Luanda – O primeiro embaixador de Cuba em Angola, Oscar Oramas-Oliva expressou, em entrevista à ANGOP, o desejo de que os angolanos continuem a construir uma nação chamada a ser um farol e guia dos povos africanos.
(Por Fernando Tati, jornalista da ANGOP)
Primeiro embaixador de Cuba em Angola, Oscar Oramas respondeu a um questionário que lhe foi enviado pela Angop, no quadro da comemoração dos 45 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de Novembro de 1975.
Nascido em Cienfuegos, Cuba, a 12 de Novembro de 1936, Oscar Oramas espera, ainda, que os angolanos “nunca esqueçam as experiências da luta pela independência”, a sua maior conquista política.
Quanto ao relacionamento entre Angola e Cuba, o antigo diplomata diz que os dois países devem alargar cada vez mais as suas relações em todas as áreas.
Na sua perspectiva, esse será o caminho para angolanos e cubanos beneficiarem das suas respectivas experiências e possibilidades e construírem sobre a sua história comum de luta, a fim de continuarem a reforçar os laços bilaterais.
Leia a versão integral da entrevista do antigo diplomata cubano, que também representou o seu país na República da Guiné, no Malí, em São Tomé e Príncipe, e nas Nações Unidas, assim como foi director de África e vice-ministro das Relações Exteriores do seu país.
Senhor embaixador Oscar Oramas, Angola comemora, a 11 de Novembro do ano em curso, 45 anos de independência. O que representa para si ter sido o primeiro representante diplomático de Cuba nesse país?
Foi uma honra muito elevada e uma prova de confiança do Comandante em Chefe da Revolução, Fidel Castro Ruz. Tratava-se de representar a minha Pátria junto de um povo heroico e artífice de uma independência com uma vocação transcendental.
Em que data o Senhor desembarcou em Luanda, para assumir o cargo de primeiro embaixador de Cuba em Angola e quais foram as suas primeiras impressões?
Cheguei a Luanda a 5 de Dezembro de 1975 e apresentei as minhas cartas credenciais em Janeiro de 1976. Fui o segundo a ser acreditado, já que o primeiro foi o embaixador do Congo-Brazzaville, Benjamin Boumkulu.
Na sua mensagem da proclamação da independência de Angola, lida às zero horas de 11 de Novembro de 1975, o então Presidente do MPLA, que seria o primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, dizia: “A República Popular de Angola, país empenhado na luta anti-imperialista, terá por aliados naturais os países africanos, os países socialistas e todos as forças progressistas do Mundo”. Cuba era, sem sombra para dúvidas, um país cimeiro nesse relacionamento. Quer falar do processo da preparação da vinda dos internacionalistas cubanos a Angola, em vésperas da proclamação da independência do país africano?
Devo dizer que desde a chamada Revolução dos Cravos em Portugal (a 25 de Abril de 1974), nós vínhamos a estudar, de forma pontual, o que se estava a passar em Angola, porque a liderança do MPLA tinha relações históricas com Cuba. Vínhamos acompanhando os movimentos das potências imperialistas e dos países seus aliados, para tentar bloquear a independência de Angola, sob a liderança do MPLA. Em várias ocasiões, Agostinho Neto tinha-nos pedido apoio e, nessas circunstâncias, estudámos os pedidos e as formas de ajuda, tendo em consideração a distância geográfica entre ambos os países.
A História regista que uma delegação do MPLA deslocou-se a Havana, em Julho de 1974, por ocasião das comemorações de mais um aniversário do Assalto ao Quartel de Moncada. A delegação era portadora de uma mensagem de Agostinho Neto a Fidel Castro, a solicitar ajuda em instrutores militares, armas e apoio financeiro. A missão abriria o caminho para contactos posteriores, que levariam Cuba a ajudar Angola. Que comentários tem a fazer sobre essas diligências?
Devo dizer que a 26 de Junho de 1975, em Maputo, Agostinho Neto encontrou-se com a delegação cubana, presidida pelo Comandante Armando Acosta e composta pelo oficial do Comité Central Carlos Cadelo e Oscar Oramas, o então director de África no Ministério dos Negócios Estrangeiros cubano, que se deslocou aos acontecimentos para a independência daquela República irmã. Nessa ocasião, Angola voltou a reforçar o pedido, mais detalhadamente. A partir daquele momento, a mais alta liderança da Revolução Cubana decidiu materializar o apoio ao MPLA.
Depois de vários contactos, o mês de Agosto de 1975 marca, de facto, o início da presença efectiva e real dos internacionalistas cubanos em Angola, com a chegada, a Luanda, do comandante Raúl Díaz Arguelles. Nessa altura, o senhor já tinha sido contactado no sentido de se preparar para tornar-se primeiro embaixador cubano em Angola?
Quando cheguei a Luanda, em Dezembro de 1975, fui como conselheiro do membro do Secretariado do Comité Central do Partido Comunista de Cuba, Jorge Risquet, que era o chefe dos colaboradores civis. Já em Luanda, fui informado da minha nomeação como embaixador.
A presença dos internacionalistas cubanos em Angola viria a ter o seu teste de resistência no dia 10 de Novembro de 1975, quando forças da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), coligadas com o exército zairense, sob as ordens do então presidente Mobutu Sese Seko, foram derrotadas e humilhadas em Kifangondo, no município de Cacuaco, bem às portas da cidade de Luanda. O que representou, para Cuba, a Batalha de Quifangondo?
Essa batalha representou a realização de muitos esforços e ousadia, ultrapassando obstáculos, mas a vitória de Quifangondo permitiu-nos medir a justeza das nossas convicções e a alegria de lutar ao lado de um povo corajoso, determinado a dar tudo pela sua liberdade, sob a orientação do MPLA e do seu líder, António Agostinho Neto. Para os revolucionários cubanos, era uma confirmação do que Fidel havia dito: “desafiar forças dominantes poderosas dentro e fora da esfera social e nacional; e defender valores em que se acredita ao preço de qualquer sacrifício”.
Está mais que claro que Cuba desempenhou um papel fulcral na conquista e na preservação da independência de Angola. O que tem a dizer sobre isso?
Cuba, liderada pelo nosso líder histórico Fidel Castro Ruz, cumpriu em Angola o sagrado dever internacionalista de apoiar aquele povo digno na luta épica para conquistar e preservar a sua independência. Fizemo-lo seguindo o princípio de que a solidariedade deve reger as relações entre povos e países, como demonstrado pela experiência histórica e como evidenciado hoje pela luta contra o Covid-19.
Como foi, para si, viver e acompanhar “in situ” aqueles primeiros dois anos da independência de Angola?
Como tenho escrito, esses momentos épicos estavam cheios de ensinamentos. Angola estava a sofrer as consequências de uma longa noite colonial, as constantes agressões do inimigo, o fervor de construir o Estado, o aparelho administrativo e uma nova vida pelo e para o povo angolano. Foi uma experiência única, porque cada povo escreve a sua própria história e, na sua singularidade, contribui para o património universal.
Certamente que esteve algumas vezes com o Presidente Agostinho Neto. Como foi a sua relação com o Fundador da Nação angolana e como poderia caracterizá-lo, como homem e como político?
No exercício destas funções, tive a sorte de várias vezes dialogar com o Presidente António Agostinho Neto, com quem já me havia encontrado, na Argélia, em 1964. Um homem sereno, culto, pensativo, digno, firme nas suas convicções e decisões, e com um amor muito forte por Angola, pelo seu povo e pela liberdade. Ele impressionou-me com a sua determinação estoica de lutar, sem hesitação, pela independência total de Angola. Ele era muito estudioso, analítico e eu percebi que ele conhecia as questões que estávamos a abordar. Os obstáculos a ultrapassar eram muito grandes, mas Neto não tinha medo deles, eu diria que ele estava a crescer nessas circunstâncias. Era um homem de grande silêncio, com um olhar profundo e muito humano. Tenho uma profunda admiração pelo seu grande trabalho de conduzir o país à independência, no meio de uma luta tenaz.
Das recordações que certamente tem da sua missão, como embaixador em Angola, que episódio ou circunstância inusitada ou extraordinária poderá o senhor destacar agora dos momentos que viveu nesse país?
A decisão de ajudar outros povos africanos na luta pela emancipação. Neto foi muito forte no apoio à SWAPO, na Namíbia, ao ANC, na África do Sul, e à Frente Patriótica, no Zimbabwe. Agostinho Neto sofreu muito com isso, mas nunca desistiu, o que tornou possível o amanhecer da África Austral. Neto estava bem ciente de que a garantia da independência de Angola estava no reino da liberdade no resto da região.
O embaixador Oscar Oramas também foi representou o seu país na Guiné-Conakri, no Mali, São Tomé e Príncipe e Organização das Nações Unidas, além de exercer outras funções no Ministério das Relações Exteriores do seu país. Que importância considera que teve a sua experiência em Angola para o curso que teve depois a sua carreira diplomática?
Angola permitiu-me consolidar o meu conhecimento de África e dos seus povos. Eu diria que a minha estadia no país me enriqueceu espiritual e culturalmente, e isto permitiu-me assumir as funções que mencionou. Da minha estadia em Angola, surgiu a minha tese de doutoramento sobre África, a descolonização e os seus líderes.
Passados 45 anos, como vê Angola, hoje?
Os processos históricos e sociais são longos e complexos, e Angola está inexoravelmente em busca de si mesma, para o que tem uma história bela e impressionante, antes da colonização e, mais tarde, na construção de uma nação moderna, na qual os seus filhos gozam de plena liberdade, que conquistaram ao preço de muitos sacrifícios, permitindo-lhes avançar em todas as áreas e assim contribuir para a civilização universal.
Certamente que continua a acompanhar o desenvolvimento das relações políticas e diplomáticas entre Angola e Cuba. Como vê o estado dessas relações e o que considera ser necessário fazer para que sejam mais benéficas para os respectivos povos?
No mundo de hoje, repito, a solidariedade deve reger as relações entre os povos, os governos, especialmente os do chamado Terceiro Mundo. Cuba e Angola devem alargar cada vez mais as suas relações em todas as áreas, beneficiar das suas respectivas experiências e possibilidades e construir sobre a sua história comum de luta, a fim de continuarem a reforçar os laços bilaterais.
Que mensagem deixaria para o povo angolano por ocasião da festa dos 45 anos de independência da República de Angola?
Que nunca esqueçam as experiências da luta pela independência e que continuem incessantemente a construir uma nação chamada a ser um farol e guia dos povos africanos e, portanto, do Terceiro Mundo.