Luanda - A coordenadora provincial do Programa de Saúde Infantil, Nutrição e Adolescente, Ana Isabel, recomendou, esta quarta-feira, em Luanda, às famílias uma alimentação equilibrada, baseada em carboidratos, proteínas, cereais, verduras e gorduras, de forma a combater a desnutrição e a obesidade.
Por Mateus Sorte, jornalista da ANGOP
A responsável falava em entrevista à ANGOP, a propósito do ‘Dia Mundial da Alimentação’, assinalado a 16 de Outubro, tendo enfatizado que a falta de uma das componentes alimentares provoca um desequilíbrio que pode causar desnutrição, diabetes e problemas cardíacos.
Referiu-se à importância dos açúcares e dos legumes que também devem fazer parte da alimentação. “Se não tivermos uma refeição composta por todos estes alimentos, principalmente para as crianças, podemos dizer que não temos uma alimentação saudável ou equilibrada”.
Acompanhe a entrevista na íntegra:
ANGOP - A nutrição, baseada na alimentação e no repouso físico adequado, concorre para o bem-estar psico-emocional e físico do homem. Nesta senda, o que dá origem à desnutrição, um fenómeno oposto?
Ana Isabel – Comemora-se, a 16 de Outubro, o ‘Dia Mundial da Alimentação Saudável’, para sensibilizar as comunidades e reconhecer a importância de ter uma alimentação saudável.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo para Alimentação e Agricultura (FAO) reconhecem que devemos informar as comunidades sobre a forma de se alimentar. Uma coisa é comer, outra é alimentar-se, e, para nos alimentarmos, precisamos de ter em conta os grupos que compõem uma alimentação saudável.
Quando falta uma das componentes deste quadro de alimentação, podemos, sim, ter um desequilíbrio que poderá causar desnutrição, diabetes e problemas cardíacos.
ANGOP – Falou da necessidade de componentes para uma alimentação saudável. Quais são?
AI - Para termos uma alimentação equilibrada ou saudável, precisamos de ter os carboidratos, como farinhas (fuba, mandioca, batata-doce, inhame, entre outras), proteínas animal e vegetal, cereais (feijão e grão-de-bico), verduras e gordura.
Temos ainda a questão dos açúcares, que também estão dentro da gordura, e os legumes, que também devem fazer parte.
Se não tivermos uma refeição composta por todos estes alimentos, principalmente para crianças, poderemos dizer que não temos uma alimentação saudável ou equilibrada, o que nos preocupa.
Infelizmente, temos uma prática cultural que, quando a criança começa a comer, a rotina é o funge com molho de tomate. Isso não a alimenta, prejudica-a, porquanto não tem peixe, não tem carne e não tem ovo.
Assim, começamos a ver crianças com desnutrição, por falta de alimentos necessários. Então, se adicionarmos ao molho de tomate o peixe, a carne, o ovo, a galinha ou o feijão, vamos ter uma refeição completa. Isso vai fazer que a criança seja saudável e tenha um bom desenvolvimento cognitivo.
ANGOP – Apesar de nos alimentarmos convenientemente ou de forma adequada, há outros riscos que se correm, como, por exemplo, o excesso. Que cuidados devemos ter?
AI – Por isso mesmo é que se comemora o 16 de Outubro, para chamarmos atenção de que não devemos ter um alimento por excesso, mas, sim, de forma equilibrada. Por exemplo, se eu consumo muitos carboidratos, vou ter muita caloria e, consequentemente, muita energia.
Esta energia terá de ser transformada pelo organismo para as outras componentes que eu não adquiri, porque só comi, imaginemos, muito pão. Só comi pão, não pus manteiga, não pus nada. Vou destruir o meu organismo.
O mesmo acontece quando se come um bom prato de funge. O funge deve estar acompanhado de molho, peixe ou carne.
Contudo, se houver excesso de um único alimento, também terá outra patologia. Por exemplo, com muitos carboidratos ou muita caloria, pode-se ter obesidade.
Logo, a obesidade é, também, uma malnutrição. Nós só falamos daqueles casos em que a pessoa emagrece, mas a obesidade também se refere à malnutrição.
ANGOP – Referiu-se à desnutrição e à obesidade. Como se manifesta esse binómio (malnutrição e obesidade)?
AI - Temos dois tipos: a desnutrição em que a pessoa perde praticamente todos os tecidos, isto é, aquele emagrecimento que vemos, fruto da perda das calorias, e a gordura, em si, que o corpo tem.
Depois, temos a obesidade, que faz, também, parte da malnutrição e se caracteriza pelo enchimento do corpo. No conjunto, existe a desnutrição por defeito e por excesso.
ANGOP - Podemos considerar que estes dois principais problemas advêm da alimentação?
AI - Os dois advêm da alimentação por excesso ou por defeito. A obesidade pode resultar, igualmente, de situações hormonais.
ANGOP – No âmbito da malnutrição, como está a capital do país em termos estatísticos?
AI – Existem casos de desnutrição ao nível da província de Luanda. Temos salas de atendimento a crianças com desnutrição, num total de 52 unidades.
Durante o primeiro semestre deste ano, mais de três mil crianças com desnutrição foram atendidas. Comparativamente ao ano 2023, temos um aumento de mais de mil petizes.
ANGOP - Ainda sobre a obesidade derivada da malnutrição, que perigos pode provocar ao funcionamento do coração?
AI - É bastante importante esta informação. Devemos ter muito cuidado, uma vez que, quando um indivíduo é obeso, o coração é um dos órgãos afectados, por ficar todo rodeado de gordura.
Um colapso de cada um dos órgãos, o coração ou fígado, pode levar a uma situação não muito boa, inclusive à morte. Mas pode reverter-se a situação, por exemplo, com a diminuição daqueles alimentos que levam à obesidade, exercício físico, consumo de água diário, pelo menos dois litros e meio.
ANGOP – Gostaríamos de que falasse da relação nutrição, obesidade e hipertensão.
AI - A hipertensão tem a ver com a medição da pressão arterial. Então, quando a pessoa está a medir a pressão arterial e está alta, estamos a falar de hipertensão.
Obeso é aquela pessoa que tem excesso de peso. E a nutrição tem a ver com alimento, nutrir a pessoa. Como é que eu alimento a pessoa? Logo, estamos a falar da nutrição. E todas elas se intercalam. Se eu tiver uma boa alimentação, uma boa nutrição, posso prevenir a obesidade e posso prevenir a hipertensão, embora existam alguns factores hereditários que podem levar a pessoa a ter obesidade e hipertensão, para além da nutrição.
ANGOP - E há alguma relação entre a nutrição e as diabetes?
AI - Todas elas têm interligação. A hipertensão e a obesidade têm ligação com a nutrição. As diabetes têm ligação com a nutrição e com factores hereditários. Temos as diabetes do tipo 1 e do tipo 2. Se eu for hereditária, poderei tê-las, mas também, se não tiver factores hereditários e a minha alimentação for má, eu poderei ter, pelo facto de que um dos factores, por exemplo, é a questão da obesidade, ou seja, posso ter diabetes devido à obesidade.
ANGOP - Ainda sobre a nutrição, o Executivo angolano instituiu a merenda escolar. Como deve ser confeccionada para ajudar os adolescentes e os jovens? Até que ponto é que ela (a merenda escolar), feita à base de produtos nacionais do campo, concorre para uma alimentação saudável?
AI - A melhor opção é fazer com os alimentos locais. Quando fazemos uma merenda com alimentos processados, poderemos não ter o equilíbrio alimentar ou alimentação saudável. Mas, quando estamos a falar de alimentos locais, há certeza de que o alimento é adquirido mais facilmente, está a ser produzido localmente e não será processado, o que é bom para dar às crianças e aos adolescentes.
ANGOP - Que cuidados os pais e encarregados de educação devem ter com os lanches, visto que a maioria opta por sumos, bolachas, batatas fritas, entre outros empacotados?
AI - Na verdade, esta é uma grande questão. As famílias preocupam-se em dar o lanche às crianças por meio de muitos alimentos processados. Por exemplo, entre levar um sumo processado e dar uma laranja, seria melhor dar uma laranja, porque é um alimento natural. Comer um abacate é mais favorável, assim como comer uma manga.
Em quase todas as praças encontramos manga, laranja, mamão, entre outras frutas, de acordo com a época, o que pode substituir os empacotados.
A mãe deve cortar a fruta em pedacinhos, colocar numa tigelinha fechada e dar à criança para levá-la. Estará a alimentar-se melhor do que comprar um sumo de manga. Pode ainda pegar o pão, o ovo ou, se quiser, cozer o ovo. É muito mais nutritivo do que ir buscar bolachas, que é um alimento processado. Então, podemos fazer os alimentos locais como lanche, diariamente.
As mães devem procurar equilibrar a alimentação. Se um dia deu o pacote de bolachas, noutro dá, pelo menos, uma fruta.
ANGOP – E caso as mães não variem a alimentação das crianças?
AI – Caso as mães não mudarem a alimentação das crianças, as consequências serão aquelas que já sabemos. A criança poderá tornar-se obesa e, muitas vezes, por exemplo, fica com obstipação ou prisão de ventre, por comer alimentos muito secos e não beber água. Portanto, quero ajudar a minha criança ou quero prejudicá-la? Penso que nenhuma mãe quer prejudicar. Vamos tentar melhorar, mudando a nossa prática.
ANGOP – Há mais algum aspecto dentro das consequências resultantes do uso excessivo destes alimentos consumidos, sobretudo, por crianças?
AI - Na verdade, podem não ser penosos no momento, mas isto depois prejudica o futuro. Eu posso, neste momento, não ter problemas de obesidade e, aparentemente, estar bem, porém, depois, no futuro, vamos ver uma pessoa hipertensa, com colesterol alto.
Isto tem a ver com o início da infância, da adolescência e, depois, a fase adulta, porque as consequências não são imediatas, são a posterior, são no futuro. A pessoa vai ser hipertensa porque a vida anterior foi má, a alimentação foi má. Vai ser obesa, pode não ser no momento, vai ter problemas de colesterol, não no momento, mas no futuro.
ANGOP - Também pode acabar por afectar o desenvolvimento cognitivo da criança?
AI - Tudo está interligado. Precisamos de buscar agora, enquanto ainda são crianças, porque somos o que comemos. O que se come hoje vai ser o futuro.
ANGOP - De forma geral, que políticas têm sido implementadas pelo Executivo, no âmbito da desnutrição, para o desenvolvimento cognitivo das crianças e dos adolescentes?
AI – Uma das políticas tem sido chamar atenção às famílias, sensibilizá-las na forma como alimentar as crianças e aconselhá-las a começar pelo aleitamento materno até aos seis meses de vida.
A partir dos seis meses, passar para a alimentação complementar, introduzindo, paulatinamente, outros alimentos, compreender que, no primeiro ano de vida, a criança não precisa de alimentos com muito açúcar, evitar alimentos processados, consumir produtos locais e/ou frutas locais, de acordo com a época, para a prevenção do futuro.
ANGOP - Queríamos que descrevesse as zonas mais afectadas por esse problema.
AI - Temos a malnutrição, de uma forma geral, em toda a província de Luanda, mas os municípios mais críticos são Viana, Cacuaco e Cazenca.
ANGOP - Qual é o índice e a percentagem?
AI - Podemos dizer que está entre 30 e 40 por cento daquilo que são os dados da província.
ANGOP - E quais são as idades mais afectadas ao nível de Luanda?
AI - Infelizmente, são os menores de cinco anos, devido, precisamente, à má alimentação que as mães dão aos seus filhos, pois introduzem os alimentos muito precocemente, ou seja, uma criança começa a comer funge no primeiro mês de vida. É mau! Estamos a matar os nossos filhos.
O melhor e o único alimento de que a criança precisa na face da Terra é o leite materno. E, posteriormente, devem ser introduzidos, paulatinamente, outros alimentos. Muitas vezes, as crianças entram na desnutrição não pelo facto de não ter alimento, mas pela forma como as mães introduzem e preparam as refeições. A mãe, por exemplo, tem peixe, mas não dá ao filho.
Ela come, o pai come, mas a criança menor de um ano não come o peixe, não come a carne, porque ela acha que ainda não pode comer carne, não pode comer verduras, não pode comer feijão, pois as mães têm muitos mitos em relação aos alimentos.
Dizem que, se comer verdura, vai ter febre tifóide, vai ter diarreia. Se comer feijão, vai ter febre tifóide, vai ter diarreia. Infelizmente, esses mitos prejudicam as nossas crianças, levando-as à desnutrição.
Não é apenas por falta de alimentos, é também pela forma como se preparam os alimentos para as crianças.
ANGOP - Mais algum aspecto relevante para aconselhar?
AI - Eu gostaria de aconselhar as mães a ouvir a informação dos nossos profissionais, principalmente para as crianças menores de dois anos. Elas devem dar o leite materno até aos seis meses e, a partir dessa idade, começar a introduzir os alimentos de forma paulatina, conforme as orientações que os centros de saúde vão dando.
O que vemos ao nível das unidades sanitárias é que as mães deixam as crianças com outras crianças e não dão os alimentos que temos orientado.
Muitas crianças vão parar nas salas de tratamento nutricional devido à forma como as mães as alimentam.
ANGOP - Por ocasião do ‘Dia da Alimentação’, 16 de Outubro, descreva algumas medidas ou iniciativas que estão a ser tomadas para o aceleramento de alguns aspectos ligados à alimentação saudável.
AI - Estamos a fazer palestras ao nível das unidades sanitárias e das cozinhas comunitárias dos municípios e administrações, para informar as mães sobre a importância de como preparar os alimentos para as crianças. É o que mais nos preocupa, tendo em conta que é desde criança que nos devemos alimentar bem para o futuro.
O ‘Dia Mundial da Alimentação’ é comemorado a 16 de Outubro, desde 1981. É, actualmente, celebrado em mais de 150 países, como uma importante data para consciencializar a opinião pública sobre questões relativas à nutrição e à alimentação.
A data corresponde, igualmente, à fundação da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). CPM/OHA