião sobre esse assunto, mas, também, tenho algumas notas positivas da nova geração que surge com talento e escrita criativa, isso é importante frisar aqui, ao passo que a segunda é a forma positiva que vários escritores estão a internacionalizar a suas carreiras e a elevar o nome de Angola ao mais alto nível.

Perfil

Nituecheni Africano venceu, em 2022, a categoria de Melhor Romance da IV edição do Grande Concurso Literário da América Latina, com a obra intitulada “O imigrante da Web e suas tolices”, que comporta 63 páginas e editada pela Associação dos Jovens Escritores de Angola.

O evento, a base de votação, contou com a participação de 192 escritores de vários países, em particular da América Latina, que concorreram em diversas categorias, sendo Nituecheni Africano, o único representante do continente “berço da humanidade”.

No princípio de 2023, foi designado embaixador da literatura em cinco países africanos, pela revista brasileira Word-Book Revier.

Trata-se do Lesotho, Madagáscar, Malawi, Serra Leoa e Uganda, através de um financiamento solidário, iniciado a 3 de Abril do corrente ano.

Em Outubro de 2023 foi distinguido, no Rio de Janeiro (Brasil) com o prémio “Referência Literária”, numa iniciativa da editora brasileira Publiart.

Trata-se do único representante angolano reconhecido na segunda edição do evento, considerado o segundo maior galardão na história do mundo literário brasileiro, depois do “Prémio Jabuti”.

Foi seleccionado, em Janeiro último, pela revista francesa “Le Point”, entre os 50 mais destacados da cultura no continente africano, pelo contributo valioso e vistoso que têm prestado ao panorama cultural de África.

Nascido na província do Huambo, a 12 de Setembro de 1990, é licenciado em Informática e Administração de Empresas, pela Universidade Técnica de Angola (UTANGA).

É co-fundador da Associação de Inserção Social para Ex-reclusos (ADISPER) e director-geral da Associação de Jovens Escritores do Sul.

Publicou, em 2020, as obras “O vendedor de pães asmos” e o “Prisioneiro do amor”. ALH/ADR 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





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