Luanda – O Procurador-Geral da República, Hélder Pitta Gróz, afirmou, recentemente, que a "imagem da justiça angolana melhorou", a nível interno e externo, mas ainda há grandes desafios, sobretudo o aumento de recursos financeiros.
Por Francisca Augusto, jornalista da ANGOP
Em entrevista à ANGOP, o magistrado justificou que a melhoria da imagem deve-se, em parte, aos "bons resultados alcançados" por este organismo do Estado, que tem resolvido, paulatinamente, o problema do deficit de procuradores e funcionários.
"Uma das metas definidas no princípio do mandato foi o aumento considerável do número de procuradores e de funcionários, o que constituía e, infelizmente ainda constitui, uma das principais dificuldades funcionais da instituição", referiu.
Conforme o entrevistado, que falou sobre vários processos midiáticos envolvendo figuras de proa da política e justiça angolana, a PGR conseguiu, nos últimos anos, passar de cerca de 400 procuradores (2017), para os actuais 634.
No mesmo período, referiu, a instituição saiu de cerca de mil e 500 funcionários para dois mil, o que significa um crescimento de mais de 50% em matéria de recursos humanos.
Noutro domínio, Hélder Pitta Gróz informou que o processo-crime contra o antigo Vice-Presidente da Republica, Manuel Vicente, está em fase de instrução preparatória.
Explicou que o período de imunidade de Manuel Vicente terminou, pelo que o processo-crime contra aquela entidade corre os trâmites legais nos órgãos competentes.
Em relação aos processos instaurados contra Isabel dos Santos, adiantou que estão, igualmente, em fase de instrução preparatória, mas muito avançados.
“Em breve, haverá novidades quanto aos referidos processos-crime”, disse, sublinhando que, nos termos da Lei, a PGR emitiu um mandado de captura internacional contra Isabel dos Santos e o remeteu à Interpol, estando a aguarda pela sua execução.
Quanto à antiga presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gamboa, precisou que o processo segue a sua tramitação e está também na fase de instrução preparatória junto do órgão competente da PGR, a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal.
Relativamente ao actual Juiz Presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, disse que, até agora, não foi constituído arguido em nenhum processo instaurado pela DNIAP.
“Embora tenha havido buscas nas instalações do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, elas ocorreram no âmbito da investigação de um processo em que o arguido estava ligado àquele órgão. O processo já se encontra em julgamento”, disse.
Eis a íntegra da entrevista:
ANGOP: Queira, antes de mais, aceitar os nossos agradecimentos por aceder a essa entrevista. O Procurador-Geral da República iniciou, recentemente, o seu segundo mandato à frente da PGR. Que balanço faz da vossa acção até agora?
Hélder Pitta Gróz (HPG): O balanço do primeiro mandato é positivo. Não se trata de imodéstia, mas os resultados alcançados assim sugerem. Uma das metas definidas no princípio do mandato foi o aumento considerável do número de procuradores e de funcionários, o que constituía e, infelizmente, ainda constitui, uma das principais dificuldades funcionais da instituição. Entretanto, passamos de cerca de 400 procuradores, em finais de 2017, para os actuais 634, e de cerca mil e 500 funcionários para dois mil, o que significa um crescimento de mais de 50% em matéria de recursos humanos.
Outro vector definido como prioritário foi a necessidade de revigorar os principais órgãos da PGR vocacionados para o combate à criminalidade, sobretudo a económico-financeira, como a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), a Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção e a criação do Serviço Nacional de Recuperação de Activos, cujos resultados são hoje de conhecimento público, quer pelos valores monetários que o Estado vem recuperando, quer pelo número de processos instaurado sobre esta matéria.
Aprimoramos os mecanismos de cooperação institucional e internacional da PGR, trabalhamos no sentido da criação de condições condignas para o funcionamento da Direcção da PGR, o que culminou com a inauguração da sua sede após 44 anos de existência. Portanto, é notório que a imagem da justiça angolana melhorou no país e no estrangeiro, fruto, em parte, dos bons resultados que têm sido alcançados pela PGR. Mas não perdemos de vista que ainda temos muitos desafios pela frente.
ANGOP: Quais são esses desafios ou as grandes dificuldades que enfrentam?
HPG: A maior dificuldade que a PGR tem enfrentado prende-se com a escassez de recursos. Faltam-nos recursos financeiros, quer para melhorar as condições de trabalho e sociais dos magistrados e funcionários da PGR, quer para aumentar a capacidade investigativa para combater, de modo mais eficaz, o crime, sobretudo o económico-financeiro, o crime organizado e o cibercrime. Ademais, os recursos humanos ainda não satisfazem na plenitude a demanda laboral, uma vez que não atingimos o ideal de magistrados por habitantes.
ANGOP: Mas os quadros existentes têm sabido corresponder às expectativas?
HPG: Os procuradores têm, efectivamente, correspondido às exigências do momento actual. Trabalham de modo abnegado, mesmo quando as condições materiais não são as melhores. Por um lado, a PGR tem em curso programas de formação em matérias relacionadas com a investigação da criminalidade mais complexa e organizada, contando com parceiros nacionais e internacionais como o Escritório das Nações Unidas contra as Drogas e Crime (UNODC). As formações têm ocorrido em Angola, Portugal, Reino Unido entre outros. Por outro lado, os procuradores têm procurado adquirir mais conhecimentos, frequentando cursos de especialização, mestrados e até doutoramento a expensas próprias, em matérias das diversas áreas de actuação do Ministério Público.
ANGOP: Quantos processos já foram instaurados pela PGR desde 2017, altura em que o país começou a sentir, mais de perto, a intensidade do vosso trabalho?
HPG: Durante este período, foram instaurados muitos processos, em todo o país. Só ao nível da actuação do Ministério Público junto dos órgãos de polícia criminal foram instaurados cerca de um milhão de processos-crime. Mas, como sabe, a actuação da PGR não se circunscreve à área criminal, pelo que temos intervenção processual em todos os tribunais e jurisdições. A título de exemplo, o Ministério Público interveio em cerca de 73 mil processos na Sala de Família, 38 mil na Sala do Trabalho, 35 mil na Sala do Civil e 10 mil na sala de Justiça Juvenil.
ANGOP: Quantos processos estão em fase de instrução preparatória?
HPG: Em instrução preparatória estão cerca de 600 mil processos, em todo o país.
ANGOP: Deste número, quantos estão relacionados com a corrupção, o peculato e branqueamento de capitais. É possível precisar esses dados?
HPG: Neste período, foram instaurados cerca de dois mil 500 processos de corrupção, no sentido lato do termo, mas que tecnicamente inclui os crimes de peculato, corrupção activa e passiva, recebimento indevido de vantagem, tráfico de influência, branqueamento de capitais, dentre outros crimes que integram a criminalidade económico-financeira. Destes, cerca de 450 foram findos e remetidos a juízo, dos quais já resultaram 20 condenações. No entanto, estes dados estão sujeitos a alteração constante, porque todos os dias realizam-se novos julgamentos.
ANGOP: O combate à corrupção é uma das bandeiras da governação do Presidente João Lourenço, desde que assumiu o poder em 2017. Sendo a PGR o organismo que representa o Estado no exercício da acção penal, que balanço faz da vossa acção virada para a prevenção de crimes?
HPG: Uma das primeiras acções levadas a cabo pela PGR quando nos confrontamos com a necessidade de fazer um combate estruturado à corrupção e à impunidade foi a elaboração de um Plano Estratégico de Combate de Prevenção e à Corrupção da Procuradoria-Geral da República. No âmbito deste Plano, foram identificadas áreas de risco e realizadas campanhas de educação e sensibilização contra a corrupção em todo o país, dentre outras acções de prevenção. Muito recentemente, apresentamos publicamente os resultados da execução do referido plano e uma das constatações foi de que a conjugação das acções de prevenção e combate à corrupção levaram à diminuição significativa dos índices de percepção da corrupção, sendo que o nosso país subiu vários lugares nos vários rankings de organizações internacionais, o que tem resultado em ganhos de credibilidade internacional da justiça angolana. A título de exemplo, Angola passou da posição 169 para a116 no índice da ONG Transparência Intencional.
ANGOP: O envolvimento da sociedade neste vosso programa já é satisfatório?
HPG: A sociedade foi chamada a participar no combate à corrupção e atendeu de modo satisfatório, como bem o demonstra o número crescente de denúncias, com base nas quais muitos processos têm sido abertos. A sociedade foi também envolvida na realização das campanhas de educação e sensibilização sobre os malefícios da corrupção, em vários formatos: palestras, workshops, programas radiofónicos e televisivos.
ANGOP: Dois grandes processos têm marcado, nos últimos anos, a acção da PGR. Falamos dos casos que envolvem o antigo Vice-Presidente da República, Manuel Vicente, e a antiga PCA da Sonangol, Isabel dos Santos. Qual é, por esta altura, o ponto de situação destes processos mediáticos?
HPG: O que pode ser tornado público neste momento é que, terminado o período de imunidade do antigo Vice-Presidente da República, Manuel Domingos Vicente, existem processos-crime contra o visado, que se encontra em instrução preparatória. Quanto aos processos instaurados contra a Isabel dos Santos, estão em fase de instrução preparatória, já muito avançada, e, em breve, teremos novidades.
ANGOP: Isabel dos Santos é alvo de um mandado de captura internacional. O que evoluiu até agora em relação a esse mandato. Há novos contornos?
HPG: Nos termos da lei, a PGR emitiu um mandado de captura internacional contra a Eng. Isabel dos Santos e o remeteu à Interpol, pelo que aguarda a sua execução.
ANGOP: Outros assuntos de que muito se fala são os casos da antiga presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gamboa, e do juiz Joel Leonardo. Em concreto, o que a PGR já fez em relação a esses dois casos específicos?
HPG: Quanto à antiga presidente do Tribunal de Contas, o processo instaurado contra ela segue a sua tramitação e encontra-se na fase de instrução preparatória junto do órgão competente da PGR, a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal. Relativamente ao actual Juiz Presidente do Tribunal Supremo, importa esclarecer que Joel Leonardo até ao presente momento não foi constituído arguido em nenhum processo instaurado na DNIAP. Embora tenham havido buscas nas instalações do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, elas ocorreram no âmbito da investigação de um processo em que o arguido estava ligado àquele órgão. O referido processo já se encontra na fase de julgamento.
ANGOP: Há algum tempo, os lesados do caso Build Angola formalizaram uma queixa à PGR e apelaram à vossa intervenção. A PGR deu tratamento a isso?
HPG: A PGR, para a defesa dos lesados, instaurou uma acção declarativa de condenação que corre trâmites na 1ª Secção da Sala no Cível da Comarca de Luanda. Portanto, corre um processo contra os visados, movido pela PGR em nome dos lesados.
ANGOP: Falemos agora da recuperação de activos. Em que estado se encontra o processo de recuperação de bens no exterior? Há novos dados que pode avançar?
HPG: Para a recuperação de bens no estrangeiro, os processos-crime correm em Angola. E só depois de termos decisões transitadas em julgado é que vamos ao estrangeiro requerer a execução dessas decisões. Neste momento, estão em curso os pedidos de restituição de bens no estrangeiro referente ao processo das AAA. Está em causa a recuperação de mais de dois mil milhões de USD, em dinheiro, que se encontra em diversos países.
ANGOP: Pode contabilizar os bens já recuperados, efectivamente?
HPG: Já foram recuperados, efectivamente, activos financeiros e não financeiros, incluindo através do Regime de Entrega Voluntária de Bens, cerca de USD 7 500 00 000. Esses dados estão disponíveis do site da PGR: www.senra.prg.ao. É importante realçar que, por mostrar eficaz, alguns países africanos e da américa latina têm manifestado o interesse em colher a experiência de Angola, com vista a introduzir o regime de entrega voluntária de bens nos seus ordenamentos jurídicos.
ANGOP: Qual é o ponto de situação dos activos recuperados a nível internacional?
HPG: Os bens recuperados no estrangeiro já têm servido para melhorar as condições sociais da população. É o que sucedeu com os valores recuperados pelo Fundo Soberano, que foram investidos no PIIM-Plano Integrado de Intervenção nos Municípios.
Por dentro
Hélder Pitta Grós nasceu a 19 de Março de 1956, na província de Luanda.
De 2007 a 2017, desempenhou as funções de Procurador das Forças Armadas Angolanas e Vice-Procurador-Geral da República para a Esfera Militar, respectivamente.
Foi nomeado Procurador-Geral da República a 19 de Dezembro de 2017.FMA/VM