Luanda – O escritor cubano Oscar Oramas Oliva defende a necessidade de um trabalho mais afincado para a difusão da literatura africana e angolana, em particular, no mercado internacional, de forma a valorizar o génio criador do continente berço.
Por: Márcia Manaça & Kenia Silis, jornalistas da ANGOP
Em entrevista exclusiva à ANGOP, o escritor, que se encontra em Angola no quadro do lançamento da sua obra, intitulada “Dr. António Agostinho Neto: Um homem excepcional do seu tempo”, defende que a literatura africana deve ser conhecida, pois o continente berço deu um grande contributo para o processo civilizacional universal.
Eis a entrevista integral:
ANGOP – O que podemos ler na sua obra sobre o falecido Dr. António Agostinho Neto?
Oscar Oramas Oliva (OOO) – É uma obra que permite que os leitores possam conhecer quem foi Agostinho Neto e o seu relacionamento com o Comandante-em-Chefe Fidel Castro.
Traz uma abordagem sobe a visão de Neto como homem, como estadista e também o trabalho que fez durante a sua permanência como dirigente do MPLA e, depois, como Presidente da República de Angola.
ANGOP – Como foi recebido esse livro em Cuba?
OOO – Em Cuba, foi muito bem acolhido. Quando falei com o Instituto de História de Cuba, eles leram o livro, chamaram-me para dizer que estavam muito interessados e consideraram-no importante para a historiografia dos dois países.
ANGOP – Tendo conhecido muito bem Agostinho Neto e convivido com ele, quais são as facetas da sua vida mais destacadas na obra?
OOO – O foco no trabalho. Neto foi um homem que trabalhava muito, que reflectia profundamente sobre as decisões. Era um homem excepcional.
ANGOP – Poderia explicar o que quer dizer um “homem excepcional”?
OOO – Excepcional, porque a luta que travou pela libertação de Angola não foi fácil. Neto, como líder, enfrentou muitos momentos difíceis e sempre manteve a unidade no seio do MPLA, a linha política de luta, com firmeza e coragem pela libertação do país. Do meu ponto de vista, esses factos indicam que é uma pessoa excepcional.
ANGOP – Mudando de assunto, que avaliação faz do processo de transição política da geração mais velha para a mais jovem em Cuba?
OOO – Penso que um partido responsável, com um pensamento enriquecido para a história, tem de trabalhar na mudança contínua dos dirigentes e que o exemplo do partido cubano agora, na transição, é importante e bem pensado.
Os velhos devem estar disponíveis para passar experiências aos mais novos. Portanto, é normal e saudável para o país que se façam as mudanças.
ANGOP – E no domínio literário?
OOO – Na área da literatura, é mais complexo, uma vez que o escritor pode dar um contributo muito grande à sociedade, quando se trata de uma pessoa que conhece a vida e as dificuldades ao fundo. Acredito que não se pode barrar o acesso da juventude à publicidade, tem de se dar espaço a todos, e os da terceira idade têm de entender que a tarefa é ajudar a jovem geração a desenvolver-se e a contribuir também para a afirmação da Nação.
ANGOP – Pelo que sabe, que avaliação faz do mercado literário angolano, em particular, e africano, em geral?
OOO – A literatura angolana está a ganhar cada vez mais espaço no mercado internacional, mas creio que precisam, Angola e o continente africano, de mais trabalho e mais divulgação. É necessário fazê-lo por circuitos de difusão do conhecimento da literatura no mundo. As grandes companhias internacionais estão mais interessadas em divulgar a literatura própria. É preciso que se conheça a literatura de África, porque África também faz um grande contributo para a civilização universal, e, por isso, desejo que Angola, que tem uma história tão rica, tenha maior visibilidade.
ANGOP – O que fazer para que a literatura angolana seja mais divulgada?
OOO – Esta é uma questão complexa, um tema que requer todo o tipo de apoio a nível nacional. As estruturas nacionais devem trabalhar também um pouco mais com organizações como a UNESCO (Organização das Nações Unidas a Educação, a Ciência e a Cultura – nota da agência), para encorajar mais a difusão da literatura africana.
ANGOP – Como avalia a aproximação entre angolanos e cubanos a nível da literatura e do ensino?
OOO – Temos de trabalhar. É um matrimónio que nos obriga a trabalhar todos juntos, angolanos e cubanos, para se dar os passos para frente. No terreno literário, há espaço para isso. Acredito que, em Cuba, haja vontade política para se trabalhar neste sentido. A minha presença aqui confirma o interesse cubano e o dos angolanos.
ANGOP – O que espera da cooperação entre Angola e Cuba, sobretudo nos domínios político, económico e social?
OOO – A história mostra que só existe um caminho para os nossos povos, a solidariedade entre Angola e Cuba. Podemos fazer muitas coisas juntas. Acredito que haja vontade política. Hoje, não posso falar muito porque não venho como representante do povo cubano, concordo com a minha revolução e o meu Governo, mas não sou o seu representante.
ANGOP – Noutro domínio, que comentário faz sobre o bloqueio dos Estados Unidos da América contra Cuba?
OOO – Trata-se de um bloqueio criminoso. Não há justificação para a vida de um povo ser bloqueada dessa forma. Os EUA têm muitas explicações injustificáveis em relação ao bloqueio contra Cuba, porque não têm como o justificar. Então, devemos trabalhar mais, com o objectivo de levar os americanos a entenderem o que representa esse bloqueio.
Quando falo em "criminoso", refiro-me ao impedimento da parte deles para que a matéria-prima para a fabricação de medicamentos chegue a Cuba. Não é racional, é o maior bloqueio da história de um país. (Os EUA) e procuram destruir-nos e sufocar-nos, mas estamos lá, ficaremos e venceremos.
ANGOP – Quem é Oscar Oramas Oliva na primeira pessoa?
OOO – Sou fruto de uma revolução, a cubana, e amigo intrépido do líder histórico Dr. António Agostinho Neto e do povo angolano, em geral.
ANGOP – Um sonho?
OOO – Sonho com o fim do bloqueio económico contra Cuba e todas as medidas de restrições económicas que impedem o nosso desenvolvimento.
ANGOP – Projectos para um futuro próximo?
OOO – Tenho um livro sobre Nelson Mandela, que espero terminar e que possa ser publicado no final deste ano.
Penso que isto seria a contribuição de um aposentado com a história do seu país e do continente africano, visto que trabalhei no continente berço durante 25 anos. Tenho de contar a história, para que seja conhecida pelos jovens.
Por dentro
Escritor, diplomata e nacionalista cubano, Oscar Oramas Oliva foi embaixador na República da Guiné, Mali, Angola, São Tomé e Príncipe e nas Nações Unidas, bem como director de África e vice-ministro dos Negócios Estrangeiros de Cuba.
Nascido em Cienfuegos, a 12 de Novembro de 1936, mestre em Letras e doutor em Ciências Históricas, publicou inúmeros livros, com destaque para “Angola: Nasceu uma nova geração” (1978), “Estados Unidos: A outra face” (1987), “Amílcar Cabral, além do seu tempo” (1998) e “Os desafios do século XXI” (2003).