Luanda - A mulher rural é responsável por 80 por cento da produção agrícola, em Angola, disse a directora nacional para as Políticas Familiares, Igualdade e Equidade do Género, Santa Ernesto.
Por Hilária Cassule
Em entrevista à ANGOP, a responsável defendeu a necessidade de se prestar maior atenção à mulher rural, para que se possa munir de instrumentos, a fim de fazer face aos obstáculos e barreiras que se opõem à sua ascensão económica e social.
Santa Ernesto recordou, entre outras medidas, as políticas concebidas pelo Governo, que visam o bem-estar das famílias, o empoderamento económico da mulher no meio rural, a igualdade e equidade de género e a literacia financeira.
Eis a íntegra da entrevista:
ANGOP - O Dia Internacional da Mulher Rural é comemorado a 15 de Outubro, por ocasião da data, gostaríamos que fizesse uma avaliação da condição da mulher rural em Angola.
Santa Ernesto (SE) - Recordamos que esta data advém do empenho da união de mulheres camponesas e, também, decorrente da 4ª Conferência de Beijing Sobre a Mulher Rural, em que os países foram orientados a prestar maior atenção a situação social e económica da mulher no meio rural.
A par disso, também, temos a Agenda 2030 sobre o Desenvolvimento Sustentável, que tem o Eixo 5 (promoção e igualdade de género) e tudo isso aponta para uma maior participação e inserção das mulheres nos diferentes domínios, desde o económico, social e político e, também, as questões da produtividade, tendo em conta que uma das preocupações das mulheres tem sido o acesso aos recursos e as oportunidades.
O 15 de Outubro é uma data que visa homenagear e ressaltar a importância da mulher no meio rural, no que concerne ao desenvolvimento dos países e à diversificação da economia.
Com a criação do Ministério da Família e Promoção da Mulher, em 1997, as questões da mulher no meio rural passam a ser vistas, a nível do país, de forma institucionalizada.
É assim que surge a jornada da mulher rural, tendo como ponto alto o 15 de Outubro, Dia Internacional, em que temos a oportunidade de reforçar as acções em prol da promoção social e económica da mulher rural.
Hoje, a avaliação que fizemos é que a mulher está cada vez mais emancipada, hoje, ela começou a compreender, não só as lides do campo, mas a ir pela vertente da capacitação e da questão da cidadania, que abre muitas portas. Quando falamos em cidadania, tem a ver com o bilhete de identidade, porque para legalizar uma cooperativa é preciso que ela tenha cidadania. Desta forma, todas as apostas estão viradas para a organização da mulher, para que ela possa aceder aos programas que o Executivo delineou para o meio rural e muitas vezes elas se sentem à margem por falta de cidadania e outras oportunidades.
ANGOP- Como tem sido a interacção com as mulheres, para colmatar essas dificuldades?
SE - A nível do Executivo, temos o programa de promoção e emponderamento da mulher e o programa integrado de desenvolvimento local e combate à pobreza, que traz dois eixos fundamentais para a mulher: um deles é o empoderamento económico da mulher no meio rural; mas temos, também, o programa de valorização e reforço das competências familiares, com a componente da inclusão financeira da mulher ou literacia financeira; temos o programa de resgate de valores e assistência com bens alimentares e não só, para aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade. Importa dizer que há uma grande preocupação, a nível do nosso sector, e não só. A resolução dos problemas da mulher no meio rural é feita de forma transversal, envolvendo outros departamentos ministeriais como o da Energia e Águas, Educação, Saúde, Finanças, e outros, citando aqui o Projecto de Resiliência Climática e Segurança da Água em Angola (RECLIMA), que vai levar água às áreas urbanas e rurais. Este projecto é financiado pelo Banco Mundial.
Uma outra dificuldade que as mulheres enfrentam é o escoamento dos produtos, por conta de algumas estradas que, ainda, não estão em condições e com isso há uma série de acções a serem levadas em conta, para melhorar a sua situação.
ANGOP - É conhecida a importância da mulher rural na comunidade. Qual deve ser o papel do Estado nessa luta?
SE - Vou começar pelo sector da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, cujo objecto é conceber as políticas para o bem-estar das famílias, a promoção da mulher, a igualdade e equidade de género.
O Ministério giza a política e nesse particular temos a política de igualdade e equidade de género, que traz três dimensões:
Uma sobre os recursos e oportunidades, onde se faz a promoção e o esforço com outros departamentos ministeriais para que elas tenham acesso a estes serviços. Por exemplo, em 2021, fizemos um trabalho em parceria com o Ministério da Economia, por meio do INAPEM, uma acção de capacitação para a criação de cooperativas. O projecto-piloto foi feito em Luanda, com o apoio do PNUD, e envolveu mulheres da zona urbana e peri-urbana. Resultou na legalização de 40 cooperativas. Notamos que há um grande problema de falta de informação destas mulheres, elas não conhecem os meandros para se legalizar uma cooperativa.
Outro constrangimento é a falta de documentos. Então, esta formação serviu para ministrar temas sobre a vida delas; sobre organização de uma empresa e sobre género, na perspectiva da liderança. Notamos que as mulheres, muitas vezes, recuam e, pelas visitas ao interior do país, viu-se que são poucas as senhoras na liderança das cooperativas, muitas vezes, porque lhes falta oportunidade de lá estar, outras por receio de ascender a estes lugares.
A formação não só serviu para passar os pacotes todos, que têm a ver com a legalização de uma cooperativa, como serviu para criar uma sinergia entre a nossa instituição e o INAPEM, com o apoio do PNUD e do Guiché Único da Empresa, para a legalização das cooperativas, algumas das quais já receberam créditos. O trabalho que se faz em Luanda, também, é feito nas demais províncias, através dos gabinetes locais.
Com o trabalho feito com o IDA, em visita a 16 províncias, fez-se um levantamento de 170 cooperativas e dessas, apenas 35 estavam legalizadas. Foi por esta razão que o Ministério tomou a iniciativa de lançar o projecto de criação de cooperativas, para ajudar essas comunidades a terem esses serviços garantidos.
ANGOP - Como avalia o contributo da mulher rural angolana na actividade agrícola, no sustento familiar e na gestão dos recursos naturais?
SE - Bom, a nível da população de Angola, dos cerca de 30 milhões de habitantes, 52% são mulheres e dessas, 37% estão no meio rural. Oitenta por cento da produção agrícola é assegurada por mulheres, não apenas pelas estatísticas, mas pelo que nos é dado a ver. Quando vamos ao campo, vemos mais mulheres a trabalhar. Então, toda a atenção deve ser dada a essas mulheres, para que produzam, ainda mais, até porque em função da situação económica do país, que se agravou pela questão da Covid-19, não só em Angola, mas no mundo, é preciso apostar mais na diversificação da economia para que possamos ter uma fonte de rendimento maior.
E quando as nossas mulheres são apoiadas, então elas conseguem dar maior contributo.
ANGOP - Se é consabido que a mulher rural presta um contributo ímpar ao desenvolvimento da sociedade angolana, o que fazer para valorizá-la?
SE – Com jornadas dedicadas inteiramente à mulher rural, o que não quer dizer que o nosso trabalho só é feito em torno de efeméride, mas uma jornada dedicada a ela e fóruns em que se levantam os problemas, desde a comuna até chegar ao nível central, penso que é um instrumento valioso para elas se sentirem valorizadas.
É nos fóruns e jornadas onde, aquelas mulheres que vemos escondidas, aparecem e isso é bem visível com o Prémio Mulher de Mérito, que este ano vai homenagear mulheres que não são conhecidas, mas que desenvolvem um grande trabalho.
Este ano estamos a preparar o lançamento da primeira edição do Prémio Mulher de Mérito, com uma gala para homenagear os feitos delas, com a participação de todas as províncias.
ANGOP - A maioria dessas mulheres ainda desenvolve a agricultura de forma rudimentar, o que é desgastante. Há já alguma perspectiva de se começar a “arrumar” a enxada no museu?
SE - Banir a enxada é uma intenção da União Africana, mas, neste momento, consideramos um processo, até porque não estamos alheios ao trabalho que o Ministério da Agricultura, que tem as escolas de campo e tem atribuído meios, está a fazer.
Esta semana foram ao Zaire abrir o ano agrícola e fiquei feliz porque uma cooperativa de mulheres recebeu crédito.
ANGOP - Já há muitas cooperativas lideradas por mulheres?
SE - Quando as mulheres são associadas a homens inibem-se. Então, incentivamos algumas cooperativas que sejam chefiadas por mulheres, a serem capacitadas para que tenham competência.
O exemplo é a cooperativa “Mulheres felizes”, no Zaire, que esta semana recebeu, já, o crédito, depois de ajudarmos na sua organização. Não são muitas, mas temos algumas, sim. A ideia é potenciá-las para que saiam do anonimato, precisam de se sentir encorajadas a enveredar pela organização.
Agora, vamos à comuna da Mulemba realizar o acto central, onde há uma cooperativa que temos estado a apoiar. Há dois anos, levamos para lá uma multi-cultivadora, dada pelo Ministério da Agricultura. Com isso pretendemos que elas tenham uma agricultura mecanizada, para que, de forma rápida, desenvolvam o que se pretende
ANGOP - Essas mulheres continuam a enfrentar barreiras estruturais ou de discriminação social e pobreza, no acesso à educação e aos cuidados primários de saúde. Que projectos direccionados para esta franja estão a ser desenvolvidos?
SE - Na saúde, temos o programa de capacitação e treinamento de parteiras tradicionais, um projecto que visa formar mulheres sobre as novas tecnologias que existem na vertente da nutrição; de como tratar uma parturiente, um trabalho desenvolvido com técnicos do sector da saúde. Situação de responsabilidade parental, por conta da questão dos valores para acudir as famílias nos cuidados a ter com as gestantes, já que muitos, ainda, não aceitam ter o bebé numa unidade sanitária.
Temos também a questão do registo de nascimento. As parteiras são treinadas a orientar as famílias a registar as crianças com o atestado de pobreza; quanto à fuga à paternidade, as parteiras orientam as mães a registar os seus filhos (mesmo sem o progenitor), porque um petiz sem registo já é um candidato à pobreza; quanto à educação, notamos que o maior índice de analfabetismo está entre as mulheres, embora hoje, nas zonas urbanas, já tenhamos um elevado índice de raparigas a frequentar a escola, no meio rural a questão é cultural, dos estereótipos de género, que mulher é para cozinhar e cultivar e a formação para o menino. Mesmo nas zonas urbanas, muitas vezes, a primazia é para o rapaz, embora a menina seja mais capacitada. Aqui temos os serviços de alfabetização, da responsabilidade do Ministério da Educação.
Todos nós somos chamados a alfabetizar as nossas famílias, para que todas as mulheres, todas as pessoas tenham oportunidade.
ANGOP - Este ano a jornada decorre sob o lema “Pelo desenvolvimento inclusivo e sustentável empoderemos a mulher no meio rural”. Qual a perspectiva para que esse lema seja realidade?
SE - Temos que começar a olhar na perspectiva do desenvolvimento sustentável, que engloba todas as áreas e não olhar só para o campo, mas no acesso aos outros serviços sociais básicos.
Aqui cito um relatório em que foram auscultadas 33 mil mulheres de todo o país, que identificaram cinco áreas prioritárias para o desenvolvimento da mulher rural que são: acesso económico e produtivo; acesso aos serviços sociais básicos; cidadania, igualdade de género e associativismo; valores morais; e violência doméstica e práticas culturais.
ANGOP – Quem é hoje a mulher rural?
SE - Mulher rural é a que vive no meio rural, mas que não trabalha só com a enxada. Lá temos a mulher comerciante, professora, enfermeira. Temos a mulher no meio rural em todas as áreas.
Devemos prestar maior atenção à mulher rural, porque é a que enfrenta mais obstáculos e barreiras na sua ascensão económica e produtiva.
ANGOP - Que outras actividades serão desenvolvidas durante a jornada?
SE - Durante a jornada vamos realizar várias actividades e porque estamos no “Outubro Rosa”, vamos realizar a feira da saúde, para o rastreio do cancro da mama, em Luanda Sul, município de Viana, dia 28, com a realização de consultas gratuitas.
Todas as províncias estão orientadas a fazer o turismo rural no feminino, que consiste em movimentar as mulheres dos diferentes municípios, para partilharem experiências e conhecerem os lugares turísticos locais; bem como estão orientados a realizar feiras, palestras e fóruns municipais e provinciais.
ANGOP - Que mensagem deixa para estas mulheres?
SE - Uma mensagem de encorajamento. Espero que não desistam, continuem a capacitar-se e a fortalecer as suas competências, porque só assim poderão ter acesso aos diferentes serviços que o executivo oferece em prol da melhoria do seu bem-estar; espero que elas possam dar maior contributo à diversificação da economia e à redução da pobreza no nosso país.